O título diz respeito à causa mortis de nossa mãe, nos idos de 1952. O diagnóstico foi passado por um médico-político (vereador), bastante folclórico na cidade: dr. Jorge Abrahim. Cuidou de dona Francisca (foto) a partir do ambulatório da igreja de Educandos, que o vigário, padre Antonio Plácido, construiu. Assim, a salvação do corpo e da alma estavam no mesmo local. Todavia, apenas fomos conhecer esse diagnóstico há cerca de dez anos, através da certidão de óbito. Tanto eu quanto o Renato, nos entristecemos fundo. Mas, que fazer? Renato não esquece a ausência da mãe, daí a crônica que hoje postamos. São passados 68 anos!
TUBERCULOSE
Renato Mendonça
Após um ano que nasceu, a mãe morreu-lhe, e o deixou órfão
com mais dois irmãozinhos, Henrique e o primogênito Roberto. O pai não quis se
casar. Ainda jovem, aos 36, devia ter-lhe aparecido bons partidos, mas não
quis. Ou não soube se casar. Essa é uma dúvida que ficou sem ser revelada. O
certo é que não lhe faltou relacionamentos como jovem que era, é provável que
muitos. E num desses, com a juventude dos vinte anos de Lindalva, gerou dois
filhos: um menino, Raimundo, e uma menina, Sonia, num espaço de dois anos.
Não lhe cabe nenhum julgamento moral, apenas o registro, desse casuísmo do comportamento humano. O homem é um ser impuro, motivado também por um instinto masculino, viril, mesmo que esteja compenetrado com sua doutrina religiosa. Há sempre uma força que lhe cobra a satisfação fisiológica, e que se pode dizer, com o aval do desejo da alma. O certo é que cuidou de todos, à sua maneira, e dedicou atenção como um verdadeiro pai, quando lhe cabe uma responsabilidade duplicada.
Ele só conseguiu aprender a casar sete anos depois — veja
bem, assim como Jacó, no Genesis, teve que esperar mais sete anos para casar-se
com Doroteia. Talvez uma premonição bíblica, fundamentada na mística do número
sete. E com ela, constituiu mais seis filhos: José, Miguel, Luís, Ronaldo,
Ricardo e Carlos.
Quando deu por si, o garoto que ficou órfão com um ano, pedia a Deus que o fizesse sonhar com sua mãe para novamente ouvir a sua voz. Queria uma revelação de seus últimos momentos em terras longínquas, no arrabalde do Lago do Anveres, como se fosse um médium, ou como alguém que tem a capacidade de ver na “bola de cristal”. Mas, o momento sempre lhe foi negado pelo Criador, por uma razão óbvia: há situações em que é melhor ficar na imaginação, pois a sofreguidão é cruel. Ele queria, pelo menos, obter-lhe os pensamentos na sua situação de dor, porque o pai sempre se recusou a lhe contar. E por que se recusou? Será que ele teve esse momento diante dos olhos? Provavelmente, a doença, altamente contagiosa, a afastava de todos, talvez por isso o pai não pode testemunhar o momento fatal. E o seu ofício, longe de casa, na capital, também o impedia de ficar ao seu lado.
Por tudo isso, havia esse conflito de hipóteses na mente do garoto. Mas, intuiu, com ajuda divina, que ela, na sua solidão, afastada da família, vivendo sua dor do corpo e da alma, deitada na sua cama — ou na rede, como costumavam descansar os amazonenses —, renovou seu pedido a Deus: “que o Nosso Senhor, na sua santa benevolência olhasse pelos seus três filhos pequenos, com idade variando entre um e seis anos; que o jovem Manoel soubesse achar dentro da sua responsabilidade e retidão, forças para cuidar dos três sem ter que doar algum. E mais, pediu aos céus que todos fossem irmãos verdadeiros, que se ajudassem entre si, que tivessem uma convivência harmoniosa em seus corações. Que nenhum rancor ou ruído externo pudesse atrapalhar o amor fraternal, uma extensão do amor que ela deixava como herança. Que seus caminhos, embora diferentes, tivessem sempre a Luz Maior a alumiar todos os passos. E, ainda se lembrou de pedir saúde, e muitos anos de vida ao pai.”
Agora, que o garoto Renato se encaminha para os setenta anos,
sente na alma que a mãe Francisca o quer afagar como antes da doença. Quer
novamente lançar o olhar terno e compassivo; quer o abastecer com a luz dos
seus olhos, e dirigir sua benção, infindável e pura. Para o prover de amor, suprir o hiato de uma necessidade
física e espiritual, longos anos em busca de paz, da paz maternal.
Renato Mendonça
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