Certamente, no dia em que nasceu seu
terceiro filho, nosso pai - Manuel - deve ter se recordado sendo consumado católico
da determinação do Mestre: “Tu es Petrus”. Assim foi batizado – Pedro Renato,
que hoje completa 74 anos de idade. Nascido no consagrado bairro de Educandos,
passou pelo Colégio Estadual do Amazonas e, depois do serviço militar, no qual
obteve o terceiro lugar da turma de NPOR/72, desembarcou em Santos-SP, onde aproveitou.
Vou parar aqui, senão estrago o filme. Parte do roteiro conta ele nesta crônica
de aniversariante. A Igreja, apesar de nominar Paulo como santo do dia, efetua
manifestação mínima, afinal Pedro é a pedra.
Ad multos annos,
mano, recordando o linguajar seminarístico, do São José, deixado pro gran finale,
onde seguramente aprendemos concretas lições para a vida.
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Pedro Renato, de vermelho, abraça nosso pai Manuel |
AINDA ESTOU
AQUI
29.06.2025
Renato Mendonça (1951-)
Ao iniciar esta crônica, que faço a cada aniversário, fui
orientado pela inteligência artificial para que o título fosse alterado
para “continuo aqui”, pois considerou a forma uma expressão prolixa. Não acatei,
pois a expressão usada carrega, na sua essência, um valor simbólico. Mas não descarto
a utilidade dessa ferramenta aos usuários de qualquer natureza. No entanto,
percebo que há uma superficialidade na sugestão da escrita, assim como falta
sensibilidade para a escolha semântica dos termos. Cabe ao cronista deixar
fluir para o papel a emoção não artificial, genuína, mormente nesta data,
quando obrigatoriamente fazemos uma reflexão da vida.
Nesse instante de contemplação, percebo que estou
revisitando memórias. Cada ano que passa carrega um pedaço do nosso mundo, e o
ato de estar aqui, nesta data, com tantas histórias vividas, é em si uma
celebração, um júbilo. Olho pela janela do trem da vida e encontro fragmentos
que me moldaram, instantes que me elevaram o espírito e os desafios que me
ensinaram a resiliência. É como se o tempo, ao invés de ser apenas um inimigo
implacável a me sugar o vigor físico, fosse também um amigo sábio que, com as bênçãos
de Deus, incitou-me a valorizar as verdades que floresceram a cada dia.
Quando ultrapassamos a barreira dos setenta, parece que o
tempo anda mais apressado. Por vezes, me ocorre conversar com ele e questionar
a sua relatividade, como nos propõe o famoso cientista Albert Einstein.
E fico pasmo analisando o seu postulado ao dizer que o passado, o presente e o
futuro são apenas ilusões persistentes, sendo assim criações da nossa mente. Sem
nenhuma surpresa, ele me diz que somos ínfimos ao explanar sobre a grandeza
temporal e espacial infinita do Universo; estima-se o tempo de existência em
quatorze bilhões de anos, e a dimensão — praticamente incomensurável — só é
medida em anos-luz.
Há quinze anos escrevi uma crônica, O Segredo da
Vida, falando dessa incomensurabilidade do tempo, uma dimensão infinita que
apenas é perceptível pela grandeza da nossa imaginação. Nessa narrativa,
resgato a analogia do tempo do Cosmos com uma partida de futebol de noventa
minutos. Ao compararmos o aparecimento do homem na Terra com a idade do Cosmos,
o ciclo da vida humana só dura algo em torno de um décimo de segundo,
desprezível.
Quanto à dimensão, também estamos aqui, fazendo parte
de uma galáxia tão imensa que o homem, mesmo se tivesse recursos para viajar à
velocidade da luz, jamais teria tempo de se deslocar para conhecer outros mundos.
Assim, devemos nos resignar dentro da nossa ínfima porção universal, e procurar
viver o que está ao nosso alcance ou o que nos rodeia. Aproveitar tudo o que
Deus nos oferece para viajar para dentro de nós mesmos, tentando aprimorar a
beleza espiritual; viajar também em direção ao nosso semelhante para tentar
conhecê-lo melhor e promover o amor oblativo.
Nessa longa caminhada, não deixei escapar nada que nos fosse
benfazejo, como um dedicado aprendiz; não desmereci nenhuma manifestação de
amor e valorizei cada gesto de carinho recebido; extirpei todos os rancores da mente,
arranquei-os do coração sem o ferir nem o deixar sangrar por nenhuma forma de
dor. Acho que Deus me deu uma certa imunidade quando tirou minha mãe tão
precoce; hoje, sou um homem resignado e entendo que tudo estava dentro dos
planos divinos. Mesmo assim, ainda retenho comigo a devoção por esta santa que
me deu à luz do mundo, para quem dedico também o meu aniversário. E é muito
gratificante conversar com Deus, através do rosto de uma mulher; é mais
emblemático quando esta mulher é a sua mãe.
