CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, fevereiro 26, 2025

VILA ALCIDA OU CASTELINHO – ADRIANÓPOLIS.

Perdura uma intransigente confusão sobre a identificação, com a maioria optando por atribuir à residência do ex-prefeito Adolpho Lisboa (1904-07), construída na rua São Luís, na época Vila Municipal, o nome da esposa do alcaide. Originalmente batizada de Vila Alcida, ora Castelinho, era o nome da única filha do casal Adolpho e Laura Leduc. Quando escrevi sobre este personagem – Administração do coronel Lisboa (Manaus: Manaus: Grafisa, 2008) procurei com afinco elucidar a construção deste imóvel, certamente doado pelo fabricante italiano, interessado em vender o produto no bairro elegante da Manaus tropical. Fui adiante. Para entender a transmissão da posse, visitei o cartório responsável pelos registros. Esta postagem elenca alguns destes dispositivos, sabendo-se que o Castelinho ora integra o grupo Top Internacional. Para melhor entendimento, esclareço que Adolpho Lisboa deixou a Prefeitura em 1907, transferindo-se para Belém do Pará, onde faleceu.

O lote era imenso (5.550m2 ou 222mx250m), uma escritura informa que a frente se posicionava na rua São Luís, como a conhecemos, estendendo-se até à rua Maceió. Porém, há outra, registrando que o mesmo se situava na rua Teresina. Certo mesmo é que foi encolhendo com o descaso de proprietários e o “loteamento” pelas vendas subsequentes. Hoje está resumido ao terreno do Castelinho.

 

 

Vila Alcida, hoje Castelinho

REGISTRO DE IMÓVEL

VILA ALCIDA, de Adolpho Lisboa

1.                        Escritura de retificação – 10 de janeiro de 1909

No 2.323, fls. 158 

2.                        Escritura de 1º de junho de 1910

         Nº 3.294 - 09 de junho de 1910

Vila Municipal Rua Teresina – lote de terras – 5.550m2 (222mx250m)

Proprietários: Dr. João Miguel Ribas e sua mulher Amélia Cardoso Ribas vendem para d. Luiza de Albuquerque Quadros, residente em Manaus. Valor – R$ 3.330$000 (três contos, trezentos e trinta mil réis).

          Escritura nº 3.300 – 16.06.1910 - Livro 3/B fls. 219

Vila Municipal – Rua Teresina

Um terreno sito a Vila Municipal, nesta cidade, medindo uma área de 5.550m2, limítrofe ao Norte com a rua Teresina, a Leste e Sul com terras do patrimônio municipal, e a Oeste com a rua Maceió.

Adquirente – Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa, residente em Belém (PA).

Transmitentes – dr. Nemezio do Rego Quadros e sua mulher d. Luiza de Albuquerque Quadros, residentes no Rio de Janeiro.

Título – Venda e compra

Escritura de 8 de junho de 1910 – Tabelião Barroso

Valor – R$ 5:000$000 [cinco contos de réis]   

4.               Escritura nº 25.230 - Livro 3.0                       

Adquirido pelo (coronel GN) Auton Furtado à Prefeitura de Manaus através da Escritura de 08 de janeiro de 1964, expedida pelo 3º Ofício, por aforamento de 1963.

Título de aforamento concedido em 1960, assinado pelo prefeito de Manaus Olavo das Neves de Oliveira Melo (1959-60). 

5.               Família Auton Furtado transmitiu para Carlo Biaggi

Vila Alcida, antigo Palacete Lisboa

Rua São Luís, 101 - Adrianópolis

Terreno de 1.864,00m2

domingo, fevereiro 23, 2025

POESIA DOMINICAL: ÁLVARO MAIA

 O poema foi produzido por Álvaro Botelho Maia (1893-1969), fartamente conhecido na história do Amazonas, tendo sido dirigente do Poder Executivo por largos anos, a última etapa foi entre 1951-55. Para sublinhar sua condição de artista da poesia, basta relembrar que, no início de 1925,a revista Redempção em concurso público, consagrou como o "príncipe dos poetas amazonenses".
A relíquia foi compartilhada do matutino A Crítica (08 fev. 1958), portanto há 67 anos.

