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Com objetivo de montar um
Guia para os visitantes de Manaus, Luiz Miranda Corrêa (hoje da Academia Amazonense de Letras) publicou, em 1969, Manaus: roteiro histórico e sentimental da
cidade do Rio Negro. Conta com o prefácio do finado ex-governador Arthur
Cesar Ferreira Reis, que o estimulou a concluir este trabalho.
Deste roteiro copiei e colei o texto abaixo, repetindo
que a publicação data de 1969, escrito para comemorar o tricentenário da capital
do Amazonas.
A BORRACHA
A Borracha foi revelada à Europa logo após a
descoberta da América. Em sua segunda viagem, Colombo viu os índios de o Haiti
utilizar vários artigos de borracha.
Os cronistas espanhóis e portugueses referem-se, também, ao produto nativo do novo continente, e Alexandre Rodrigues Ferreira conta como as diversas tribos amazônicas aprenderam com os Cambebas a "fabricarem a célebre goma ou resina elástica chamada vulgarmente de leite de seringa, porque daquela goma se fazem botas, sapatos, chapéus, vestidos e etc., tudo impenetrável a água".
Os cronistas espanhóis e portugueses referem-se, também, ao produto nativo do novo continente, e Alexandre Rodrigues Ferreira conta como as diversas tribos amazônicas aprenderam com os Cambebas a "fabricarem a célebre goma ou resina elástica chamada vulgarmente de leite de seringa, porque daquela goma se fazem botas, sapatos, chapéus, vestidos e etc., tudo impenetrável a água".
La Condamine se ocupou
longamente da borracha e outro francês, François Fresnau, em comunicação à Academia de Ciências de
Paris, escreveu que "pode-se aplicar sobre qualquer superfície desejada
desde que, nem o sol nem a água podem alterar", sugerindo sua utilização
na manufatura de guarda-chuvas, protetores de munição, capas, botas e armas de
guerra.
Antes da invenção da roda
pneumática por Dunlop, a borracha servia, principalmente, para impermeabilizar
peças de vestuário, e já no Consulado Pombalino o rei e o ministro de Portugal
tinham recebido roupas impermeabilizadas fabricadas em Belém do Pará. Após a
invenção da bicicleta e do automóvel a hévea brasiliense ascenderia ao lugar de
elemento imprescindível à civilização moderna.
As indústrias, que
sucessivamente foram sendo criadas, na Europa e
nos Estados Unidos, começaram a necessitar cada vez mais da goma elástica, e,
como não podia deixar de ser, Belém e Manaus passaram a ser beneficiadas por um
surto vertiginoso de progresso. Suficiente para transformar toda uma sociedade.
Modificava-se a aparência dos burgos amazônicos, rapidamente transformados em
centros atualizados e confortáveis, igualando-se em facilidades às mais
modernas capitais europeias.
Em excelente monografia
editada pelas coleções do Governo do Estado do Amazonas, o professor Bradford
Burns, da Universidade de Miami, escreve que "em 1910, Manaus reinava como
a capital mundial da borracha. Mais de vinte anos de produção crescente,
exportação contínua e de preços em elevação, haviam criado a prosperidade da
qual a cidade era a evidência mais ampla". E diz mais adiante:
"Manaus alardeava com orgulho todas as civilidades de qualquer cidade
europeia de seu tamanho ou mesmo maior. Um excelente
sistema portuário, um sistema de coleta e disposição de lixo eficiente,
eletricidade, serviço telefônico, belos edifícios públicos, residências
confortáveis, atestavam o serviço de modernização da cidade."
Uma
verdadeira revolução sacudia a vida manauense. Não eram apenas os trabalhos de
urbanismo e a construção de monumentais prédios públicos que atestavam o
progresso
repentino da capital. Esse enriquecimento também se evidenciava nos serviços
públicos instalados pelos capitais e técnicas inglesas, desde os sistemas de
águas, esgotos, luz elétrica até às instalações portuárias que os irmãos Booth
tomaram a seu encargo.
Os
novos estabelecimentos bancários, as lojas
europeias como o Louvre, Bon
Marché, A La Ville de Paris, as casas aviadoras
financiando os seringalistas do interior e, por último, as belas residências,
vilas ou palacetes,
faziam
as delícias do pacato e provinciano manauense, que começava a desejar mais e
mais produtos importados: conservas exóticas, joias
bizarras, roupas de alto preço, móveis
de estilo e bebidas finas.
de estilo e bebidas finas.
A cidade crescia rapidamente.
