Nonato Pinheiro |
Compartilho
o relato acerca da produção literária em Manaus, no inolvidável ano de 1964. De
certo, concernente ao segundo semestre, quando assumiu o governador Arthur
Reis.
O artigo pertence ao saudoso padre Nonato Pinheiro, intelectual de elevado
gabarito, escrevendo para O Jornal (10 janeiro 1965).
Observo ainda que a encomenda literária proposta pelo governador, o sacerdote não realizou.
Fragmento de O Jornal, 10 janeiro 1965 |
Estou positivamente
satisfeito com o surto literário que se vem registrando no Amazonas. O ano de
1964 foi sobremaneira lisonjeiro para as letras em nossa terra, e tudo me
indica que este 65 não amortecerá a flama, mas tornará mais luminosa e
crepitante.
Passemos em vista
alguns fatos literários, dignos de especial registo. Na Biblioteca Pública, por
determinação e incentivo do governador Arthur Cézar Ferreira Reis, um grupo de
trabalho, ad hoc designado, preparou a primeira grande exposição de
livros de autores amazonenses e de outros que aqui se fixaram e produziram. É
evidente que a alma de tudo foi meu dileto amigo e confrade, acadêmico Genesino
Braga, talhado para uma obra dessa natureza, de exaustiva pesquisa. Foram
arroladas 482 obras de autores autóctones e 433 de autores alienígenas. Bem
sabemos que a exposição não abrange TODAS as obras de amazonenses e de
brasileiros e estrangeiros que aqui se radicaram, mas o grupo de trabalho fez o
que foi possível fazer.
O governador do
Estado, que é o amazonense mais fecundo do ponto de vista bibliográfico,
prestigiou o ato inaugural, tendo proferido substancioso discurso, naquele
estilo que bem caracteriza o autêntico scholar, o professor catedrático
e universitário Que essa exposição sirva de estímulo aos novos amazonenses,
porque a verdade verdadeira (provam-no os volumes que figuram na exposição!) é
que nós amazonenses em nada ficamos a dever aos patrícios de outras plagas e
rincões, e aos estrangeiros de qualquer' pais. no que concerne com a
inteligência e a vis criadora. Temos cabeça para as letras, para as
artes e para as ciências. O que se verificou no passado foi a criminosa
desassistência dos governos de antanho, useiros e vezeiros em proteger os de
fora em desprezar os nativos, o que levou um sacerdote amazonense (padre Luís
de França Tomé de Sousa) a afirmar sem rebuços: “Esta minha terra foi sempre a
mãe dos enteados e a madrasta dos filhos!”
No dia 5 passado, o
Ideal Clube abriu seus luxuosos salões para receber o escol social e a flor
intelectual de Manaus. Tratava-se do lançamento do livro De todos os
crepúsculos, da lavra da talentosa poetisa amazonense Mady Benoliel
Benzecry. Tive a honra do convite e o prazer do comparecimento. Mitridates
Correia, Djalma Batista e eu assinalamos a presença da Academia Amazonense de
Letras. O Clube da Madrugada esteve quase au grand complet. Foi uma
festa social e literária da mais requintada elegância, prestigiada pela
presença honrosa do Sr. Governador Arthur Reis e de sua gentilíssima consorte,
que nunca se omitem nesses festins da inteligência e do espírito.
Meu amigo Jacob
Paulo Lévy Benoliel, pai venturoso da poetisa, proferiu o discurso de circunstância
e foi sobremodo feliz, (...) Jacob Benoliel, Dona Raquel e Elias Benzecry, esposo
da poetisa, foram de uma fidalguia sem par na recepção, que atraiu os melhores
naipes de nossa aristocracia social e intelectual, membros do corpo consular
(Raoul Weil e Moisés Figueiredo da Cruz) e altas figuras do glorioso Exército
Nacional (coronéis Alípio de Carvalho e João Walter de Andrade). Este matutino esteve
brilhantemente representado na pessoa de nossa estimada e talentosa diretora,
Maria de Lourdes Freitas Archer Pinto.
***
Antônio Cantanhede,
distinguido sócio do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e da Associação
Amazonense de Imprensa, acaba de publicar mais um volume, que veio opulentar
sua bibliografia. Cantanhede tem especial pendor para o Folclore, a História, a
Geografia e a Etnografia. Seduzem-no os mitos, as lendas, as crenças e
crendices do nosso povo, no que tem encontrado um filão para as suas atividades
intelectuais. Li com agrado seus contos, lendas e narrativas, do melhor sabor
folclórico. Tomarei a liberdade, a título de subsídio, de fazer um comentário à
margem do capítulo - "Oração para curar dor de dentes" (pp. 115-117).
Sei bem que o papel do historiador e folclorista, como também do linguista e
filólogo, é registar os fatos com exação, como os surpreenderam e examinaram. E
o autor, no caso vertente, notou e anotou “Santa Pelonha” e “Santa Polônia”. (...)
Desejo agradecer ao escritor Antonio Cantanhede a oferta do livro, que li com
grande prazer e muito proveito.
***
Recebi a oferta do
livro de contos de Francisco Vasconcelos O palhaço e a rosa, presidente
do Clube da Madrugada, bancário e moço de lúcida mentalidade, e ainda uma bela
plaqueta da autoria de Moacyr Alves, versando um tema apaixonante: a
necessidade e utilidade do livro, em geral, e da Bíblia, em particular.
Oportunamente me ocuparei dessas duas publicações.
***
No dia 7, tive a
satisfação de assistir a mais um lançamento de livro. Trata-se do livro Rimas
na Primavera, da inteligente poetisa Mary Sálem, já conhecida através das
colunas do Jornal do Comércio, que lhes publica com frequência as
produções. A obra traz o prefácio do govenador Arthur Reis, que autorizou a
publicação do livro e pessoalmente prestigiou a solenidade do lançamento. Sobre
as duas poetisas Mady e Mary (quase homônimas), já me externei em letra de
fôrma, e aqui ratifico meus conceitos, almejando-lhes novos triunfos literários.
Concluo este rodapé
com um apelo aos poetas amazonenses. Incumbiu-me o governador Arthur Reis de organizar
uma antologia de poetas EXCLUSIVAMENTE amazonenses. Esclareceu-me que não
deverei incluir poetas que aqui se fixaram e produziram, mas aqui não nasceram.
Sua Excelência faz questão de que todos (falecidos e vivos) sejam amazonenses
NATOS. Feito este esclarecimento, para dissipar dúvidas, faço um apelo aos
poetas amazonenses para que me remetam QUATRO de suas produções, que supuserem melhores,
com dados biográficos.
Meu plano é dar a
biografia de cada poeta, com quatro produções de sua lavra. Já solicitei a
colaboração da Academia Amazonense de Letras e do Clube da Madrugada, pedido
feito aos respectivos presidentes. As colaborações deverão ser remetidas para O
Jornal, com envoltório dirigido ao autor destas linhas. E peço aos ilustres
poetas que m’as enviem com a possível brevidade, pois o governador Arthur Reis
não é homem de delongas e procrastinações, e já tenho em mãos as produções dos
poetas amazonenses falecidos e ausentes do estado. E aqui me cerro, desejando
que a vida literária em nosso Amazonas vivat, crescat, floreat!
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