Ao ingressar no quartel da Praça da Polícia, em 1966, encontrei
alguns presos de Justiça, dividindo o espaço com oficiais. Um deles chamava
atenção pelo porte avantajado: possuía 1m95. Era conhecido por Kazem (Mustafa El-kibbe), originário do Líbano,
e aguardava o julgamento acusado de ter matado um patrício, na manhã de domingo,
24 de janeiro do ano anterior. Bom atirador e bem armado, Kazem atingiu a
vítima de grande distância, com ela em movimento e de forma fatal. O delito constrangeu
a comunidade árabe da cidade, teve ampla repercussão, e dele se encarregou os
jornais da cidade. Parte desse material jornalístico vou compartilhar neste
espaço.
Kazem era gente fina, a despeito do porte e do crime cometido, e possuía
habilidade em massagem corporal, a qual distribuía com benevolência ao pessoal
do quartel e outros clientes. Ao ser julgado e condenado, foi transferido para
a extinta Penitenciária do Estado, com direito ao trabalho diurno, que realizava
em uma “clínica” de sua especialidade, situada na avenida presidente Kennedy.
Em 1969, no domingo em que o homem desceu na Lua (20 julho), a
justiça familiar oriental veio ao seu encontro. Um irmão da vítima tocaiou o Kazem
na ponte JK, que liga os bairros de Educandos e Cachoeirinha. Nela, ao entardecer,
quando voltava para o presídio, foi “justiçado”.
A Manaus de 1965 era inda um “porto de lenha”, tendo como prefeito interino
Zany dos Reis (presidente da Câmara) empossado após a renúncia do prefeito
eleito, radialista Josué Claudio de Souza, proprietário da Rádio Difusora. O governador
do Estado era Arthur Reis, que sucedera ao político Plinio Coelho, cassado pelo
Regime Militar, no ano anterior. A extinta Chefatura de Polícia estava situada
na rua Marechal Deodoro, hoje fundos do Banco do Brasil. E uma população minguada
de cerca de 200 mil habitantes, às vésperas do decreto de instalação da Zona
Franca (fevereiro de 1967).
O crime do Kit-Kat, assim conhecido em razão de que o criminoso era
proprietário da loja de confecções e armarinhos com esta denominação, situada
na confluência da avenida 7 de Setembro com a rua Joaquim Sarmento, logo atrás
da Matriz da padroeira. Pode ser incluído entre aqueles que “abalaram” a cidade
devido a repercussão e as partes envolvidas.
No entrevero do crime estavam, de um lado, os irmãos Ulthman (morto) e Mussa (ferido) Judeth, e do outro, Kazem Mustafa El-kibbe El-kibbe, o
criminoso. São vários depoimentos e versões; inicio com o prestado pelo ferido,
e exibido em O Jornal (24 janeiro 1965).
Recorte do depoimento em O Jornal, 24 janeiro 1965 |
Em prosseguimento do inquérito policial, instaurado na
Delegacia de Segurança Pessoal, sob a presidência do comissário Dinancy
Barroso, para apurar a responsabilidade penal de Kazem Mustafa El-kibbe, que na
manhã de anteontem, por volta das 11 horas, assassinara a tiros de Parabellum,
calibre 45 (arma militar), a pessoa do cidadão Ulthmam Yussef Habud Judeth,
alem de haver baleado um irmão da vítima, o cidadão Mussa Yussef Amud Judeth,
transjordanês (sic), o qual se encontra internado em aposento especial do
Hospital Beneficente Portuguesa, com ferimento na perna direita.
OUVIDO PELA COMISSÃO DE INQUÉRITO
Por volta das 12 horas de ontem, o comissário Dinancy Barroso,
auxiliado pelo escrivão Aristóteles da Silva, ouviu o depoimento de Mussa
Yussef Amud Judeth, que declarou o seguinte: Há pouco mais de dois meses chegou
a esta cidade para trabalhar no comércio com seu irmão Ulthman, indo residir com
ele naquele endereço. Contradizendo os afirmativos do criminoso, o referido
cidadão indicou que jamais tivera relações de amizade com o criminoso, nunca
tendo tido também qualquer desavença com ele por questão de eletrola como
alegou no seu falso depoimento, o mesmo acontecendo com seu irmão, barbaramente
assassinado na manhã de domingo, anteontem. Apenas trocava cumprimentos quando
se encontrava na via pública, ou quando passava pelo apartamento dele. Esta vítima
também nunca foi chamada a atenção por parte de Kazem, também nunca lhe
dirigira insultos.
