Reproduzido da revista
VICTÓRIA-RÉGIA, de abril de 1932.
Recorte do artigo publicado na revista |
Lá, na distante e montanhosa Córsega, toda ela a tresandar vendettas, teve o seu berço o velho Henrique Antony, pai. Aspirando a liberdade da garbosa e indomável terra que o viu nascer, militou bravamente, ombro a ombro com Paoli, de quem foi lugar-tenente de confiança. Depois do fracasso deste famoso caudilho foi, por força de circunstâncias, obrigado a exilar-se; nasceu-lhe por essa ocasião um filho: era Enrique Antony.
Henrique Antony, desenho do autor, publicado em Roteiro Histórico de Manaus, de Mário Ypiranga |
Terá este
nascido na Córsega? Terá nascido em Livorno, no Grão-ducado da Toscana? Em que
ano veio ao mundo? Vejamos se é possível elucidar alguma coisa sobre estas
perguntas: Antes de tudo precisamos declarar que estes quesitos são de respostas
precisas dificílimas. Henrique Antony comprazia-se ou tinha interesse em fazer um
mistério de sua vida. Diversas e múltiplas são as ocorrências que nos levam a
crer nisto.
Quando
faleceu em 27 de julho de 1872, seus documentos notificam ter ele 65 anos,
havendo, portanto, nascido em 1807, no mesmo ano em que na nevoenta Londres
morria o velho Paschoal Paoli.
Em 20 de dezembro
de 1853, requereu registro, no livro da Secretaria da Câmara da Província do
Amazonas, do título de naturalização de cidadão brasileiro, declarando já estar
no Brasil “há cerca de 30 anos e ser natural do Grão-ducado da Toscana” (cidade
de Livorno?), assim sendo e sabendo-se que quando veio para o Brasil, embarcado
em Lisboa, já visava o comércio na Comarca do Alto-Amazonas, deduz-se
evidentemente que aqui chegou em 1823, mais ou menos.
Ora, há em
mãos da senhorita DinarI Antony, sua descendente, um retrato que talvez seja o
único conhecido. Nele, Henrique se apresenta já homem feito, na força da idade,
aparentando ter de 30 a 40 anos; está vestido com uma casaca escura, calça
clara, colarinho alto, gravata borboleta de grandes pontas, apresentando o
conjunto uma semelhança com os invariáveis retratos de Gonçalves Ledo por época
de nossa Independência Política, o que parece demonstrar que o retrato é da
plena época do romantismo, beirando 1830.
É impossível
que este retrato haja sido tirado no Amazonas: é ele um trabalho de mestre,
feito com admirável perfeição em chapa de metal, encravado num estojo de
madeira revestido de couro, com desenhos dourados, não trazendo a marca da
Fotografia.
Não é crível
que tivesse vindo para o Amazonas, ou para o Brasil, com 16 anos; o retrato é
uma prova evidente e indiscutível de que ele ao morrer não tinha 65 anos, pois
se de 1820 a 1830 já aparentava ter uns 40 anos... E é preciso assinalar que o
retrato DEVE ter sido tirado antes de 1823, isto é, antes de vir para o Brasil.
Ao
engenheiro João Carlos, seu filho predileto, contara que forçado por
contingências imprevistas, fugira da Córsega, sua pátria, onde tentara levantar a população contra o odioso
domínio francês. Foram seus companheiros nesta fuga Pachinotti Zany, seu primo,
um tal Neri, um tal Cavalcanti e Paoli.
Fugira para
Genova.
Ai, outro
perigo. Sua cabeça e as de seus companheiros foram postas a prêmio; talvez seja
esta a explicação mais racional dos segredos que procurava guardar quanto sua
origem. Perseguições, vexames, cabeça a preço, fizera que embarcasse
clandestino em uma nau auxiliado por um marinheiro a quem subornara, e fosse respirar
liberdade em Lisboa.