Recorte de A Crítica, 8 fev. 1958



O lutador subiu a escada tortuosa...

Subiu, andou, pioneiro de horizontes,

cortados de planícies e de montes,

de longes de ouro e rosa,

colorindo a paisagem...

Chegara extenuado da viagem

e repousava à sombra da vertente,

que amenizava a soalheira ardente...

 

- II -

Sentou-se. Ergueu as mãos, no recanto risonho

para agradecer ao Senhor

e o consolo da vida interior...

 

Aos ombros carregava o alforje do passado,

que lhe tombou ao lado.

Abriu-o, devagar,

e pedras rolaram pelo chão.

Brilharam ao sol quebrado,

algumas verdes como o mar,

outras letais como o pecado,

com brilhos de atração e repulsão.

 

Acariciou-lhes as pontas entre agudas.

Pensou em gólgotas e judas,

(Jesus, porque foi homem, teve Judas!),

e nos que escondem, num sorriso,

punhais de aço com os gumes entreabertos.

 

— III —

Fechou os olhos e sorriu,

imerso no dulçor de um grande rio...

 

Sonhos, ilusões, gosto e desgosto,

fluíram das pedras, como flama.

(Passam sempre nos dias de quem ama).

Esta acertou-lhe o rosto,

rasgando carne e derramando sangue,

outra o peito, outra a cabeça,

mas todas pingando sangue.

Surgiram, pela estrada espessa,

carrancas de inimigos

e feições de amigos,

transbordando crueldade

e piedade...

 

Vivos e inquietos na tremenda luta,

lembravam vinganças e alvoroços.

 

-- “Só o lutador errou, pela escalada...

Mostrámos o caminho: errou na caminhada, embaraçado em dédalo infernal,

em queda estranha e bruta... 

Andámos com razão em apedrejá-lo,

como se faz ao cão danado e ao mau cavalo!”

 

-- IV –

 

Ele ouviu, em silêncio, a ameaça fatal

e pediu que o Céu lhes desse um resplendente halo,

que todos, fossem velhos, fossem moços,

fugissem, de uma vez, às vibrações do mal.

 

Queria dormir... Pegou as pedras, uma a uma,

e bebeu um verdor de sumaúma...

 

Eram duras à fronte fatigada?

Deitou-se. Não! Ganhara um encosto macio,

tecido de paina e espuma,

próprio para o calor e para o frio... 

 

Sentiu que as pedras se mexiam,

ouviu que as pedras cantavam,

como preces de luz em manhã clara...

 

Todas as bordoadas e castigos,

o sangue e o suor que derramara,

transformaram-se em pêndulos dum hino,

em bússola e em coragem nos perigos...

 

Renasceu, redimido e pequenino...

Quase lhe saltava o coração,

aureolado em sol aos que o feriram...

 

E teve o prêmio da consolação,

agradecido aos que o insultaram,

vilipendiaram

e vergastaram,

saqueando o patrimônio de uma vida,

mas lhe deram também, em horas sem concórdia,

a alta conquista da misericórdia.

a sobrevivência

e a resistência,

a humilhação

e a exaltação,

a força espiritual de nova Vida!


sábado, fevereiro 22, 2025

AVENIDA EDUARDO RIBEIRO

 Duas amostras desta avenida, artéria que já foi a principal de Manaus, servindo de palco para os principais eventos, como Carnaval e 7 de Setembro. O cartão postal da década de 1990 capta a avenida do alto da Catedral, portanto próxima de seu início. Algumas das principais edificações estão situadas nas laterais, outras já desaparecidas, como a Lobras, em primeiro plano.