CONVITE PARA UM BANHO
Prosseguindo no seu depoimento, o senhor Mussa declarou que fora
convidado para passar o dia no balneário do senhor Kaled Hauache, com sua família,
inclusive seu irmão Ulthman, tendo tido a lembrança de levarem consigo a família
de Miguel de tal, seu amigo, residente num edifício situado no cruzamento da
rua Joaquim Sarmento com a avenida Sete de Setembro, onde o criminoso possui um
estabelecimento comercial denominado “Kit-Kat”. Chegando a casa de Miguel,
depois dos cumprimentos protocolares, retirou-se juntamente com seu irmão
Ulthman para a rua onde ficou batendo bola com um garoto filho do senhor
Miguel, enquanto a esposa deste preparava a refeição que seria servida no
banho.
SURGIU INESPERADAMENTE O CRIMINOSO
Continuando o bate-bola em frente à casa do senhor Miguel, os
dois irmãos foram surpreendidos com a presença de Kazem que saía do seu
estabelecimento comercial trazendo embaixo do braço uma pasta de couro de cor preta.
O criminoso acendendo um cigarro escorou-se ao seu carro, e disse ao garoto: “Você
está jogando bola muito bem”. O menor na sua inocência convidou Kazem a tomar
parte no bate-bola, tendo este dito o seguinte: “Não é hora. Agora não posso”.
Ditas as palavras ao garoto, o criminoso advertiu Ulthman do seguinte modo: “Vamos
acertar as contas”. Mussa, irmão de Ulthman, intervindo disse ao criminoso: “Pelo
amor de Deus, não faça isso. Nós não temos contas a ajustar. Nós somos livres”.
Em seguida, segundo depoimento de Mussa, o criminoso sacou de uma pistola e
apontou para Mussa que estava encostado no seu carro, dizendo: “Tome que esse é
seu”, passando então a realizar disparos. Temeroso, vendo que Kazem estava
disposto a matar tanto a si como seu irmão Ulthman, Mussa procurou esconder-se
por trás do carro e, em dado momento, fitando através do vidro, advertiu seu
irmão do seguinte modo: “Meu irmão, corre que este homem quer acabar com a nossa
vida”, e foi, então, quando Ulthman procurou evadir-se correndo pela [rua] Joaquim
Sarmento rumo à rua Henrique Martins, enquanto o criminoso atirava contra si
atingindo-o no pescoço e logo em seguida nas costas, tendo o referido jovem
caído ao solo sem vida. Recordando-se de que seu irmão Ulthman conduzia uma
pistola no seu carro, Mussa depois de ferido por Kazem procurou vingar a morte
do seu irmão e saiu se arrastando-se pela Sete de Setembro a atirar sem rumo.
Ao chegar à altura do BCA [Banco de Crédito da Amazônia], ali foi agredido por
populares e policiais que lhe produziram ferimentos leves, sendo preso
finalmente.
PRATICOU HOMICÍDIO NO LÍBANO
Terminando seu depoimento, o senhor Mussa declarou que Kazem
praticara três crimes de homicídio em seu país, tendo conseguido fugir para o
Brasil. Encerrou seu depoimento dizendo que nunca foi inimigo do criminoso.
PORTAVA TRÊS ARMAS
As autoridades da Delegacia de Segurança Pessoal presumem que
o crime. estava premeditado, pois o criminoso portava consigo três armas automáticas,
carregadas, além de grande quantidade de munição.
A VÍTIMA ESTAVA DESARMADA
O jovem falecido não portava qualquer arma, pois por ocasião
do levantamento cadavérico feito pelo médico-legista do DESP. nenhuma armo foi
encontrada em seu poder. Enquanto isso, o criminoso portava uma à mão, uma na pasta
e uma no bolso.
Nota do autor da postagem:
Sabendo-se que o criminoso era bom atirador, não é
crível que tenha atirado primeiro e errado “palmo e dentro”. Ao contrário,
quando a vítima, correndo e à distância, foi atingida fatalmente. Evidente que
a declaração acima na Polícia expõe a bússola dos advogados.
Sou neto do kazem , onde encontro os depoimentos dos envolvidos??
ResponderExcluirEssa historia é toda mau contada, não foi isso o que aconteceu. Sua pesquisa é uma fraude.
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