Nesta data, neste septuagésimo quarto Dia de São Pedro
em minha vida — sem contar o dia em que nasci —, quereria recordar, na verdade,
um ano radiante e jubiloso, 1974. O decurso da idade me traz de volta essa
memória. Eu estava vivendo a porção primaveril da minha idade adulta; estava
feliz com a conquista do primeiro emprego fixo, justamente na maior estatal do
país, a Petrobrás. Depois de um ano que havia me habilitado como
motorista, consegui comprar meu primeiro carro, um fusca ano 71, cor
azul-pavão. Não gostava muito das letras contidas na placa, WC 3919, talvez
porque a sigla em inglês significa “banheiro”, mas me identificava muito com o
ano e a cor do carro.
A cidade de Santos, onde eu morava e trabalhava, me acolheu
como um turista fascinado e mostrou-me a exuberância de sua orla marítima. E as
praias tinham uma vasta extensão de areia que propiciava a prática do futebol
nos finais de semana. Isso me deixava em plena forma, física e espiritual, que
aliada à juventude dos 23 anos, transformava-me num atleta amador. E aconteceu que a Copa do Mundo daquele ano fez surgir no
cenário futebolístico o “carrossel holandês”, nos apresentando exímios
jogadores a recriar uma visão romântica do futebol. Uma estratégia dinâmica de
jogo, onde os jogadores se movimentavam aleatoriamente sem guardar posição
fixa. Esse esquema de jogo deu certo em quase todos os jogos, só falhando no
jogo final. Uma pena! Mas, com a aposentadoria de Pelé, o jogador da Holanda,
Cruyff, tornava-se um novo astro do futebol. Era o símbolo vivo daquela
seleção. Por ele, eu nutria uma profunda admiração e me espelhava no seu
comportamento em campo.
Um grupo de trabalhadores da construção civil, do meu sítio
de trabalho, convidou-me para participar de um jogo de futebol num domingo do
mês de julho, após a realização da Copa. Eles não sabiam se eu teria alguma
habilidade como jogador, nem desconfiavam, pois me viam apenas como um
assistente técnico envolvido na área de projetos. Entretanto, eu tinha bastante
interatividade com eles, o que é normal quando se trabalha na indústria de
petróleo.
E ocorreu que me convidaram para participar do “segundo
quadro”, uma espécie de jogo preliminar. Naturalmente, o “primeiro quadro”
jogaria logo depois, composto com os jogadores mais habilidosos e mais raçudos,
mais “cascudos”, como se diz na gíria do futebol. Quando acabei de jogar o
primeiro tempo do jogo preliminar, o técnico do time pediu que eu descansasse
para jogar no primeiro quadro. “Fominha de bola”, não aceitei e garanti que
tinha fôlego para jogar também o próximo. Consegui jogar bem, inspirado no
craque e maestro holandês, três tempos dos dois quadros e saí elogiado pela
minha desenvoltura em campo, marcando gols e correndo feito um velocista de
curta distância. E para corroborar a minha atuação em campo, logo depois do
jogo, o técnico me convidou para fazer parte do time de futebol que ele
administrava, o Esporte Clube São Bento, e me trouxe, na semana
seguinte, uma credencial de sócio atleta, que ainda guardo com todo carinho. Assim, foi um jogo memorável — inesquecível mesmo após
cinquenta anos — de um jovem com a rebeldia dos cabelos longos e isento de
consciência política, embora vivêssemos os “anos de chumbo” dos governos militares
no Brasil. Naquela época, eu queria mesmo era trabalhar e jogar futebol. Duas
paixões que se uniam visceralmente na minha solteirice.
Agora, depois de tantos anos, olho novamente pela janela e
vejo o futuro. É apenas o futuro, sem grandes aspirações, com grandes
preocupações com a saúde e buscando viver as verdades de Deus a cada dia.
Desejando que o Amor nunca me abandone, para poder exprimir sempre o sentimento
de gratidão; encantar-me com a beleza humana e a presença do Criador na
natureza. O meu espírito ainda se ilude com a mágica do tempo e pensa que está
jovem. É uma boa conduta, que eleva a autoestima e nos deixa aptos — não gosto
dos clichês, mas vou usar — para novos desafios.
Sendo assim, o importante é manter a jovialidade do
espírito, não por sabedoria artificial, mas por acreditar que isso possa ser
congregado com boas ações, com atitudes honradas e ajuda aos necessitados e
doentes, evocando sempre a alegria e fomentando a paz. Desejo, ainda, manter a cognição intacta, para
recordar os bons momentos vividos e possa discernir, nesse momento especial de
comemoração, que ainda estou aqui completando essa belíssima missão de
viver.
Post Scriptum – O título da crônica
faz referência ao belíssimo filme dirigido por Walter Salles, que recebeu o
Oscar de “Melhor Filme Internacional” em 2024. Este filme aborda as ações
autoritárias dos regimes militares no Brasil, especialmente os eventos
relacionados ao sequestro, tortura e assassinato do ex-deputado Rubens Paiva em
1971.