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sábado, fevereiro 15, 2025

ROTEIROS DA AMAZÔNIA - SAMUEL BENCHIMOL (2)

Roteiros da Amazônia do saudoso mestre emérito Samuel Isaac Benchimol (1923-2002) é o título da

Conferência pronunciada a 21-11-1941 na Faculdade de Direito do Recife, na recepção feita pelo Diretório Acadêmico a uma entusiástica embaixada de estudantes amazonenses.

Benchimol era então calouro na FDA (Faculdade de Direito do Amazonas) onde se graduou em 1945. Possuía, pois, 18 anos de idade. Selecionei trechos da conferência, concluindo nesta postagem, com transcrição na ortografia vigente.

 


IV - O DRAMA DA BORRACHA

A conquista do Oeste se processou ligada ao drama da borracha. Aonde estivesse a seringueira lá estava o nordestino a sangrá-la, desafiando os perigos enlouquecido pelo delírio que dele se apossara. As seringueiras seriam então os marcos de nossa fronteira, e se a expansão continuasse no mesmo ritmo os nossos limites se estenderiam a toda a raia gomífera porque ele não conhece obstáculos, arreda, transpõe, luta, mas acaba vencendo.

De pressa, bem cedo, lá se vai o garimpeiro da selva. Terçado na cintura, lamparina na cabeça, espingarda a tiracolo. Fome de borracha. Aqui e ali, vai sangrando a árvore mártir, cirurgindo o seu lenho com o bisturi impiedoso de sua profissão. Carniceiro da selva, bem diríamos nós. Nada o detém na sua fúria vandálica. Para frente, para cima, por aqui, por ali – só Deus sabe – caminhando sempre. A borracha dominou, absorveu, envolveu a Amazônia. Segurou os seus destinos e comunicou-lhe o triunfo de sua força elástica. Ainda hoje é “o sismógrafo de nossa vida econômica”.

A borracha cocainizou a Amazônia envolvendo-a na volúpia de sua prodigalidade e de seus esbanjamentos, sugestionando-lhe uma visão arrebatadora, dando-lhe uma época de fastígio e esplendor. (...)

... E depois. Seringais abandonados sepultando em suas ruínas a história daquela civilização e a memória daquelas tragédias que o tempo vai apagando. A selva eliminando o homem no torcicolo de suas emboscadas, apagando o rastro humano com a esponja dos galhos e das folhas. O homem fugindo, fugindo de si mesmo, perdendo terreno, voltando ao Nordeste. E o caboclo, velho e prudente, que não se deixara iludir pela aventura aurinegra ficou para contar às gerações que a conquista da Amazônia tem que ser penosa, lenta, tenaz. Muitas tentativas se farão, fracassadas umas, vitoriosas outras, até que os séculos amadureçam a Terra Imatura.

Nada nos detém no nosso propósito. Iremos para frente, venha o que vier, fincaremos pé naquelas paragens dando o exemplo ao Brasil de nossa persistência na conquista do Oeste. E quem passar por Manaus, verá, ainda, desafiando na sua imponência majestática a cólera divina, um templo grandioso – o Teatro Amazonas – que é a própria audácia do seringueiro transformada em pedra – a Necrópole da Borracha... 

V - A AMAZÔNIA EM MARCHA

Depois de seus dias de fastígio a Amazônia mergulhou num marasmo desconcertante e acabrunhador. Explorado apenas pela veia literária de escritores medíocres que a deturpavam ou pelos homens de gênio, cinzeladores exímios de suas belezas, que a endeusavam, a Amazônia retornou à bravia rudeza selvagem, debatendo-se angustiosamente, sufocando-se na mais tremenda crise de uma vida abandonada e anônima.

Dias de miséria aqueles da grande derrocada. Mas mesmo combalida, esquálida, maltrapilha, continuou de pé. Os anos passaram e assistiram a sua decadência. Quase que cessara a lacto-hemoptise de suas veias de seringa que, em outras eras, edificara a inacreditável civilização equatorial brasílica. A reconstrução começou, a volta aos seringais abandonados inicia-se com a recente imigração nordestina, a economia pulou da hegemonia heveense para a policultura em vias de organização. (...)  “Estamos na hora amazônica do Brasil” e caminhamos conduzidos pelo patriotismo de Álvaro Maia para as grandes altitudes e ensaiando o nosso voo largo rumo aos eternos e infinitos horizontes brasileiros.

E vivemos nós nesta embaixada de brasilidade amazônica para vos dizer que a Amazônia palpita convosco, pernambucanos, guiados pelo espirito condoreiro de Agamenon Magalhães. Que o Amazonas quer viver convosco, sentir a transformação da pátria engrandecida, tangida pelo surto de progresso da hora presente. Que o Amazonas vos abraça, pernambucanos, que destes o vosso sangue para a defesa do Brasil e para a conquista do Oeste amazônico. Que o Amazonas lá do alto do pico Roraima, sentinela avançada da soberania extremo-setentrional, vos saúda, pernambucanos, atalaias da ponta extremo leste brasileiro e num abraço simbólico deseja unir as duas grandes porções da nossa terra, traçando um diagonal de fraternidade e harmonia.

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