Arthur Reis, 1927 |
A
revista Cabocla, que foi criada e dirigida
pelo saudoso jornalista Genesino Braga, em sua edição de julho de 1936 publica
uma resenha do livro “Traços
cabanos”, elaborada pelo jovem Arthur Reis (1906-93). Convém lembrar que
este amazonense já se consagrara ao publicar, cinco anos antes, sua primeira
obra – História do Amazonas. O
texto, abaixo.
Título da resenha na revista Cabocla, 1936 |
Panorama,
no fim de contas, que estava tardando e deve ser traçado por nós do vale para
evitar que se continue a referir à síntese dos quatro séculos que o Brasil já viveu,
sem a necessária justiça à nossa contribuição, que nada tem de inferior a das
demais províncias humanas do país.
Acresce,
porém, que há ainda uma série de fatos que não foram convenientemente
estudados, reclamando, por isso mesmo, a pesquisa nos arquivos, fase de
penetração, de divulgação de documentos. Para isso, o departamento paraense na espécie
magnificamente aparelhado, com abundante e razoavelmente catalogado material.
O
desembargador Jorge Hurley, que preside com amor, entusiasmo, alto descortino a
Casa do Pará, o Instituto Histórico de Belém, avisado estudioso da
amazonologia, escritor de louvados e proclamados merecimentos, fidalgo do
pensamento, atitudes francas, certo de que sem o conhecimento dessas fontes
preciosas, fundamentais, não era possível dizer a verdade histórica, bom
heurista, severo, meteu ombros à tarefa beneditina e nos está revelando,
minuciosamente um mundo de novidades. Altas novidades, que nos esclarecem, que
nos orientam, que nos explicam certos momentos da caminhada amazônica.
Jorge
Hurley lançou-se ao esmerilhamento da “Cabanagem”, nas suas origens, nos seus episódios,
nas suas consequências. No Arquivo de Belém fez colheita magnifica,
selecionada. Escreveu, então, uma trilogia interessantíssima, de que nos manda
o primeiro tomo sob o título “Traços cabanos”. São quinze capítulos estampando episódios da
Cabanagem, a começar no desembarque de Andréa, o caso da escuna Clio, as façanhas de Jacó Patacho, o “Lampeão
glebário”, assuntos que ficam definitivamente esclarecidos.
Há,
todavia, em “Traços cabanos” referências aos meus mirrados, paupérrimos ensaios
regionais. No capítulo “Os cabanos no Amazonas”, a referência vale quase como
uma contestação. É que, na “História do Amazonas”, afirmei a morte violenta de
Bararoá, no Autaz, a 6 de agosto. Hurley, com o ofício nº 31, de 23 de outubro
de 1838, de Andréa ao Secretário dos Negócios da Guerra, encerra as dúvidas a
respeito do incidente, que tantos prejuízos imediatos trouxe à ordem geral na
Comarca do Amazonas.
Bararoá,
pela descrição do futuro barão de Caçapava, foi morto pelos cabanos já no (rio) Madeira. É, assim, um tópico sobre
o qual não se pode mais dizer em contrário. Só esse tópico. Porque, em torno da
figura de Ambrósio Aires, há ainda outras lacunas desafiando pesquisas. Geralmente
apontado como degredado político nordestino, envolvido no movimento democrático,
constitucionalista, de 1824, aqui estaria cumprindo penalidade.
Ora,
na relação dos que se viram às voltas com a justiça impiedosa, sangrenta das comissões
militares de Dom Pedro I, não consta o nome do nosso herói. Sabemos apenas de
Alexandrino Magno Taveira Pau Brasil, José Ferreira de Azevedo, frei Alexandre
da Purificação, três patriotas daquela jornada cívica que aqui vieram padecer a
culpa de suas atitudes políticas. Só esses três nomes aparecem. A não ser que
Bararoá, revolucionário, ao fracasso do movimento, como o boticário Vicente
Alves da Silva, aqui tivesse vindo parar como fugitivo.
O
fato é que já o encontramos, em 1832, contra as nossas aspirações autonomistas,
inteiramente ao lado do Governo do Pará, o que não ocorreria com frei
Alexandre, que se bateu por nossos anseios libertários. Encontramo-lo, mais,
nesse instante, como autoridade legal, no rio Negro. Criminoso político no exercício
de funções militares, naqueles momentos de tantas paixões? Teria sido dos
anistiados em 1831?!
Uma
figura singular, surpreendente, esse Ambrósio Aires, rixento, bravo, terror dos
cabanos.
* * *
“Traços
cabanos” não é absolutamente uma obra que apresente os vinte anos de
intranquilidade que vivemos sob o Primeiro Império e as Regências, com unidade,
exposição circunstanciada, ou visão sintética. Estamos diante de um livro de episódios,
documentados, que era preciso vir à luz como o foram. Como, de certo, o de Jacó
Patacho, “Lampeão glebário”, imortalizado nas páginas de “O Missionário”, de
Inglês de Souza.
A
história da Cabanagem, serena, das origens ao seu epílogo, tem de ser feita
ouvindo-se a palavra dos que a movimentaram e encontramos espalhada no
noticiário dos jornais da época, em Belém e na Corte, na panfletária que
circulou em massa e foi uma característica muito curiosa do Primeiro Império e
das Regências, apreciando-se essa documentação preciosa que agora nos vai sendo
confiada.
Ainda
há pouco tempo, a 13 de maio, não se fez em Belém e no Rio de Janeiro, a
comemoração festiva do centenário do fim da Cabanagem! E não sabemos tão bem
que a tomada de Belém não encerrou o ciclo sangrento, como muito acertadamente
assinalou, apoiado no que já afirmei documentadamente, Basílio de Magalhães, no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro?!
“Traços
cabanos” é uma contribuição feliz, para o conhecimento de nossa formação
político-social. Jorge Hurley nos deu ali um farto cabedal de minúcias
importantes.
Mando-lhe,
com estas linhas, as minhas felicitações.
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