Avenida em foto da torre da Catedral

Na viatura segue a Guarda Bandeira,
sob o comando do tenente Tertuliano,
com os bombeiros sem qualquer segurança

A foto adiante é do desfile de 7 de Setembro de 1970, realizado na avenida Eduardo Ribeiro, contemplando um veículo (picape) do Corpo de Bombeiros Municipais, organização então pertencente à Prefeitura de Manaus. Passava por um remodelação, sob o comando do major Nicanor Gomes da Silva, recém diplomado no Corpo de Bombeiros da Guanabara, hoje Rio de Janeiro. No entanto, os governos estadual e municipal já dialogavam buscando implantar um novo organismo, melhor estruturado no combate ao fogo e serviços afins. Dois anos depois, em dezembro de 1972, foi concretizada a transferência desses encargos para o Estado, sob o controle da Polícia Militar, cuja evolução administrativa permitiu o estabelecimento do atual Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas.

quarta-feira, fevereiro 19, 2025

L. RUAS EM A CRÍTICA

 O matutino A Crítica, fundado em Manaus em 1949, ao completar 60 anos resolveu homenagear seus colaboradores. O padre-poeta L. Ruas foi colunista deste jornal entre 1957-58, porém falecido em 2000. A par desta constatação fui à direção do matutino, que publicou em novembro de 2009 o tributo aqui postado.

A Crítica, 24 novembro 2009
Recém ordenado padre, o jovem Luís Ruas (1931-2000) ingressou no mundo das letras como membro do mais importante grupo literário do Amazonas, o Clube da Madrugada, na década de 50. O exercício da escrita está presente em vários artigos que publicou em jornais locais e em quatro livros - o mais conhecido deles é “Aparição do Clown”, reeditado pela editora Valer.

Estreia

A estreia do padre escritor, que assinava como L. Ruas, nos jornais ocorreu nas páginas de A CRÍTICA, em agosto de 1957. A passagem de L. Ruas pelo jornal foi curta - ele parou de escrever em março de 1958 -mas o suficiente para deixar saudades nos leitores e admiradores, que ficaram inconformados com o fim (voluntário) de suas publicações. “Os leitores reclamaram sua ausência. Duas ou três dessas cartas foram publicadas após sua saída”, diz o pesquisador e escritor Roberto Mendonça, que, atualmente, realiza uma investigação sobre os textos de L. Ruas nos jornais de Manaus e que nunca chegaram a ser reunidos em livros.

A coluna mantida por L. Ruas foi batizada de “Ronda dos Fatos”. O autor tinha liberdade para escrever o que quisesse, seja em prosa ou em verso. Mendonça diz que L. Ruas escrevia sobre problemas urbanos e sociais, mas também transitava no mundo das artes, versado sobre cinema e literatura. A publicação era diária, mas não seguia um cronograma permanente. Houve um momento em que ele escrevia apenas uma vez por semana.

Apresentação

L. Ruas foi “apresentado” ao fundador do jornal, Umberto Calderaro, pelo professor Orígenes Martins, que na época iniciava sua bem-sucedida carreira como proprietário de escola particular. “O jornal estava em fase de crescimento. O professor Orígenes era colega de seu Calderaro e sugeriu o nome do padre para a coluna”, conta Mendonça. Para Mendonça, L. Ruas, porém, não conseguiu encontrar disponibilidade para desenvolve suas atividades na Igreja, no magistério, no Clube da Madrugada e na coluna do jornal.

Despedida 

Em seu último texto no jornal, publicado no dia 28 de março de 1958, L. Ruas justifica (ou tenta justificar) o fim da coluna, após se deparar com os protestos dos leitores. O autor, em um estilo introspectivo, diz em determinado trecho: “Bem que eu poderia jogar a responsabilidade do desaparecimento da Ronda as costas desse velho larápio que nos rouba tudo. Tudo. Rouba-nos os amigos, as coisas, as paisagens, a preciosa mocidade, a própria vida. Mas seria injusto com o famigerado ladrão. Daria, sim. Não, não era o tempo. Seria antes falta de disposição. Cansaço talvez. Falta muitas vezes aquela disposição orgânica indispensável. E a gente cede aos reclamos do corpo. Não é possível roubar este mínimo de recreação das forças despendidas".

“Universal”

Antes de escrever para A CRÍTICA, L. Ruas possuía uma coluna em um semanário da Igreja Católica chamado “Universal”. Ele ainda manteria, nas décadas seguintes, outras colunas, escrevendo, ocasionalmente, em veículos como “O Jornal” (já extinto) e “Jornal do Commercio”. O padre e escritor voltaria a escrever em A CRÍTICA nos anos 80, segundo Roberto Mendonça, mas em períodos esparsos.

