Capa do livro |
Mais um visitante no Amazonas, no final da
década de 1930. Trata-se do amazonense Jayme R. Pereira, que confessa em seu
livro Amazonia (sic): impressões de viagem, estar fora de
Manaus há 20 anos, quando empreendeu essa viagem. O livro foi publicado em São Paulo, pela Civilização
Brasileira, em 1940, e as ilustrações foram realizadas por G. Lorensini.
A "voz
que chama"
DEPOIS de uma ausência de quase 20 anos, voltei ao Amazonas,
aproveitando para
isso uma licença prêmio que dez anos de serviço público ininterrupto me
permitiram.
Voltar ao Amazonas, onde nasci, mas cuja
terra, povo e costumes ainda não conhecia, fora sempre meu desejo. Uma atração
permanente me jungia a esse pedaço do Brasil, tão decantado por uns e tão
malsinado por outros.
Resguardado a leste pelas águas verdes do
Atlântico e a oeste pelo maciço dos Andes, o imenso bloco amazônico tem
exercido sobre o resto do mundo uma tentação irresistível, arrastando
para seu seio ubérrimo gentes de todas as castas e de todas as raças. Curiosos,
diletantes, cientistas, parias, cobiçosos,
malfeitores, artistas, filantropos, magnatas,
todos se sentem atraídos pela pujança de suas florestas, a beleza de sua flora,
a fertilidade de seu solo, a grandiosidade de sua rede potâmica. Principalmente
pelo mistério de suas lendas. (...)
De Belém a Manaus
ABANDONANDO o transatlântico em Belém,
penetrei o Rio-mar a bordo de um gaiola.
Pequenino mas confortável, o "Índio do Brasil" deixou a bela capital
paraense internando-se rio acima, em demanda do Amazonas. Às 21 horas em ponto, conforme
tinha
sido anunciado, afastou-se ele dos cais e, rumando para o leste, mergulhou nas
trevas da noite carregado de esperanças e de saudades.
Esperanças para os que subiam o rio pela primeira vez, fascinados e atraídos pelo verde de suas promessas e pelo luxo de sua fartura.
Saudades para os que um dia lá se prenderam e agora mais uma vez se afastavam do conforto dos grandes centros, dos prazeres das grandes cidades.
Esperanças para os que subiam o rio pela primeira vez, fascinados e atraídos pelo verde de suas promessas e pelo luxo de sua fartura.
Saudades para os que um dia lá se prenderam e agora mais uma vez se afastavam do conforto dos grandes centros, dos prazeres das grandes cidades.
Nesse dia da partida, a baía de Marajó estava
calma. Sulcando, garboso, a superfície lisa das aguas, o "Índio do
Brasil" como que riscava com sua quilha de aço o espelho prateado do rio, batido naquela
hora pela luz acariciadora de um luar de namorados.
Em
torno, ao longe, a moldura escura da floresta debruçada sobre as águas. Poucas horas depois, uma porção de ilhas e de bocas apertadas aparecia em nossa frente. Por qual destas seguir? Só o piloto sabia. E, logo apos, uma delas atravessamos, quase roçando os galhos das margens, apitando nas curvas estreitas por onde somente uma embarcação poderia passar. Estávamos nos estreitos de Breves. Oitenta milhas de extensão, alargadas de vez em quando por sete grandes baías.
torno, ao longe, a moldura escura da floresta debruçada sobre as águas. Poucas horas depois, uma porção de ilhas e de bocas apertadas aparecia em nossa frente. Por qual destas seguir? Só o piloto sabia. E, logo apos, uma delas atravessamos, quase roçando os galhos das margens, apitando nas curvas estreitas por onde somente uma embarcação poderia passar. Estávamos nos estreitos de Breves. Oitenta milhas de extensão, alargadas de vez em quando por sete grandes baías.
* * *
O gaiola
A viagem do "Índio do Brasil"
decorreu como todas as viagens dos gaiolas que ha muitos anos servem ao
transporte e às comunicações no Rio-mar e seus afluentes.
O gaiola tem sido um dos fatores preponderantes na vida da Amazônia. Há gaiolas de diversos tamanhos e capacidades, desde os
pequeninos do porte de uma lancha, até os chamados "vaticanos" da
Amazon River. Todos, porém, se parecem. Abertos, amplamente arejados, trançados
de redes, os gaiolas são
bem o tipo da embarcação mais conveniente à navegação do Amazonas e seus rios
tributários.
Na subida dos rios, vão as embarcações bem
rente às margens, aproveitando o remanso
das bordas. Na descida, quase que se deixam levar tão somente pela correnteza das
aguas, conservando-se no meio dos rios.
Grande parte da viagem se faz, entretanto, através dos paranás que são
trechos do rio compreendidos entre uma de suas margens e as ilhas que por ali
são abundantes e compridíssimas. O caboclo prefere viver justamente nos
paranás, onde há menos correnteza e as canoas podem assim correr mais facilmente.
No tempo das cheias, quando as águas invadem
as terras baixas das ilhas e do continente, muitos lagos ficam ligados aos rios
e os
gaiolas passam livremente destes para aqueles e vice-versa. Foi o que aconteceu uma vez em
minha viagem. Seguindo um paraná estreito, vi-me
de repente em uma baía. Era o lago Acarauarí.
Quem passa pelo Amazonas no tempo da cheia,
desconhece completamente a maioria
dos pequeninos portos em que passou, se por aí volta no tempo da seca. Na
baixa, as casas
ficam à distancia, tão para dentro que o local apresenta aos viajantes uma topografia inteiramente
diversa. Muitas vezes as águas alcançam as próprias casas, razão porque estas são
construídas sobre estacas. Ora mais perto,
ora mais afastadas, conforme o nível das águas,
nos dá a impressão de que são elas mesmas
que se movimentam sobre as pernas de pau em que se apoiam.
Não são apenas as casas de residência que se
constroem sobre estacas. Ao lado das casas,
veem-se também pequenos currais igualmente construídos sobre estacas de madeira
e onde
se recolhem as poucas cabeças de gado durante os dias de enchente.
Brasileiros, sírios, portugueses, bolivianos,
peruanos, judeus e cristãos, brancos e caboclos, pretos e mestiços, de tudo
havia a bordo do "Índio do Brasil". Uns fazendo a viagem toda, outros
descendo logo adiante do ponto
em que embarcavam. Caras de todos os feitios.
Dois sentenciados por crime de morte. Velhos, adultos e crianças. Primeira e terceira classe. Não havia segunda. À mesa, disse-me certa vez o comandante Fábio, com muita graça:
- Aqui nesta sala há passageiros de primeira
classe e passageiros que viajam em primeira classe. São duas classes distintas...
Dois sentenciados por crime de morte. Velhos, adultos e crianças. Primeira e terceira classe. Não havia segunda. À mesa, disse-me certa vez o comandante Fábio, com muita graça:
Com minha senhora, seguia viagem para Manaus
aonde chegamos depois de 11 dias,
atracando finalmente na bela capital amazonense, um dos mais interessantes
portos que tenho visto em toda minha peregrinação pelo novo e velho mundos. (segue)
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