CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, agosto 01, 2020

CRÔNICA DE ANTEONTEM

O ACIDENTE 
Renato Mendonça

O pessoal retomava mais cedo do que de costume de outra Plataforma de Produção de Gás, localizada aqui no litoral do Rio Grande do Norte. Para ir até lá, só mesmo de barco. É como se fosse uma pequena ilhota de ferro no meio do oceano; também, como se fosse um sobradinho muito pequeno, composto só de quarto e sala. Os recursos de habitação são mínimos, apenas um minúsculo banheiro para as necessidades fisiológicas de evacuar, já que para fazer xixi ninguém usa. Como só têm homens trabalhando por lá, é mais fácil mijar direto no oceano Atlântico.

O pessoal vai de manhã, trabalha o dia todo e retoma à tarde, o mais tarde possível que as condições de mar permitem, normalmente às quatro da tarde. O transbordo matinal, a partir da Plataforma Central, onde ficamos albergados, é feito usando-se uma cesta — que comporta até quatro passageiros em pé —, que é içada pelo guindaste e depositada no convés de uma lancha. À tarde, no retorno dos trabalhadores, a operação é inversa, resgatando-os do barco.

Nessas plataformas pequenas, que fazem parte dos campos de Pescada e Arabaiana, esse transbordo é feito usando-se o "pulo do Tarzan", tanto para embarcar como para desembarcar. Explico: o barco aproxima-se ao máximo do atracadouro, o "peão" pega uma corda, cheia de nós, e se lança para alcançar seu objetivo. Nunca, nesses meses todos, ninguém soltou a corda. Parece até que Deus os conduz e dá força a esses destemidos peões. Vejo, com admiração, que gordos ou magros tem a mesma vocação para o pulo e nunca erram, como se uma força invisível os empurrasse.

A rotina deixa as pessoas experientes e confiantes. Tenho regozijo em ver que operários velhos, novos, carecas ou grisalhos adquirem o mesmo padrão depois de algum tempo. Quando sinto que alguém ainda não tem muita confiança, procuro elogiar depois de cada pulo. É uma forma singular de motivar e melhorar a carga psicológica para o próximo salto. É esse, talvez, o momento mais crítico e perigoso das atividades diárias.

Hoje, no retorno, com mar agitado, ao ser içado com a cesta, um dos quatro passageiros foi jogado contra a balaustrada — espécie de corrimão feito com tubo grosso, que cerca o barco da lancha, bateu com as costas e caiu no piso do convés. Eu estava no alto, próximo ao guindaste que fazia o içamento e presenciei a cena; momentos antes, justamente o que se machucou acenou pra mim. Parecia um aviso.

Por um momento havia pensado em parar a manobra porque o mar estava bravo e a embarcação tinha um dos motores avariados. Mas, vacilei, e nesse segundo de hesitação o acidente aconteceu. O acidentado foi retirado pelo guindaste da outra plataforma, anexa à nossa, que opera como auxiliar de sondagem, usando a maca da enfermaria e levado, como emergência, de helicóptero até Guamaré e daí até Natal em ambulância da Petrobrás.

À noite, fiquei sabendo que nada de mais grave tinha lhe acontecido. Nenhuma fratura, apenas luxação. Josimar Rebouças — um velho soldador, aposentado, que retomou ao trabalho — passa bem.

Graças a Deus!

Alguns familiares já usaram este símbolo da Petrobras, outros ainda o carregam. Renato, meu irmão, foi o pioneiro, tendo trabalhado em plataformas no oceano, quando residiu em Natal (RN). Operou quando da implantação desses serviços, por óbvio, arrostando os riscos da profissão. Deles acaba de resgatar um fato acontecido em pleno oceano Atlântico, todavia, com final feliz. Como disse, o pequeno desastre ocorreu anteontem, em 4 dezembro de 1999.  
 

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