Coletânea

Roberto Mendonça, que possui uma coletânea dos textos de L. Ruas –“jornais, incluindo “Tempo e Disposição”, conta que o autor escrevia com “competência e destemor”. “Ele procurava levar ao leitor informações diversificadas. A condição dos ônibus, a situação dos bairros, com destaque para o de São Jorge, onde era pároco, literatura, cinema, fazendo apreciação dos filmes em exposição. Também falava de teatro, do qual participou como ator e diretor e debates políticos, como o que travou com o saudoso Jeferson Péres, então dois jovens intelectuais. E também noticiava assuntos da Igreja, da qual era sacerdote”, diz Mendonça, que estima um total de 800 textos escritos por L. Ruas nos jornais de Manaus.

Seminarista

L. Ruas era o nome artístico de Luiz Augusto de Lima Ruas. Nasceu em Manaus, em 1931, na avenida Joaquim Nabuco. Foi filho de Horizontino e Emília Ruas, e sobrinho do pintor e decorador Branco Silva. Ruas ingressou no Seminário São José, aos 12 anos, onde concluiu o curso de humanidades, conhecido hoje por ensino médio. O curso de filosofia encerrou no seminário da Prainha, em Fortaleza e, no Seminário do Rio Comprido (RJ), inicia o de teologia (1952-53). Foi ordenado padre em 1954, na Catedral de Manaus.

Currículo

É considerado o fundador da paróquia de São Jorge. Também lecionou na Faculdade de Filosofia, antes de ser absorvida pela Ufam. Era seu diretor, quando foi preso pelo Governo Militar (1964). Ingressou no Clube da Madrugada em 1955, convidado pelo poeta Jorge Tufic. L. Ruas também esteve envolvido no movimento cinematográfico e teatral da Cidade.

domingo, fevereiro 16, 2025

MANAUS: ONTEM E HOJE

 Duas amostras da cidade de Manaus, a Catedral de Nossa Senhora da Conceição vista do Porto, com o Teatro Amazonas ao fundo; e a agência do Correio no cruzamento das ruas Barroso com Saldanha Marinho.

Catedral captada do Porto com o Teatro ao fundo; abaixo, detalhe da torre, quando da reforma 
em 2000.

Agência do Correio, em 1998; a mesma localidade, hoje (16 fev.)


sábado, fevereiro 15, 2025

ROTEIROS DA AMAZÔNIA - SAMUEL BENCHIMOL (2)

Roteiros da Amazônia do saudoso mestre emérito Samuel Isaac Benchimol (1923-2002) é o título da

Conferência pronunciada a 21-11-1941 na Faculdade de Direito do Recife, na recepção feita pelo Diretório Acadêmico a uma entusiástica embaixada de estudantes amazonenses.

Benchimol era então calouro na FDA (Faculdade de Direito do Amazonas) onde se graduou em 1945. Possuía, pois, 18 anos de idade. Selecionei trechos da conferência, concluindo nesta postagem, com transcrição na ortografia vigente.

 


IV - O DRAMA DA BORRACHA

A conquista do Oeste se processou ligada ao drama da borracha. Aonde estivesse a seringueira lá estava o nordestino a sangrá-la, desafiando os perigos enlouquecido pelo delírio que dele se apossara. As seringueiras seriam então os marcos de nossa fronteira, e se a expansão continuasse no mesmo ritmo os nossos limites se estenderiam a toda a raia gomífera porque ele não conhece obstáculos, arreda, transpõe, luta, mas acaba vencendo.

De pressa, bem cedo, lá se vai o garimpeiro da selva. Terçado na cintura, lamparina na cabeça, espingarda a tiracolo. Fome de borracha. Aqui e ali, vai sangrando a árvore mártir, cirurgindo o seu lenho com o bisturi impiedoso de sua profissão. Carniceiro da selva, bem diríamos nós. Nada o detém na sua fúria vandálica. Para frente, para cima, por aqui, por ali – só Deus sabe – caminhando sempre. A borracha dominou, absorveu, envolveu a Amazônia. Segurou os seus destinos e comunicou-lhe o triunfo de sua força elástica. Ainda hoje é “o sismógrafo de nossa vida econômica”.

