CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, fevereiro 23, 2025

POESIA DOMINICAL: ÁLVARO MAIA

 O poema foi produzido por Álvaro Botelho Maia (1893-1969), fartamente conhecido na história do Amazonas, tendo sido dirigente do Poder Executivo por largos anos, a última etapa foi entre 1951-55. Para sublinhar sua condição de artista da poesia, basta relembrar que, no início de 1925,a revista Redempção em concurso público, consagrou como o "príncipe dos poetas amazonenses".
A relíquia foi compartilhada do matutino A Crítica (08 fev. 1958), portanto há 67 anos.

Recorte de A Crítica, 8 fev. 1958



O lutador subiu a escada tortuosa...

Subiu, andou, pioneiro de horizontes,

cortados de planícies e de montes,

de longes de ouro e rosa,

colorindo a paisagem...

Chegara extenuado da viagem

e repousava à sombra da vertente,

que amenizava a soalheira ardente...

 

- II -

Sentou-se. Ergueu as mãos, no recanto risonho

para agradecer ao Senhor

e o consolo da vida interior...

 

Aos ombros carregava o alforje do passado,

que lhe tombou ao lado.

Abriu-o, devagar,

e pedras rolaram pelo chão.

Brilharam ao sol quebrado,

algumas verdes como o mar,

outras letais como o pecado,

com brilhos de atração e repulsão.

 

Acariciou-lhes as pontas entre agudas.

Pensou em gólgotas e judas,

(Jesus, porque foi homem, teve Judas!),

e nos que escondem, num sorriso,

punhais de aço com os gumes entreabertos.

 

— III —

Fechou os olhos e sorriu,

imerso no dulçor de um grande rio...

 

Sonhos, ilusões, gosto e desgosto,

fluíram das pedras, como flama.

(Passam sempre nos dias de quem ama).

Esta acertou-lhe o rosto,

rasgando carne e derramando sangue,

outra o peito, outra a cabeça,

mas todas pingando sangue.

Surgiram, pela estrada espessa,

carrancas de inimigos

e feições de amigos,

transbordando crueldade

e piedade...

 

Vivos e inquietos na tremenda luta,

lembravam vinganças e alvoroços.

 

-- “Só o lutador errou, pela escalada...

Mostrámos o caminho: errou na caminhada, embaraçado em dédalo infernal,

em queda estranha e bruta... 

Andámos com razão em apedrejá-lo,

como se faz ao cão danado e ao mau cavalo!”

 

-- IV –

 

Ele ouviu, em silêncio, a ameaça fatal

e pediu que o Céu lhes desse um resplendente halo,

que todos, fossem velhos, fossem moços,

fugissem, de uma vez, às vibrações do mal.

 

Queria dormir... Pegou as pedras, uma a uma,

e bebeu um verdor de sumaúma...

 

Eram duras à fronte fatigada?

Deitou-se. Não! Ganhara um encosto macio,

tecido de paina e espuma,

próprio para o calor e para o frio... 

 

Sentiu que as pedras se mexiam,

ouviu que as pedras cantavam,

como preces de luz em manhã clara...

 

Todas as bordoadas e castigos,

o sangue e o suor que derramara,

transformaram-se em pêndulos dum hino,

em bússola e em coragem nos perigos...

 

Renasceu, redimido e pequenino...

Quase lhe saltava o coração,

aureolado em sol aos que o feriram...

 

E teve o prêmio da consolação,

agradecido aos que o insultaram,

vilipendiaram

e vergastaram,

saqueando o patrimônio de uma vida,

mas lhe deram também, em horas sem concórdia,

a alta conquista da misericórdia.

a sobrevivência

e a resistência,

a humilhação

e a exaltação,

a força espiritual de nova Vida!


Nenhum comentário:

Postar um comentário