CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, junho 28, 2013

HOTEL CASINA

Recorte da folha de rosto do
livro de Gonçalves Maia
Gonçalves Maia, amazonense radicado em São Paulo, no início do século passado efetuou uma viagem pela Amazônia, hospedando-se em Manaus no Hotel Casina. No retorno, compilou suas notas muito simples no Livro de viagem: Norte (1904), que, apesar de editorado em Manaus pela Empresa do “Amazonas – editora”, em 1906, foi impresso em Lisboa (POR). Obra existente na biblioteca Mário Ypiranga. Colei o capítulo referente ao Casina que, na época, era tido como a melhor pousada da cidade da borracha. Manaus vivia o auge do ciclo da hévea.

Os que se divertem

O meu quarto no Hotel Casina dá para o jardim da Praça do Palácio [hoje Praça Dom Pedro]. É o melhor aposento do hotel, como o hotel é o melhor da cidade. É também o quarto mais caro. Pago 20$000 [vinte mil] réis por dia. Já era, portanto, um aposento para ser confortável e até luxuoso.
A mobília é, entretanto, humilde. O guarda-roupa não tem portas de espelho. O lavatório é quase um lavatório de estudante. Os tapetes são velhos. Mas a cama é boa, larga, macia e a luz entra em grande jorros (sic), alegrando a vida.

Quando toda a cidade arde abrasada, o meu quarto é fresco. Só isso vale uma fortuna e eu não me queixo. Depois, estou numa cidade onde tudo é caro. Antes assim.
Hotel e praça abandonados, 2013

As cidades onde tudo é barato e onde se vive com pouco, são cidades pobres. E se nas cidades ricas a vida é cara, é que também a vida tem mil recursos de subsistência. Essas cidades são como os terrenos mineiros. Tudo está em descobrir o veio.

Haverá miséria aqui? Não sei ainda.
O que eu vejo nesses grandes aterros que se estão fazendo, nessas grandes construções que esfloram da terra, é que há trabalho para um exército de proletários.

O carregador que me trouxe a bagagem cobrou 15$000. A distância do cais ao hotel é talvez a que vai da Lingueta ao Arco da Conceição (em Lisboa?). Mas se isso é assim, é porque há dinheiro ou porque a população não é ainda tão grande que a concorrência se tenha assinalado. Não me queixo disso, repito. Só as cidades pobres me entristecem.
E eu não tenho razões para estar triste. Saudoso sim, mas não triste. Pelo menos a anoite que eu acabo de passar, foi uma noite em claro, mas uma noite musical e luminosa. A luz elétrica atravessa os postigos e vem esbater nas paredes como um dia claro.

Do outro lado, em frente é o Eldorado; ao lado é a Pensão da Mulata. Até tarde eu ouvi a música das orquestras e a cantoria dos couplets alegres. São os cafés cantantes.
E, como ontem mesmo se deu um incidente num desses cafés, segundo vejo de uma publicação de hoje nos jornais, alguns trechos dessa publicação podem dar uma ideia dessas diversões, que só existem nas grandes cidades do mundo e, no Brasil, só no Rio, São Paulo e Manaus.

Um espectador fez a uma artista qualquer gesto que não pareceu muito comedido à autoridade que presidia ao espetáculo. Prendeu-o e ele se defende. Não julgo nem discuto o mérito da defesa. Assinalo apenas, registro somente o modo de compreender de um moralista alegre, de um filósofo a Boccacio, que se justifica.
É um espetáculo para homens, escreve ele:
“(...) O rapazio hilariante que frequenta o hotel suspeito a que dá vida o teatrinho e do qual é este o chamariz da concorrência para especial gênero de negócios, vai ali apenas despertar os seus apetites genésicos, buscar estímulo para certa ordem de desejos, e é originalíssimo que a polícia, que ali deve ir simplesmente garantir a ordem pública, queira desvirtuar a essência do instituto que ela permite, exigindo circunspecção, moralidade e respeito naquilo que é por sua natureza acanalhada, truanesco, imoral.

Tais teatrinhos, não são como julgam na sua vesga visão os senhores da polícia, cafés cantantes: são aperitivos do amor, cortinas de lupanares, e é por isso que funcionam eles como sucursais dos estabelecimentos em que o amor se compra e se mercadeja.
Só os frequentam aqueles que gostam da canção da pulga ou do grilo, do monólogo do besouro ou da barata, aplaudem o cancã e amam o maxixe e não se envergonham de pertencer aos cabarés, aux Bohemiennes, entrar no Moulin Rouge ou nas Folies Bergères...”

Pensa que condeno? Nunca. Uma grande cidade deve ter de tudo.
Da Pensão da Mulata eu ouço o Açaí, o Vatapá, modinhas populares e gritos frenéticos de aplausos.

À meia-noite, uma banda marcial toca aqui perto, à porta de um estimado político que faz anos [Coronel Afonso de Carvalho, então presidente do Poder Legislativo, mais adiante, governador]. Às 5 da manhã o hino nacional estruge em frente do Palácio do Governo. Estamos a 7 de Setembro, a gloriosa data emancipacionista.

É com as suas notas patrióticas e sugestivas que eu me levanto e vou à janela. O sol desponta. E, à sua luz de ouro, eu contemplo a bela cidade que acorda para a vida e para o trabalho.

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