A borracha cocainizou a Amazônia envolvendo-a na volúpia de sua prodigalidade e de seus esbanjamentos, sugestionando-lhe uma visão arrebatadora, dando-lhe uma época de fastígio e esplendor. (...)

... E depois. Seringais abandonados sepultando em suas ruínas a história daquela civilização e a memória daquelas tragédias que o tempo vai apagando. A selva eliminando o homem no torcicolo de suas emboscadas, apagando o rastro humano com a esponja dos galhos e das folhas. O homem fugindo, fugindo de si mesmo, perdendo terreno, voltando ao Nordeste. E o caboclo, velho e prudente, que não se deixara iludir pela aventura aurinegra ficou para contar às gerações que a conquista da Amazônia tem que ser penosa, lenta, tenaz. Muitas tentativas se farão, fracassadas umas, vitoriosas outras, até que os séculos amadureçam a Terra Imatura.

Nada nos detém no nosso propósito. Iremos para frente, venha o que vier, fincaremos pé naquelas paragens dando o exemplo ao Brasil de nossa persistência na conquista do Oeste. E quem passar por Manaus, verá, ainda, desafiando na sua imponência majestática a cólera divina, um templo grandioso – o Teatro Amazonas – que é a própria audácia do seringueiro transformada em pedra – a Necrópole da Borracha... 

V - A AMAZÔNIA EM MARCHA

Depois de seus dias de fastígio a Amazônia mergulhou num marasmo desconcertante e acabrunhador. Explorado apenas pela veia literária de escritores medíocres que a deturpavam ou pelos homens de gênio, cinzeladores exímios de suas belezas, que a endeusavam, a Amazônia retornou à bravia rudeza selvagem, debatendo-se angustiosamente, sufocando-se na mais tremenda crise de uma vida abandonada e anônima.

Dias de miséria aqueles da grande derrocada. Mas mesmo combalida, esquálida, maltrapilha, continuou de pé. Os anos passaram e assistiram a sua decadência. Quase que cessara a lacto-hemoptise de suas veias de seringa que, em outras eras, edificara a inacreditável civilização equatorial brasílica. A reconstrução começou, a volta aos seringais abandonados inicia-se com a recente imigração nordestina, a economia pulou da hegemonia heveense para a policultura em vias de organização. (...)  “Estamos na hora amazônica do Brasil” e caminhamos conduzidos pelo patriotismo de Álvaro Maia para as grandes altitudes e ensaiando o nosso voo largo rumo aos eternos e infinitos horizontes brasileiros.

E vivemos nós nesta embaixada de brasilidade amazônica para vos dizer que a Amazônia palpita convosco, pernambucanos, guiados pelo espirito condoreiro de Agamenon Magalhães. Que o Amazonas quer viver convosco, sentir a transformação da pátria engrandecida, tangida pelo surto de progresso da hora presente. Que o Amazonas vos abraça, pernambucanos, que destes o vosso sangue para a defesa do Brasil e para a conquista do Oeste amazônico. Que o Amazonas lá do alto do pico Roraima, sentinela avançada da soberania extremo-setentrional, vos saúda, pernambucanos, atalaias da ponta extremo leste brasileiro e num abraço simbólico deseja unir as duas grandes porções da nossa terra, traçando um diagonal de fraternidade e harmonia.

sexta-feira, fevereiro 14, 2025

ROTEIROS DA AMAZÔNIA - SAMUEL BENCHIMOL (1)

Há 25 anos, deparei-me com o texto Roteiros da Amazônia, ao pesquisar na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. O folheto não identificava o autor, apenas local e data. Somente dias desses fui apresentado ao artífice: Samuel Isaac Benchimol, saudoso professor emérito da Faculdade de Direito do Amazonas (FDA), onde obteve o bacharelado na turma de 1945. Em consulta à bibliografia de Benchimol pude sanear a questão: constitui em sua primeira obra, desse modo patenteada no rodapé do folheto:

Conferência pronunciada a 21-11-1941 na Faculdade de Direito do Recife, na recepção feita pelo Diretório Acadêmico a uma entusiástica embaixada de estudantes amazonenses.