A fama do
Brasil ciciou-lhe aos ouvidos e não sabendo resistir-lhe, embarcou rumo à
misteriosa Amazônia. Tinha meios de fortuna. Pertencia a uma família nobre de
Córsega; no retrato citado ele traz dois distintivos iguais: um na lapela,
outro na orelha. Tais distintivos são os emblemas da nobreza corsa, usava-se na
lapela do lado direito e em uma só orelha. Não vinha
imigrante, com o gibão às costas, e trazia diversos patrícios como companheiros
de viagem. É provável que viesse para voltar. Gostou. Ficou.
Com efeito,
que atrativos teria naquela época o Amazonas, comarca, e em que poderia
interessar ao forasteiro que não fosse um apaixonado de fortes emoções, um
cientista ou um caçador de fortuna? Aqui chegou
Antoni e assim o tratam Wiliam Herndon Edwards e Alfred Wallace; aqui ficou
Antony.
Como se vê,
a vida de Henrique Antony é repleta de interrogações. É possível que todas
essas incógnitas se desanuviassem com pacientes pesquisas nos arquivos de Belém
(PA), Genova (ITA), Livorno e Córsega. Pouco se pode afirmar, é uma figura de
psicologia impenetrável.
Em 1839
contraiu matrimônio com D. Leocádia Maria Brandão, filha de Antônio José
Brandão. Deste consórcio teve regular prole: João Carlos, engenheiro notável e
pai de Raul, Américo (Antony, poeta) e
Dinary Antony; Guilherme e Luiz Carlos, comerciantes; Lina e Paulina, falecidas,
jovens, em uma epidemia de varíola.
Teve também
dois filhos: Maria e Luiz. Este foi herói da Guerra do Paraguai, onde foi
condecorado duas vezes: a primeira, por decreto de 17 de julho de 1866, com o
hábito de Cavaleiro da Ordem da Rosa (pelo combate da ilha Villagran Cabrita,
antiga Itapiru, em 11 de abril de 1866); a segunda, por decreto de 27 de agosto,
com o hábito de Cristo (pela batalha de 24 de maio) e que devia finalmente
falecer heroicamente, resultado arrematador de seus brilhantes feitos marciais.
Os negócios
de Henrique prosperaram e ele foi em breve grande proprietário e o maior
comerciante do Amazonas. Possuía armazéns, loja, casas para alugar, e uma
padaria, das primeiras senão a primeira do gênero em Manaus, e que é hoje a Padaria
Universal; sua residência, uma das melhores da época, era a antiga sede da
Inspetoria Agrícola e que, herdada por João Carlos, foi por este perdida em uma
questão hipotecária ao célebre usurário Custódio Pires Garcia (proprietário do original Palacete Garcia,
hoje Provincial, assassinado misteriosamente), fadado a triste fim.
Em um
sobrado de sua propriedade, esteve instalado o palácio do governo; era no local
em que está hoje um depósito comercial, no antigo Hotel de França, fronteiro à
Escola Normal.
Todos os
exploradores que nos visitaram, foram seus hóspedes; disto fazia questão.
Herndon, explorador norte-americano, que por aqui andou em 1846 chama-o de “my
good friend, Enrique Antoni, the italian” etc.
Sobre o seu
progresso comercial, temos na Estatística Econômica, algumas referências: Henrique
Antony ocupa o 8º lugar (entre 24 negociantes), como exportador, no ano de 1851.
Exportara 825 arrobas de pirarucu, pagando de imposto a avultada some de 16$500.
O primeiro exportador fora Antônio José Joaquim Pucú, que enviara para fora da
Comarca 2.112 arrobas daquele produto, pagando a taxa de 42$140. Já em 1853,
entre 83 comerciantes, Henrique ocupa o primeiro lugar como pagador de imposto
de exportação (94$850), enquanto o Pucú decrescera, para pagar somente 24$750,
o que não admira, pois Gabriel Gonçalves pagou $125 e Victorio da Costa $200! Bons tempos, não resta dúvida.
