CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, maio 13, 2013

HISTÓRIA FACETA (2)


Outra reprodução de Histórias Facetas de Manaus: anedotas envolvendo figuras amazonenses, livro de Mário Ypiranga Monteiro, lançado mês passado pelo Governo do Estado/Secretaria de Estado da Cultura. 

O PROFESSOR CARLOS MESOUITA: MIOLO DE BOI-BUMBÁ
Revista Victoria-regia,
abril 1932
No dia da homenagem ao hanseniano, na Colônia do Aleixo, foi realizada uma boa festa, com a participação da Legião de Escoteiros, da qual fazia eu parte na categoria de Lobinho, e mais dois bumbás tidos e havidos como ferrenhos adversários: "Mina de Ouro" e "Vencedor”, ido (sic) pelo Sepetiba e este pelo Maranhão. Havia também discursos, declamações e distribuição da separata do belo poema de Álvaro Maia - Elegia de Lázaro. O governador, sua esposa e filhos estavam presentes. No final, quando terminasse a parte artística, haveria um baile dedicado aos internos.
Os bumbás fariam as apresentações antes do baile, diante de sua excelência. Estava também programado o jantar campal sob as árvores, onde cada um pudesse servir-se sem acanhamento. Foi durante o jantar que começou a querela surda entre os dois dirigentes dos "bois”, uma disputa meio idiota por causa do melhor lugar conseguido mais perto da casa de madeira em cuja frente estavam as cadeiras do governador e das pessoas gradas. Esse lugar fora ocupado pelo pessoal do "Vencedor" nenhuma preocupação de prejudicar terceiros. Porém já se tornara mania, desde o princípio do século 20, a atitude hostil do "Mina de Ouro" para qualquer outro divertimento que ousasse passar-lhe à frente. 
 

Começou por um zunzunzum partido lá de trás e com umas visitinhas desdenhosas ao "pasto" do "Diamante Negro”. Disse-me o preto (sic) Maranhão que se fosse a outro lugar aceitaria os desafios malandros, porque o "contrário" só vivia apanhando e não criava vergonha. A ameaça de barulho foi contida por inspiração do comandante Osório (chefe dos escoteiros), que mandou ficássemos estendidos em linha estratégica entre os dois adversários. E cantássemos o belo hino dos Escoteiros, que começa assim:
"Sereis para vencer
Melhores cada dia
E com doce alegria
Cumpri vosso dever" etc.
Parece que a letra do hino sensibilizou a matéria ruim de que era feita aquela matéria provocadora e as ameaças de barulho cessaram. Pelo menos na aparência. Tudo correu muito bem até que se chamasse o pérfido "Mina de Ouro" para o aceiro, o que foi atendido com presteza, naturalmente, por tratar-se de um privilégio, pois o "Mina de Ouro" era realmente um "boi" digno de aplausos, mas não era o decano, naquela altura, pois o mais velho, e único, de que se tinha conhecimento em Manaus, era o "Rei do Campo”, seguido do "Diamante Negro”. Mas vá lá que fosse... O pessoal deste ficou ressentido, mas a desculpa que se deu era de que desejavam colocar a menor distância entre os dois rivais, pois assim que terminasse a exibição, o "Mina de Ouro" deveria retirar-se.
Infelizmente não aconteceu o que se estava tentando, conciliar os ânimos. Logo de saída o amo do "boi" do Sepetiba mandou um cruzado de desafio, que poderia ficar sem resposta, mas não ficou. Os dois bandos engalfinharam-se ali mesmo na frente do governador e de seus familiares e secretariado. Uma confusão de atordoar, de que só se ouvia a voz gritante do moleque Beicinho, o amo do "Diamante Negro”, e grande "tirador de versos” contra o adversário. Naturalmente a turma do deixa-disso acudiu logo, mas eu ainda consegui uns versos alusivos à posição no conflito do professor Carlos Mesquita, que punia pelo "Mina de Ouro":
"Esse tal de jornalista
que esculhamba nossa obra
para galo falta a crista
e pra burro tem de sobra".

O mais extraordinário de tudo é que o "Mina de Ouro" apresentava quatro pernas invés do comum duas, do "miolo”: Quando a sarrafascada terminou, saiu de baixo do "boi" o professor Carlos da Silva Mesquita. E não estava sóbrio... É que tivera a audácia, ou a insensatez, de pôr o bumbá "Mina de Ouro" nas alturas, em detrimento da performance do rival.
Enquanto a indiada disputava a primazia do campo, o "boi" dançava ajudado pelo professor Carlos Mesquita que não havia encontrado um meio de sair da embrulhada, senão aquele.
Parte desta crônica me foi relembrada pelo meu amigo Raimundo Vale, à época brincante índio do bumbá "Mina de Ouro". 

Notas:
1)    Carlos Mesquita, professor, foi diretor do Ginásio Amazonense Pedro II, também conhecido por Colégio Estadual do Amazonas.
2)    O impresso Elegia de Lázaro – “belo poema de Álvaro Maia”, era vendido, com renda destinada à assistência aos lázaros, hoje hansenianos.

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