Então, se o eminente Mestre concluiu o curso de Direito em 1945, quatro anos antes, Benchimol era apenas um estudante; e a comitiva me parece ter sido de alunos da FDA. Selecionei trechos da conferência, e ainda assim vou postar em duas etapas, transcrevendo-a na ortografia vigente.


 
I - HILEIA

Imersa na selva, bárbara e ateia, banhada nas águas lustrais do Genesis milenário, ergue-se a Amazônia. Amazônia que se vive todos os dias na tortura melancólica de sua paisagem, nos tapiris perdidos dos barrancos, na pescaria alegre e festiva de seus lagos, titanizados nas aventuras heroicas de suas gestas selvagens, nas epopeias pagãs de sua gente humilde e pobre. Amazônia lendária do tapuia que a civilização solapou, esmagou, deturpou com as impressões dos viajantes, que a civilização promete conquistar para o homem de amanhã. Amazônia rangelliana, infernal, grotesca, diabólica. Amazônia de Euclides revolta, desordenada, inquieta, surpreendida nos debates angustiosos de seu caos primitivo. Amazônia humanizada, compreendida, restaurada de Araújo Lima e Gilberto Osorio de Andrade. Amazônia que o Nordeste conquistou para o Brasil. Lândia demoníaca e teogénica, paradisíaca e infernal, jogando na violência milionária de seu cenário indecifrável, o enigma esquiliano de seu destino.

Amazônia que ninguém entende, que ninguém viu, que ninguém sabe! A Hileia é o grandioso tablado onde na violência de suas contorções cósmicas debate-se a mais impressionante e impossível das civilizações. Luta o homem sozinho no seu desassombro bandeirístico, três vezes heroico, convulsionando-se nas suas febres e nos seus sonhos, na miragem de suas esperanças e no desassossego de sua luta eterna. Batalha a selva, esgalhada e ambiciosa, imperando sobre a terra ensopada, debulhada em prantos, com ciúmes de esposa apaixonada de Sol. La se vai o rio também afogando a terra, retorcendo a margem, roendo barranco na enchente grávida de suas águas sonâmbulas. Água por todos os cantos e por todos os lados. Água de igapó, de lago, de chuva, de igarapé esbordoando a mata sombria e orgulhosa. E a diluvilândia lutando contra a água, maldizendo a terra, imprecando o sol. Terra de dor, terra de martírio, terra de angustia! Poema de minha terra triste feito de amargura. Poema que não se escreve, que se não compõe, que se não publica. Porque terá que ser escrito com a alma dos aventureiros, com o sangue dos seringueiros, com a dolência penosa e aflitiva do caboclo e amassado com o pão de todas as desventuras, de todos os fracassos, de todas as mortes. Poema de minha terra triste que ninguém escreveu! Poema-vida. (...)

Para Gilberto Osório: “é a floresta que parece rir deste pavor. Diverte-se em sugerir veredas impossíveis, miragens perversas, roteiros de vielas, labirintos escusos, tremedais de penumbra, vórtices de lama. E lança contra nós a carga dos seus tropeis de espectros, a muralha dos cipoais bravios, a falange eriçada dos seus espinhos, toda a coorte de alucinações, de seus fantasmas, de seus assombramentos”.

Essa a Amazônia que todos descrevem e pintam com as multicores tintas de suas imaginações, fixando um momento psicológico todo pessoal do escritor. Há, no entanto, uma outra Amazônia, anônima, sacrificada, desconhecida. A Amazônia do seringueiro, batedor de selva, devorador de léguas, angustiado pelas muralhas sino-silvestres: do caboclo inerte que Araújo Lima reabilitou. Amazônia que vai surgindo, tocada pelo sopro renovador que invade a alma nacional. Amazônia humilde, rolando nos barrancos e nas corredeiras, vivendo nos tapiris e tejupares da hinterlândia palafitando as águas audaciosas escarnecedoras, da miséria humana pendurada nos braços marginais dos rios e paranás da Hileia.

