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Alencar e Silva |
E prossegue Alencar e
Silva examinando a obra de L. Ruas: Aparição
do clown (1958).
Em 1964, já integrado à linha de frente do Clube da Madrugada, como um dos seus mais brilhantes animadores, é preso por 40 dias, sob acusação de subversão, tempo em que, não obstante o sofrimento causado pela usurpação da liberdade, realizou a tradução de Une Saison en Enfer, de Arthur Rimbaud, que sua mãe lhe fizera chegar às mãos.
Sua obra literária, além do livro de estreia - e que estreia! - Aparição do Clown,poesia (1958), inclui crônicas e ensaios. (...)
Sua linhagem espiritual, tanto quanto nos é possível vislumbrar por meio de exame fragmentário de suas obras, é a que vem dos grandes pensadores e artistas cristãos, desde o maravilhoso Vidente de Patmos até aos mais próximos de nós, como um Léon Bloy, um Charles Foucauld e um Jacques Maritain, um Claudel e um Exupéry, um Tristão de Athayde e um Antônio Carlos Villaça, um Jorge de Lima e (sob um outro aspecto) um Carlos Drummond de Andrade - que são, os dois últimos, entre os poetas brasileiros, os que, segundo penso, terão exercido, por assim dizer, sobre a sua poesia as influências (se de influências se trata) mais salutares, a eles vinculando-se o poeta amazonense por aquela espécie de parentesco ou afinidade eletiva que aproxima determinados espíritos e os faz falar o mesmo idioma.
Difícil é resumir em poucas linhas a multiplicidade de traços que lhe compõem a personalidade. Difícil e, ao mesmo tempo, providencialmente desnecessário, posto que ele mesmo, em tudo o que escreve, se encarrega de revelar-se por inteiro ao leitor, como síntese acabada do tremendo e solitário combate em que se esculpem e se estruturam as personalidades humanas definitivas. (...)
Também de 1958 é o livro de estreia de L
Ruas: Aparição
do Clown, poema cristão - ou crístico - dos mais belos que já se escreveram e que o autor quer que seja “um ato de adoração ao Cristo quando Herodes o chamar de louco". Poema que considero o seu magnum
opus e de cujo foco luminoso ouso aproximar-me agora, dezessete anos depois, e não sem uma ponta de temor.
Não de que se possa trair em exagero e superestima a admiração que voto ao extraordinário texto, mas, sim, de que a tarefa esteja além do meu alcance, dada a realidade estonteante e quase inabarcável desse poema verdadeiramente belo e majestoso, e de brilho arrebatador.
Disse que se trata de um poema crístico. Mas ficou implícito, também, que não se trata de um poema fácil, que logo se entregue à nossa fruição. Ao contrário. Diria mesmo ser este um texto tremendamente difícil e labiríntico em seu maravilhoso hermetismo, visto que os seus vários segmentos luminosos podem, com efeito, confundir-nos (numa leitura menos atenta) e fazer-nos caminhar por seus desvios, afastando-nos, consequentemente, de seu núcleo, de seu tema fundamental, de sua significação humana e divina, assim como se, em vez da estrada real, tomássemos por atalhos que apenas nos deixassem perceber, ao longe, o rumor e as luzes da festa...
E é este o grande desafio que o poema nos propõe. Ou lhe identificamos os símbolos, ou sua chuva não nos molhará. Começa pela circunstância de que por ele perpassa inominadamente o espírito do Cristo, que é
a um tempo sua respiração e seu mistério fundamental.
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Capa do livro de L. Ruas |
Como identificá-lo, se seu nome não é uma só vez modulado? Na alusão dos signos? Nos símbolos? Na atmosfera prestigiosa do poema? Certamente que sim. Inclusive porque uma tal forma de mostrar-se - a um tempo incógnita e inconfundível - era/é, porventura, a mais consentânea com o feitio e a doce índole do Mestre. Não foi assim, porventura, na antemanhã da ressurreição? E assim também na estrada de Emaús? E no caminho de Roma? E no episódio da pesca milagrosa (E nenhum dos discípulos ousava perguntar- Quem és? sabendo que era o Senhor. [João, XXI: 12])?
Tenho para mim que é assim também que ele perpassa pelo poema. E que podemos adivinhá-lo na figura do pássaro ferido, vagando antes que surja a madrugada. Na hora em que não é
dia
nem é noite. No lusco-fusco crepuscular. Na hora da luz azul.
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