Nesta mesma
“Estatística” encontramos como Nota do quadro nº 13, referente a 1851: “A
principal casa comercial era a loja e taberna de Henrique Antony, à rua Estrela
(atual rua Henrique Antony), cujos
fundos foram avaliados, no lançamento, em 1:900$000. O lançamento foi feito de
acordo com a lei provincial nº 163, de 22 de dezembro de 1849.
As casas
comerciais estavam assim distribuídas: duas lojas e tabernas na rua das Flores (atual rua Guilherme Moreira), que
também continha a única taberna que figura no quadro; uma, na travessa da Ponte
dos Remédios (existiu nas proximidades do
Hotel Amazonas, hoje Condomínio Ajuricaba), duas, na rua Formosa ( ); quatro, na rua da Estrela; duas na praça
da Imperatriz (desaparecida, foi
construída nas proximidades da atual agência do Banco do Brasil e a Catedral de
Manaus); três, na rua Brasileira (atual
avenida Sete de Setembro), uma, na praça do Pelourinho (hoje praça Pedro II); quatro, na rua Manáos (hoje avenida Eduardo Ribeiro, no trecho até a avenida Sete de Setembro),
três, na Travessa Oriente (rua da
Instalação, em nossos dias), três na Praça da Imperatriz ( ), duas, na rua
do Sol (rua Visconde de Mauá, agora);
uma, na Travessa da Olaria (atual, rua
Joaquim Sarmento), uma, na Travessa das Gaivotas (desaparecida com a praça do Comercio, hoje Terminal de ônibus) e uma,
na rua do Espírito Santo”. Havia, então, 38 estabelecimentos de comércio.
A loja e
taberna de Henrique Antony que figura na lotação de 1851, com fundos de
1:900$000, figura na de 1852 com o nome de armazém e com os fundos de 300$000.
Sobre a
probidade comercial de Henrique Antony, nos fala Bento Aranha, seu
contemporâneo: “O palácio do governo foi no sobrado de propriedade do honrado comerciante Henrique Antony”.
Isto é de salientar porque Bento Aranha não se barateia em elogios e é o único
a quem trata com este adjetivo; define bem o nosso homem. (Vide Um olhar pelo passado, de Bento
Figueiredo Tenreiro Aranha).
Afeiçoando-se
a esta terra, Henrique, à própria família e aos amigos, dizia-se brasileiro e
para oficializar tal desejo, requereu naturalização, havendo jurado fidelidade
e obediência às leis brasileiras, em 3 de janeiro em 1854. Ele muito amou o
Brasil e, sobretudo, ao Amazonas, aos quais ofereceu em holocausto um dos seus diletos
filhos. Bastante contribuiu para o desenvolvimento econômico deste imenso vale
querido. Bem merece, portanto, a gratidão dos amazonenses que, em singelo, mas
expressivo preito de homenagem, já o
tornaram patrono de uma rua de nossa bela Manaus (duas ruas já tiveram seu nome, hoje são a rua Itamaracá e a rua
Bernardo Ramos).
Velho,
alquebrado por inúmeros desgostos dos quais se queixava a seu compadre Herndon,
já em 1846, quis estoicamente morrer na terra a quem fora tão afeiçoado e, de
fato, aqui faleceu em 27 de julho de 1872, repousando seus restos em uma tumba
da necrópole de S. José, e que talvez iconoclastamente já haja sido revolvida –
assim o exige o progresso – e lançada em um recanto ignoto de despojos.
Ele bem
poderia dizer parodiando o poeta:
E
desta glória só ficarei contente
Que
a esta terra amei e a esta gente...
L (Lázaro). BAUMANN
Nota:
A
história do velho Henrique Antony continua sendo mal empostada, principalmente
pela confusão que se faz entre seu nome e o do filho mais velho – Enrique Antony,
que se supõe haver nascido na Europa ou ao menos antes do casamento com Leocádia
Brandão, em Manaus. (Mário Ypiranga Monteiro, in Roteiro Histórico de Manaus, v. I. Manaus: Edua, 1998)
Grande Henrique Antony!
ResponderExcluirGratidão por todo o seu legado.
Glória à Deus em seu nome.
Que bom ter acesso a estes relatos históricos
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