Amazônia que já se entende, que já se vê, que já se sabe!

II - MARCHA PARA A AMAZÔNIA

A arrancada bandeirante do planalto paulista, varando o sertão no batismo da nacionalidade, marcou para o Brasil a consciência de seu destino. Destino de grandeza e de amplidão, levado pela vocação rebelionaria de conquistar mais Brasil para o Brasil. Bem dentro, nas moradas andinas, lá estava a serra das Ibiturunas de onde partiu a Voz de Oeste que clamava a posse da terra apaixonada de Brasil. Apelo distante que nos deu este Brasil são, imenso, milionário de grandezas e eterno de esplendor. Apelo que tem sido a nossa constante preocupação durante os quatro séculos de nossa história. Diz muito bem Cassiano Ricardo no seu estudo épico-social das bandeiras “que há um bandeirante anônimo caminhando no sangue de cada um de nós”. E foi Getúlio Vargas quem traçando o destino do Brasil reencetou a Marcha para o Oeste no verdadeiro sentido de brasilidade. “O ritmo da civilização brasileira tem que ser esse”, caminhar para o Oeste reencontrando Brasil naqueles brasis.

Naqueles tempos a Amazônia era uma terra ignota, inexpugnável, indomável. Desafiava o luso que se jactava de dominador dos mares, reptava o espanhol romântico e aventureiro. E o castelhano desceu o Rio das Amazonas com Orellana e o português subiu a correnteza com os braços e os remos da indiada na aventura de Pedro Teixeira. O primeiro capítulo da conquista da terra estava escrito. Mas anos depois quem passasse por aquelas paragens talvez visse uma humanidade despedaçada pela violência das eras cíclicas, indigna para a vida das grandes paradas. O caboclo absorvido, dissolvido, massado na selva. O índio varador das matas e dos igapós errando numa vida sem destino. Mas, lá no alto da serra das Ibiturunas começou a clamar a Voz do Oeste. Apelo de uma árvore que profetizava a grandeza amazônica. Com nos dias do deslocamento das bandeiras do altiplano paulista para o sertão brasílico rebrilhava as esmeraldas milagrosas e o ouro resplandecentes do El Dorado. As bandeiras estavam em caminho da Amazônia levando toda a angústia e a ansiedade de uma raça em expansão. Era o próprio Brasil que se descobria a si mesmo. (...)

Começava a Marcha para a Amazônia.

III - A CONQUISTA DO OESTE

 O deslocamento social do grupo nordestino se processou sob o imperativo de duas causas: uma, o clima expulsando o homem, a seca enxotando-o como que mandando dar o fora nas populações caatinguenses; outra, a borracha, magnífico exemplo de um “foco de apelo” atraindo as levas as regiões inóspitas, prometendo-lhe mundos e fundos sob a aparente e ilusória promessa de enriquecimento. De um lado a repulsão, a transposição dos horizontes natais, de outro a atração, a Voz do Oeste chamando para a conquista da fortuna. Sem a primeira não teria havido a segunda. As duas forças se afinizando, confabulando contra o homem. Este, desorientado, tonto de sono, vai jogar a grande partida com o desconhecido.

Duas paisagens antagônicas enfrentando o homem: Na caatinga, o sertanejo acostumado à ingratidão da terra madrasta e infeliz, condenado ao suplício do fogo torturando com seus raios de sol a envergadura inquebrantável do enjeitado. Na Hileia, o desconhecido e bárbaro habitat selva-imperial, e o homem afogado de surpresas pela desambientação, apatetado pela disparidade e pelo antagonismo das forças em jogo. Na caatinga o homem imprensado entre a terra e o sol, na Hileia entre a mata e o rio. Aqui o dualismo paradoxal da terra movediça e anfíbia se enroscando como uma serpente que o abraçasse lançando seu bote traiçoeiro e inesperado. Ali a adustão das terras chamuscadas de sol, desamparadas das chuvas. Seria de esperar nesse deslocamento abrupto uma profunda desambientação psíquica agindo sobre as acamadas sociais e biológicas. Mas o que se verificou, em verdade, foram as relações e trocas de hábitos e costumes, filtrando o complexo cultural de um grupo com o do outro, eliminando as superfluidades, desbastando o secundário, polindo as deficiências de uns com a abundância de outros. Um grupo não se transporta sem levar consigo a bagagem da tradição e das reminiscências. Por isso, o cearense, o paraibano, o riograndense, o pernambucano, numa palavra – os nordestinos, empolgaram a Amazônia, dominaram-na destrinchando-a com sua machadinha e o seu terçado. (...)

