Américo Antony, 1932 |
Duas facetas do poeta Américo Antony, reproduzidas do livro do saudoso Mário
Ypiranga Monteiro (Histórias facetas de Manaus: anedotas envolvendo figuras
amazonenses).
1. POIS SE ELE É ATÉ POETA...
Contava
o governador Dr. Álvaro Botelho Maia que um dos prefeitos do interior do
Estado, em audiência requerida com empenho, queixava-se de que o Dr. promotor
na sede, Dr. Américo Antony, assumia atitudes um pouco absurdas para os
habitantes misoneístas não avezados a certas familiaridades.
Álvaro Maia, 1950 |
-
Por exemplo? - pergunta o governador.
- É que ele vai pessoalmente
examinar as denúncias de defloramento, obrigando a moça a mostrar as vergonhas...
-
E não há médico legista na sua sede? Como poderá ele atestar defloramento se
não observar o tamatiá da vítima?
- Mas metendo o dedo no buraco, governador?
- Mas metendo o dedo no buraco, governador?
-
É que sem dúvida o promotor é míope...
-
Míope ele é, todo mundo sabe... mas sem-vergonha curioso? Isso não...
-
Sr. prefeito, posso garantir-lhe que o Dr. Américo Antony é gente séria e
honesta, o que ele faz é aplicar métodos mais práticos...
O
prefeito, admirado, dando marcha à ré:
-
Sério? - Honesto? - Mas se ele é até poeta, governador...
Álvaro Maia engoliu seco. Riu de banda, aquele seu jeitinho de aceitar as coisas erradas e concluiu:
-
Isso não é maldade, pois eu também sou poeta...
O prefeito, admirado, erguendo-se:
-
Não me diga! - O senhor... também?...
O poeta Américo Antony andava
sempre com um rolo de poemas sob o braço, a ver se sensibilizava alguém para
editar sua obra. Tornava-se até importuno quando chegava ao café com aquele
calhamaço já cinzento de tanto manuseio. E pior é que declamava em voz alta,
não raro perturbando o sossego, como fez uma noite de recepção na Academia de
Letras.
Resolvido
que publicaria um volume de seus versos antigos, deu ao escritor Péricles Morais
a honra de prefaciar a obra. Sendo
também poeta, pois publicara sonetos, Péricles Morais não teve dúvida em escrever brilhante prefácio, onde esclarecia a tendência simbolista do poeta.
também poeta, pois publicara sonetos, Péricles Morais não teve dúvida em escrever brilhante prefácio, onde esclarecia a tendência simbolista do poeta.
Por
mais brilhante que fosse Américo Antony, nem era perleúdo nem conhecedor de “escolas"
literárias. Sua biblioteca, que eu conhecia, resumia-se em meia dúzia de obras
de poetas estrangeiros e nacionais, Byron, Shakespeare, Wordswort, Bilac, Guerra
Junqueíro (conhecia de cor “Ó melro”), o Bocage erótico, que declamava com
ênfase. Nada de Manuel Bandeira, de Mário de
Andrade, de gente modernista, a quem desdenhava.
Lido
o prefácio, meteram-lhe na cabeça não aceitar a opinião do mestre Péricles, e
Américo Antony não teve dúvida em publicar na página dos Anúncios de O Jornal, um “A quem interessar possa", desagravando-se da pecha de simbolista.
Naquela
altura havia ele sido eleito membro da Academia Amazonense de Letras e a sua
tempestuosa reação incomodou a quantos, acadêmicos ou não, lhe conheciam a
obra. Péricles Morais não havia lido o insólito desmentido, e foi o presidente
Dr. Adriano Jorge (foto ao lado)quem da "Farmácia Barreira" o colocou a par da besteira,
textualmente:
-
Péricles, você já leu o que aquele idiota escreveu sobre o prefácio? - Homem, você perdendo tempo com um mentecapto, e ele a despejar um cagalhoto em cima da maravilhosa peça...
- Vou convocar a Academia e despejá-lo de lá com toda a sua maluqueira rimada...
O
dito foi feito e Américo Antony perdeu duas oportunidades: a de ter o livro
editado por causa do panegírico de Péricles Morais, e a de membro da Academia. Mais
tarde, passado aquele zunzunzum, eu propus a volta do poeta ao grêmio.
Está
registrado em ata.
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