CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, julho 27, 2020

SURTO LITERÁRIO EM MANAUS

Nonato Pinheiro

Compartilho o relato acerca da produção literária em Manaus, no inolvidável ano de 1964. De certo, concernente ao segundo semestre, quando assumiu o governador Arthur Reis. 
O artigo pertence ao saudoso padre Nonato Pinheiro, intelectual de elevado gabarito, escrevendo para O Jornal (10 janeiro 1965). 
Observo ainda que a encomenda literária proposta pelo governador, o sacerdote não realizou. 
Fragmento de O Jornal, 10 janeiro 1965





Estou positivamente satisfeito com o surto literário que se vem registrando no Amazonas. O ano de 1964 foi sobremaneira lisonjeiro para as letras em nossa terra, e tudo me indica que este 65 não amortecerá a flama, mas tornará mais luminosa e crepitante.
Passemos em vista alguns fatos literários, dignos de especial registo. Na Biblioteca Pública, por determinação e incentivo do governador Arthur Cézar Ferreira Reis, um grupo de trabalho, ad hoc designado, preparou a primeira grande exposição de livros de autores amazonenses e de outros que aqui se fixaram e produziram. É evidente que a alma de tudo foi meu dileto amigo e confrade, acadêmico Genesino Braga, talhado para uma obra dessa natureza, de exaustiva pesquisa. Foram arroladas 482 obras de autores autóctones e 433 de autores alienígenas. Bem sabemos que a exposição não abrange TODAS as obras de amazonenses e de brasileiros e estrangeiros que aqui se radicaram, mas o grupo de trabalho fez o que foi possível fazer.
O governador do Estado, que é o amazonense mais fecundo do ponto de vista bibliográfico, prestigiou o ato inaugural, tendo proferido substancioso discurso, naquele estilo que bem caracteriza o autêntico scholar, o professor catedrático e universitário Que essa exposição sirva de estímulo aos novos amazonenses, porque a verdade verdadeira (provam-no os volumes que figuram na exposição!) é que nós amazonenses em nada ficamos a dever aos patrícios de outras plagas e rincões, e aos estrangeiros de qualquer' pais. no que concerne com a inteligência e a vis criadora. Temos cabeça para as letras, para as artes e para as ciências. O que se verificou no passado foi a criminosa desassistência dos governos de antanho, useiros e vezeiros em proteger os de fora em desprezar os nativos, o que levou um sacerdote amazonense (padre Luís de França Tomé de Sousa) a afirmar sem rebuços: “Esta minha terra foi sempre a mãe dos enteados e a madrasta dos filhos!”
No dia 5 passado, o Ideal Clube abriu seus luxuosos salões para receber o escol social e a flor intelectual de Manaus. Tratava-se do lançamento do livro De todos os crepúsculos, da lavra da talentosa poetisa amazonense Mady Benoliel Benzecry. Tive a honra do convite e o prazer do comparecimento. Mitridates Correia, Djalma Batista e eu assinalamos a presença da Academia Amazonense de Letras. O Clube da Madrugada esteve quase au grand complet. Foi uma festa social e literária da mais requintada elegância, prestigiada pela presença honrosa do Sr. Governador Arthur Reis e de sua gentilíssima consorte, que nunca se omitem nesses festins da inteligência e do espírito.
Meu amigo Jacob Paulo Lévy Benoliel, pai venturoso da poetisa, proferiu o discurso de circunstância e foi sobremodo feliz, (...) Jacob Benoliel, Dona Raquel e Elias Benzecry, esposo da poetisa, foram de uma fidalguia sem par na recepção, que atraiu os melhores naipes de nossa aristocracia social e intelectual, membros do corpo consular (Raoul Weil e Moisés Figueiredo da Cruz) e altas figuras do glorioso Exército Nacional (coronéis Alípio de Carvalho e João Walter de Andrade). Este matutino esteve brilhantemente representado na pessoa de nossa estimada e talentosa diretora, Maria de Lourdes Freitas Archer Pinto.
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Antônio Cantanhede, distinguido sócio do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e da Associação Amazonense de Imprensa, acaba de publicar mais um volume, que veio opulentar sua bibliografia. Cantanhede tem especial pendor para o Folclore, a História, a Geografia e a Etnografia. Seduzem-no os mitos, as lendas, as crenças e crendices do nosso povo, no que tem encontrado um filão para as suas atividades intelectuais. Li com agrado seus contos, lendas e narrativas, do melhor sabor folclórico. Tomarei a liberdade, a título de subsídio, de fazer um comentário à margem do capítulo - "Oração para curar dor de dentes" (pp. 115-117). Sei bem que o papel do historiador e folclorista, como também do linguista e filólogo, é registar os fatos com exação, como os surpreenderam e examinaram. E o autor, no caso vertente, notou e anotou “Santa Pelonha” e “Santa Polônia”. (...) Desejo agradecer ao escritor Antonio Cantanhede a oferta do livro, que li com grande prazer e muito proveito.
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Recebi a oferta do livro de contos de Francisco Vasconcelos O palhaço e a rosa, presidente do Clube da Madrugada, bancário e moço de lúcida mentalidade, e ainda uma bela plaqueta da autoria de Moacyr Alves, versando um tema apaixonante: a necessidade e utilidade do livro, em geral, e da Bíblia, em particular. Oportunamente me ocuparei dessas duas publicações.
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No dia 7, tive a satisfação de assistir a mais um lançamento de livro. Trata-se do livro Rimas na Primavera, da inteligente poetisa Mary Sálem, já conhecida através das colunas do Jornal do Comércio, que lhes publica com frequência as produções. A obra traz o prefácio do govenador Arthur Reis, que autorizou a publicação do livro e pessoalmente prestigiou a solenidade do lançamento. Sobre as duas poetisas Mady e Mary (quase homônimas), já me externei em letra de fôrma, e aqui ratifico meus conceitos, almejando-lhes novos triunfos literários.
Concluo este rodapé com um apelo aos poetas amazonenses. Incumbiu-me o governador Arthur Reis de organizar uma antologia de poetas EXCLUSIVAMENTE amazonenses. Esclareceu-me que não deverei incluir poetas que aqui se fixaram e produziram, mas aqui não nasceram. Sua Excelência faz questão de que todos (falecidos e vivos) sejam amazonenses NATOS. Feito este esclarecimento, para dissipar dúvidas, faço um apelo aos poetas amazonenses para que me remetam QUATRO de suas produções, que supuserem melhores, com dados biográficos.
Meu plano é dar a biografia de cada poeta, com quatro produções de sua lavra. Já solicitei a colaboração da Academia Amazonense de Letras e do Clube da Madrugada, pedido feito aos respectivos presidentes. As colaborações deverão ser remetidas para O Jornal, com envoltório dirigido ao autor destas linhas. E peço aos ilustres poetas que m’as enviem com a possível brevidade, pois o governador Arthur Reis não é homem de delongas e procrastinações, e já tenho em mãos as produções dos poetas amazonenses falecidos e ausentes do estado. E aqui me cerro, desejando que a vida literária em nosso Amazonas vivat, crescat, floreat!

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