Renato
Mendonça (*)
Francisca Lima, final dos anos 1930 |
Remexi
no baú de recordações todos os documentos que dispunha e que ainda disputavam a
minha curiosidade; busquei nesse relicário também todas as fotos antigas, que
fazem parte do acervo que ajuda a restaurar a memória.
Foi
como uma viagem ao passado, um curta em preto-e-branco; de olhos fechados, revi
a trajetória de uma migração para o Amazonas, para a extração de borracha no primeiro período — compreendendo
as duas décadas finais do século XIX e a primeira década do século seguinte —, quando
aconteceu um êxodo de nordestinos, notadamente do Ceará, que sofria as
consequências das secas do final do século.
Residência da família no Anveres, Francisca (no colo da mãe), 1917 |
Nesta leva, a
família Pereira Lima, provavelmente, estava incluída. Como pobres retirantes
não chegaram até Manaus, talvez temendo o fantasma da modernidade e da pujança
adquirida com a valorização do bem extrativista. Ou porque não era exatamente na capital que
ficavam os seringais. Dá para intuir que uma família sem recursos, sem uma
formação cultural necessária para enfrentar uma metrópole, prefere um lugar
simplesmente rural. E aí, se instalaram no Anveres, um distrito do Careiro.
Neste humilde
lugarejo nasceu Francisca, a caçula de uma enorme prole. Com as dificuldades
finaceiras advindas do fim do período fértil da borracha, ela tomou coragem e
resolveu buscar alternativas de ajuda aos pais, atravessando o Rio Negro. Foi
em busca de documentos e de trabalho. Adquiriu Titulo de Eleitor aos 20, Carteira
Sanitária e Carteira Profissional aos 22, para finalmente começar um trabalho
remunerado.
No seu único
emprego, na Fábrica Rosas Ltda., ficou por quase três anos. Aproveitou para fazer outros cursos de
prendas domésticas, como Corte e Costura por exemplo, preparando-se para a vida
conjugal, como era praxe nestes anos dourados da década de 40.
Neste ambiente da padaria
(hoje panificadora) conheceu Seu
Mendoza, um peruano que também fugiu de sua terra natal, aos 15 anos,
acompanhado do irmão mais novo (Francisco) e sob a tutela da mãe, Dona
Victoria, peruana emancipada, destemida e arrojada. Assim, dentro das mesmas castas
sociais e no mesmo ambiente de trabalho, o desenlace tinha que acontecer.
O casal perambulou
por vários cantos e em vários endereços. Como nômades viajaram até Iquitos-Perú,
onde ocorreu o casamento. Depois do nascimento dos dois primeiros filhos, navegaram
para o Rio de Janeiro em busca do pote
de ouro no final do arco íris. A construção do Maracanã faz parte do currículo
do Seu Mendoza, onde trabalhou junto
com o irmão.
Desavenças e
dificuldades de relacionamento entre familiares acabaram por virar pó essa
jornada carioca. Dona Francisca já não tinha mais a saúde em dia. O mal do
meado do século, a tuberculose, era um temor e uma ameaça. A família tentou,
numa guinada de 180 graus, a cura para tão desastrosa doença, talvez apostando
no clima tropical.
Não deu, em Manaus, Dona Francisca teve uma piora e o desfecho era inevitável. Às 20 horas
do dia 18 de julho de 1952, sexta-feira, Dona Francisca Pereira Lima encerrou
sua obstinada luta pela vida. Uma caquexia foi diagnosticada, talvez resultado
da pneumonia aguda que contraiu. Deixou um legado e uma história, curta, exata
e de superação. Os três filhos não puderam, nos últimos meses, receber o seu
carinho e seu afeto, em face da doença contagiosa. Mas, com certeza, estão
plasmados pelas bençãos que ela envia do seu lugar de luz e de paz.
(*) Renato, meu irmão caçula, escreve com o imenso afeto que se encerra em seu peito sempre juvenil, imensamente filial, mas sofrido, porque devido a saúde de nossa mãe, ele pouco desfrutou do convívio dela.
MUITO BOM, COM SAUDADE
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