CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, janeiro 12, 2012

ALENCAR E SILVA: INTÉRPRETE DO "CLOWN" (2/3)


Alencar e Silva
E prossegue Alencar e Silva examinando a obra de L. Ruas: Aparição do clown (1958).

Em 1964, já integrado à linha de frente do Clube da Madrugada, como um dos seus mais brilhantes animadores, é preso por 40 dias, sob acusação dsubvero, tempo em que, não obstante o sofrimento causado pela usurpação da liberdade, realizou a tradução de Une Saison en Enfer, de Arthur Rimbaudque sua e lhe fizera chegar às mãos.
Sua obra literia, além do livro de estreia - e que estreia! - Aparição do Clown,poesia (1958), inclui crônicas e ensaios. (...)

Sua linhagem espiritual, tanto quanto nos é possível vislumbrar por meio de  exame fragmentário de suas obras, é a que vem dos grandes pensadores e artistas cristãos, desde o maravilhoso Vidente de Patmos até aos mais próximos  de nós, como um Léon Bloy, um Charles Foucauld e um Jacques Maritain, um  Claudel e um Exupéry, um Tristão de Athayde e um Antônio Carlos Villaça, um Jorge de Lima e (sob um outro aspecto) um Carlos Drummond de Andrade - qusão, os dois últimos, entre os poetas brasileiros, os que, segundo penso, terão  exercido, por assim dizer, sobre a sua poesia as influências (se de influências se  trata) mais salutares, a eles vinculando-se o poeta amazonense por aquela  espécie de parentesco ou afinidade eletiva que aproxima determinados espíritoe os faz falar o mesmo idioma.

Difícil é resumir em poucas linhas a multiplicidade de traços que lhe compõem a personalidade. Difícil e, ao mesmo tempo, providencialmente desnecessário,  posto que ele mesmo, em tudo o que escreve, se encarrega de revelar-se por inteiro ao leitor, como síntese acabada do tremendo e solitário combate eque se esculpem e se estruturam as personalidades humanas definitivas. (...)


Também de 1958 é o livro de estreia de L Ruas: Aparição do Clown, poemcristão - ou cstico - dos mais belos que já se escreveram e que o autor queque seja “um ato de adoração ao Cristo quando Herodes o chamar de louco".  Poema que considero o seu magnum opus e de cujo foco luminoso ouso aproximar-me agora, dezessete anos depois, e não sem uma ponta de temor.

Não de que se possa trair em exagero e superestima a admiração que voto ao  extraordinário texto, mas, sim, de que a tarefa esteja além do meu alcance,  dada a realidade estonteante e quase inabarcável desse poema verdadeiramente  belo e majestoso, e de brilho arrebatador.

Disse que se trata de um poema crístico. Mas ficou implícito, também, que não  se trata de um poema fácil, que logo se entregue à nossa fruição. Ao contrário.  Diria mesmo ser este um texto tremendamente difícil e labiríntico em semaravilhoso hermetismo, visto que os seus vários segmentos luminosos podem, com efeito, confundir-nos (numa leitura menos atenta) e fazer-nos caminhar por  seus desvios, afastando-nos, consequentemente, de seu núcleo, de seu tema  fundamental, de sua significação humana e divina, assim como se, em vez da  estrada real, tomássemos por atalhos que apenas nos deixassem perceber, alonge, o rumor e as luzes da festa...

E é este o grande desafio que o poema nos propõe. Ou lhe identificamos osímbolos, ou sua chuva não nos molhará. Começa pela circunstância de que  por ele perpassa inominadamente o espírito do Cristo, que é a um tempo sua  respiração e seu mistério fundamental

Capa do livro de L. Ruas
Como identificá-lo, se seu nome não é uma só vez modulado? Na aluo dosignos? Nos símbolos? Na atmosfera prestigiosa do poema? Certamente que  sim. Inclusive porque uma tal forma de mostrar-se - a um tempo incógnita e  inconfundível - era/é, porventura, a mais consentânea com o feitio e a doce índole do Mestre. Não foi assim, porventura, na antemanhã da ressurreição?  E assim também na estrada de Emaús? E no caminho de Roma? E no epidio da pesca milagrosa (E nenhum dos discípulos ousava perguntar- Quem éssabendo que era o Senhor. [João, XXI: 12])?
Tenho para mim que é assim também que ele perpassa pelo poema. E qupodemos adivinhá-lo na figura do pássaro ferido, vagando antes que surja a  madrugada. Na hora em que não é dia nem é noite. No lusco-fusco crepuscular.  Na hora da luz azul.

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