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sexta-feira, julho 03, 2020

JOSÉ CALASANS (1915-2000)


Já escrevi em data próxima sobre este mestre dos vencidos de Canudos. Estive com ele, pois qualquer estudioso do conflito sertanejo, havia que ouvir seus ensinamentos.

Quando de seu falecimento, em 2000, escrevi o texto aqui postado, que tentei na oportunidade lançar em jornal da cidade, mas não consegui.

 
José Calasans

A projeção da renúncia de ACM (Antonio Carlos Magalhães) na imprensa, decerto, obstaculizou a divulgação com a ênfase que bem merece o falecimento (28.05) de José Calasans Brandão da Silva (85 anos), um sergipano que fez história na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Mais bem conhecido por professor Calasans, foi, com assentimento unânime da imprensa e dos historiadores contemporâneos, "o maior pesquisador de Canudos e seu líder Antônio Conselheiro". Basta uma consulta a qualquer bibliografia das publicações, acadêmicas ou não, inclusive de geração internacional, como A Guerra do Fim do Mundo, do escritor peruano Vargas Llosa, editadas nas últimas décadas, para se entender a assertiva acima.

Este conceito, a partir de seu desaparecimento, será cultuado com maior devotamento por seus órfãos - os "canudistas". Outro notável reconhecimento ocorreu por ocasião do centenário de Canudos (1997), quando o mestre "foi escolhido por unanimidade para presidir a comissão organizadora dos eventos". Nessa quadra, a revista Veja, em publicação sobre o centenário, e o filme - A Guerra de Canudos - também contaram com a disposição científica desse historiador. Calasans marcou com sua presença o local da tomada de cenas, na Canudos cinematográfica, criada no sertão mais agreste, a despeito de contar mais de 80 anos.

Calasans nasceu em Aracaju, a 14 de julho de 1915, onde permaneceu até a conclusão do curso secundário no Ateneu Sergipano, quando então mudou-se para Salvador, onde bacharelou-se em Direito na turma de 1937. Nesse tempo, a doutrina política do Integralismo era amplamente apreciada na Faculdade de Direito, por isso, Calasans "foi integralista, mas depois se arrependeu". Obteve o grau de doutor em Geografia e História, em 1951, ao defender a tese O ciclo folclórico do Bom Jesus Conselheiro, em concurso de livre docência, na Universidade Federal da Bahia. Nesta escola superior, assumiu o Departamento de História entre 1974/75 e, no quadriênio 1980/84, ocupou o cargo de vice-reitor.

Encerradas as rememorações do centenário de Canudos, o autor de Canudos na literatura de cordel (1984) restringiu sua atuação no circuito acadêmico, atingido pela doença que o abateu. Não conheceu o Amazonas, mas conseguiu ligar-se ao nosso estado, quando, em 1986, recebeu em seu escritório o escrivinhador desta notícia. Conversamos, porque interessava-me divulgar a participação da Polícia Militar amazonense contra o beato Conselheiro na guerra sertaneja, que veio acontecer com a publicação de Cândido Mariano & Canudos (UA, 1997).

Nessa conversa, o professor Calasans liberou-me uma informação que vinculou com proeminência nosso Estado ao movimento anti-conselheirista. Diz respeito ao Relatório sobre a estada do 1° batalhão de infantaria fora do Amazonas, durante o tempo em que esteve à disposição do Governo Federal e em operações no Estado da Bahia, assinado pelo comandante da tropa amazonense, Cândido Mariano. O relatado documento, ao ser difundido no Diário Oficial de 21/22 de dezembro de 1897, inaugurou as publicações do pós-guerra sobre Canudos.

Devido a este primado e em lembrança ao centenário, a Fundação Joaquim Nabuco reeditou este trabalho acrescido de notas deste autor. Assim, pois, com o desaparecimento de José Calasans, que dedicou mais de meio século em pesquisa e publicação sobre os fundamentos e os personagens em geral da campanha de Canudos, inicia-se novo ciclo de interpretação do conflito. Se isso for possível, está aberta a sucessão do ilustrado sergipano.

Ao mestre Calasans, que certamente já teve o merecido encontro não apenas com o fundador de Canudos, mas também com tantos que ajudaram o beato, da mesma maneira com os opositores armados e os falecidos narradores da tragédia do Belo Monte, a minha gratidão com esta nota, pelas instrutivas conversas que mantivemos sobre a "campanha jagunça" e pela correspondência minimamente trocada com o maior dos "canudófilos". RIP

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