CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, março 19, 2013

ARTHUR REIS E A CABANAGEM

Arthur Reis, 1927

A revista Cabocla, que foi criada e dirigida pelo saudoso jornalista Genesino Braga, em sua edição de julho de 1936 publica uma resenha do livro “Traços cabanos”, elaborada pelo jovem Arthur Reis (1906-93). Convém lembrar que este amazonense já se consagrara ao publicar, cinco anos antes, sua primeira obra – História do Amazonas. O texto, abaixo.
 

Título da resenha na revista Cabocla, 1936
 
A história da historiografia amazônica já oferece, à galeria nacional, uma série de figuras interessantes, que não têm sido devidamente apreciadas. Vindo de Mauricio de Heriarte, Braun, passando por sobre os vultos memoráveis de Bettendorf, José de Moraes, Jacinto de Carvalho, jesuítas que nos deixaram a notícia pormenorizada das façanhas da ordem de Santo Inácio, passando por sobre Berredo, o injustiçado cronista dos “Anais do Maranhão”, indo a Baena, Accioly, Rodrigues Ferreira, Sampaio, Lobo d´Almada, Aguiar de Andrade, Leonardo Ferreira Peres, André Fernandes de Souza, José Maria Coelho, Almeida Souto, chegamos a José Verissimo, Arthur Viana, João Lucio de Azevedo, Rayol, Santa Rosa, Marajó, Bento Aranha, Teodoro Braga, Sant´Ana Nery, Torquato Tapajós, Bertino de Miranda, Manoel Barata, Aprígio Menezes, Vilhena Alves, Faria e Souza, Inácio Moura, Braga Ribeiro e Palma Muniz, além de outros menores, que trabalharam os materiais com que teremos amanhã o grande panorama da evolução regional no quadro geral da civilização brasileira.

Panorama, no fim de contas, que estava tardando e deve ser traçado por nós do vale para evitar que se continue a referir à síntese dos quatro séculos que o Brasil já viveu, sem a necessária justiça à nossa contribuição, que nada tem de inferior a das demais províncias humanas do país.
Acresce, porém, que há ainda uma série de fatos que não foram convenientemente estudados, reclamando, por isso mesmo, a pesquisa nos arquivos, fase de penetração, de divulgação de documentos. Para isso, o departamento paraense na espécie magnificamente aparelhado, com abundante e razoavelmente catalogado material.

O desembargador Jorge Hurley, que preside com amor, entusiasmo, alto descortino a Casa do Pará, o Instituto Histórico de Belém, avisado estudioso da amazonologia, escritor de louvados e proclamados merecimentos, fidalgo do pensamento, atitudes francas, certo de que sem o conhecimento dessas fontes preciosas, fundamentais, não era possível dizer a verdade histórica, bom heurista, severo, meteu ombros à tarefa beneditina e nos está revelando, minuciosamente um mundo de novidades. Altas novidades, que nos esclarecem, que nos orientam, que nos explicam certos momentos da caminhada amazônica.

Jorge Hurley lançou-se ao esmerilhamento da “Cabanagem”, nas suas origens, nos seus episódios, nas suas consequências. No Arquivo de Belém fez colheita magnifica, selecionada. Escreveu, então, uma trilogia interessantíssima, de que nos manda o primeiro tomo sob o título “Traços cabanos”. São quinze capítulos estampando episódios da Cabanagem, a começar no desembarque de Andréa, o caso da escuna Clio, as façanhas de Jacó Patacho, o “Lampeão glebário”, assuntos que ficam definitivamente esclarecidos.

Há, todavia, em “Traços cabanos” referências aos meus mirrados, paupérrimos ensaios regionais. No capítulo “Os cabanos no Amazonas”, a referência vale quase como uma contestação. É que, na “História do Amazonas”, afirmei a morte violenta de Bararoá, no Autaz, a 6 de agosto. Hurley, com o ofício nº 31, de 23 de outubro de 1838, de Andréa ao Secretário dos Negócios da Guerra, encerra as dúvidas a respeito do incidente, que tantos prejuízos imediatos trouxe à ordem geral na Comarca do Amazonas.

Bararoá, pela descrição do futuro barão de Caçapava, foi morto pelos cabanos já no (rio) Madeira. É, assim, um tópico sobre o qual não se pode mais dizer em contrário. Só esse tópico. Porque, em torno da figura de Ambrósio Aires, há ainda outras lacunas desafiando pesquisas. Geralmente apontado como degredado político nordestino, envolvido no movimento democrático, constitucionalista, de 1824, aqui estaria cumprindo penalidade.

Ora, na relação dos que se viram às voltas com a justiça impiedosa, sangrenta das comissões militares de Dom Pedro I, não consta o nome do nosso herói. Sabemos apenas de Alexandrino Magno Taveira Pau Brasil, José Ferreira de Azevedo, frei Alexandre da Purificação, três patriotas daquela jornada cívica que aqui vieram padecer a culpa de suas atitudes políticas. Só esses três nomes aparecem. A não ser que Bararoá, revolucionário, ao fracasso do movimento, como o boticário Vicente Alves da Silva, aqui tivesse vindo parar como fugitivo.

O fato é que já o encontramos, em 1832, contra as nossas aspirações autonomistas, inteiramente ao lado do Governo do Pará, o que não ocorreria com frei Alexandre, que se bateu por nossos anseios libertários. Encontramo-lo, mais, nesse instante, como autoridade legal, no rio Negro. Criminoso político no exercício de funções militares, naqueles momentos de tantas paixões? Teria sido dos anistiados em 1831?!
Uma figura singular, surpreendente, esse Ambrósio Aires, rixento, bravo, terror dos cabanos.
* * *

“Traços cabanos” não é absolutamente uma obra que apresente os vinte anos de intranquilidade que vivemos sob o Primeiro Império e as Regências, com unidade, exposição circunstanciada, ou visão sintética. Estamos diante de um livro de episódios, documentados, que era preciso vir à luz como o foram. Como, de certo, o de Jacó Patacho, “Lampeão glebário”, imortalizado nas páginas de “O Missionário”, de Inglês de Souza.

A história da Cabanagem, serena, das origens ao seu epílogo, tem de ser feita ouvindo-se a palavra dos que a movimentaram e encontramos espalhada no noticiário dos jornais da época, em Belém e na Corte, na panfletária que circulou em massa e foi uma característica muito curiosa do Primeiro Império e das Regências, apreciando-se essa documentação preciosa que agora nos vai sendo confiada.

Ainda há pouco tempo, a 13 de maio, não se fez em Belém e no Rio de Janeiro, a comemoração festiva do centenário do fim da Cabanagem! E não sabemos tão bem que a tomada de Belém não encerrou o ciclo sangrento, como muito acertadamente assinalou, apoiado no que já afirmei documentadamente, Basílio de Magalhães, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro?!

“Traços cabanos” é uma contribuição feliz, para o conhecimento de nossa formação político-social. Jorge Hurley nos deu ali um farto cabedal de minúcias importantes.

Mando-lhe, com estas linhas, as minhas felicitações.

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