Aliou-se a ela e quem o ver, ainda hoje, nota na cor de sua pele pálida o verde de seu impaludismo adquirido por solidariedade no sofrimento e na resignação de sua máscara desconsolada e aflita. As suas células, moqueadas de sol, se coloriram verdificamente com a clorofila opilante do martírio verde. Clorofila no sangue – impaludismo. Clorofila na alma – a infinita tristeza da Amazônia. Clorofila na vida. Seringueira. Borracha. Filhos do sofrimento e da angústia. Fotossíntese de uma época assimilando o brilho efêmero do ouro negro. O nordestino trazia consigo a sua paisagem que teria de ser absorvida, amazonizada, a memória do sertão que teria de ser deliquescida e enxugada. Foi nesse sentido que se processou a amazonização do “brabo” enquanto numa réplica admirável se dava a nordestinização de nossa paisagem. (...)

A Amazônia então apossou-se do Nordeste enquanto este a conquistava para o Brasil. (segue)

quarta-feira, fevereiro 12, 2025

DR. P. T. BARBA, DENTISTA

 Ao postar este anúncio, recolhido em revista Rionegrino que circulou no final da década de 1930, desejo aclarar alguns aspectos: i) desconheço o nome do profissional indicado pelas letras P.T., era identificado por esta composição; ii) o consultório esteve sempre na praça da Polícia, cujo logradouro era, na época (1930), nominado de João Pessoa, hoje Heliodoro Balbi; iii) este profissional era natural de Lima no Peru, como meu genitor era igualmente peruano, fizeram amizade e, nessa circunstância, estive algumas vezes no consultório do dr. PT Barba; iv) enfim, a “piorreia alveolar” indicada, hoje é tratada como periodontite; v) e, com tantos diplomas americanos, tratava-se de um profissional qualificado.

Anúncio circulado na revista Rionegrino

DR. P. T. BARBA

Cirurgião-Dentista

Praça João Pessoa, 10 – Telefone, 96

Consultório montado com todos os aparelhos elétricos modernos.

Graduado em Lima [Peru] e Filadelfia (Medico-Cirurgical College Dental Departement) – Diplomado ela Dental Graduate School of Pensylvania (Prof. Pesso School) – The Post Graduate School of Dentistry (Prof. Jarman´s School) e pelo Bockley Oral Hospital.

CURSOS ESPECIAIS com os profs. Gritman, em chapas a ouro; Peeso, em pontes (bridge-work); Sausser, em trabalhos a porcelana; Jaco, obturações a ouro; Castro, anestesia geral; Rieth Muller, anestesia local (regional), cujos certificados autênticos e trabalhos de prática exibe no seu consultório.

TRATAMENTO DA PIORREIA ALVEOLAR

EXTRAÇÕES E TRATAMENTO DA CARIE, ABSOLUTAMENTE SEM DOR

Responsabiliza-se pelos seus trabalhos

terça-feira, fevereiro 11, 2025

MUSEU DO PORTO EM MANAUS

Possuo muito pouco a esclarecer sobre a foto abaixo: apenas que foi clicada no dia da inauguração do Museu do Porto - 14 de maio de 1993; e que diante da mesa de petiscos dialogam - à esquerda, duas saudosas personalidades, o vereador ET (Expedito Teodoro) e o empresário Joaquim Marinho. No centro, cabisbaixo, escolhendo o melhor petisco o autor desta postagem. Enfim, que a vida do Museu foi curta, há tempo encontra-se fechado, reclamando uma sobrevida. 

Foto do autor da postagem