Eduardo Ribeiro e os governadores que lhe sucederam, principalmente Ramalho
Junior e Silvério Nery, davam-se ao luxo de projetar ruas e avenidas para uma
cidade muitas vezes maior, iniciativa
lógica de administradores de visão. Os europeus, e brasileiros de todos os quadrantes, principalmente do Maranhão, Pará e Ceará, chegados diariamente, contavam-se às centenas ou milhares, em busca de fortuna nos seringais ou no comércio da capital. Além de brasileiros e europeus, desembarcavam imigrantes, vindos da Síria e do Líbano, do Peru, da Colômbia, da Bolívia, das Guianas e das ilhas do Caribe.
lógica de administradores de visão. Os europeus, e brasileiros de todos os quadrantes, principalmente do Maranhão, Pará e Ceará, chegados diariamente, contavam-se às centenas ou milhares, em busca de fortuna nos seringais ou no comércio da capital. Além de brasileiros e europeus, desembarcavam imigrantes, vindos da Síria e do Líbano, do Peru, da Colômbia, da Bolívia, das Guianas e das ilhas do Caribe.
Houve tempo em que nas casas ricas o pessoal doméstico provinha quase que inteiramente da ilha britânica de Barbados. Era um espetáculo digno de nota ver-se as cozinheiras negras - as
famosas barbadianas - com seus
vestidos à inglesa e usando chapéu a qualquer hora do dia, irem ao Mercado
Municipal, arengar o preço da carne ou
do peixe em um dialeto especial, misturando o português mal falado com
expressões inglesas. Uma delas chegou a ser eleita
"Miss Cozinheira", famosa pelos pastéis e empadas oferecidos por
molecotes nas casas grandes dos novos ricos.
Uma sociedade inteira
passava de um estágio primitivo para os requintes da
civilização europeia, sem etapas intermediárias. Do tamanco de madeira,
muitas vezes, à ascensão
violenta, levava o seringalista ou o
comerciante às elegâncias do solar português ou do palacete
francês, onde os tapetes europeus, os pianos alemães, as jarras de Sévres, o cristal St. Louis ou Bacarai, as
louças de Limóges, Wedgwood, ou Vista Alegre, passavam a substituir a
casa de chão batido e os
pratos de pó de pedra ou de esmalte, importados dos Estados Unidos.
As famílias mais antigas do Amazonas, o pequeno número de privilegiados do Império, diplomados
em Coimbra, bacharéis de anel de brasão no dedo, ostentando comendas ou mesmo títulos nobiliárquicos, acostumados aos formalismos da Corte austera de Pedro lI, sentiam-se chocados com aquela onda avassaladora de modernidade que, em menos
de
dez anos, tinha destruído um Amazonas tranquilo, acostumado ao seu domínio social e político por várias décadas.
Eram, no entanto, impotentes para conter as transformações. Ou se adaptavam às novas condições de vida da região ou seriam, como vários o foram, tragados pelo redemoinho dos interesses da borracha.
Eram, no entanto, impotentes para conter as transformações. Ou se adaptavam às novas condições de vida da região ou seriam, como vários o foram, tragados pelo redemoinho dos interesses da borracha.
Um novo mundo nascia e impunha seus padrões com violência. A pacata cidadezinha acostumada aos longos serões à porta das casas, em que a leitura e o jogo do gamão ou do xadrez constituíam o divertimento maior das camadas mais altas da população, via bares, restaurantes, hotéis e cabarés se multiplicarem, atraindo uma romaria de homens ávidos de aprender a se embriagar com os melhores cognacs e licores, a conhecer as boas safras do vinho de França, de Espanha ou de Portugal, a exigirem as etiquetas das champagnes mais refinadas.
A orgia do dinheiro fácil tornou-a barulhenta, e da Europa e do Sul do Brasil as aventureiras começaram a chegar em número assustador, conseguindo apavorar as boas mães de família, tementes pela
saúde dos filhos e mesmo dos
maridos. Saúde física e saúde financeira. Ah, as francesas dos cabarés e
pensões de Manaus! E mais do que as francesas, as polacas, na cidade do Rio Negro!
Louras, elegantes, vestidas em Paris, usando joias e perfumes raros, falando
francês com um acento forte e sensual. Buliram tanto com os homens,
solteiros
e casados, ao ponto de virarem
sinônimo de rapariga, que no Amazonas significa mulher de vida
fácil.
E Manaus passou a dormir
mais tarde, cada vez mais tarde, cantando junto com
Paris as árias da última opereta, da canção mais em voga, porque Paris para o
manauense virou o ponto de encontro, o centro de férias, o local onde
educar seus filhos ou apenas a cidade onde se devia esbanjar as esterlinas inglesas
ganhas às custas do suor dos seringueiros, esquecidos e explorados,
apodrecendo nos seringais
perdidos na floresta.
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