CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, maio 09, 2013

FESTA NA IGREJA

A paróquia do Sagrado Coração de Jesus, situada na rua Ferreira Pena, completa hoje 33 anos de funcionamento. Também hoje, seu pároco, padre Luiz Gonzaga de Souza, completa 43 anos de sacerdócio.
Coração de Jesus
Escrevo enquanto a chuva desce com vontade sobre a cidade, por isso, aproveito esta postagem para abraçar o pade Souza, do qual fui colega no Seminário São José. Claro que faz algum tempo, mas  deixemos de lado esse detalhe. Quero reconhecer sua dedicação à Igreja de Manaus, empenho concretizado nas paróquias pelas quais foi condutor.
Para saudar tão respeitável festa, reproduzo uma publicação do poeta Max Charphentier sobre o Papa Francisco (*).   

O TRÍPLICE FRANCISCO
Habemus Francisco! Quase primavera, na noite recém-nascida vaticana, o pastor olhou fundamente o rebanho das luzes, esperanças acesas numa praça. Quem viu, não pode esquecer: aquele olhar tinha toda a ternura da paternidade concentrada no amor. Pai anunciado como Francisco, logo percebi que o pastoral carinho daqueles olhos tinha uma explicação: nele estavam bênçãos de olhos que nunca se fecharam para nós, os de Francisco de Assis, de Francisco Xavier, de Francisco de Sales. Sim: Bergoglio, sendo Francisco, certamente assume e absorve, por evocação imediata e consanguinidade missionária, a presença e a renascença desses superiores da Fé, e portanto não é só Francisco, é Tríplice Francisco.
 
Papa Francisco
Três santos dos mais incensados tanto pelos altares como pela História, não há dúvida de que são exemplos, inspiração e chamado para Bergoglio. Eles foram papas sem cátedra na Terra, mas' com assento desde sempre no Céu. São Pedro não hesitaria em coloca-los entre os seus sucessores. Agora, por unção do nome e por necessidade, juntam-se num só, e deve-se perguntar em que medida, com que carisma cada um contribuirá como esteio e asa do Pontífice jesuíta.
Evoquemos primeiro Francisco de Assis, "esposo da obediência e da pobreza", um revolucionário da doçura, que pregava tanto a homens quanto a passarinhos para ter toda a criação reunida no louvor a Deus. Esse andarilho trovador da Fé invadiu com poesia evangelizadora as portas entreabertas do Renascimento, e seu Cântico das Criaturas é a página ecológica que faltava às Escrituras.
 
Nos "Fioretti", súmula dos ideais franciscanos, a beleza da verdade e a perfeita alegria da paciência são bênçãos de Francisco sobre nós. Príncipe de Jesus em túnica surrada, fez mais pelo bem do mundo do que luxuosas convenções de reinados. Abandonador de guerras e de faustos, ele ouviu do Crucificado o apelo para "restaurar a sua Igreja em ruínas", e atuou de imediato sob a interpretação literal da queixa, reconstruindo igrejas.
Depois, verificando que a ruína era mais doença dos costumes que das pedras, partiu para a atitude curativa e a pregação regeneradora, dentro e fora da Itália. Os estigmas que recebeu no monte Alverne, chagas no corpo abertas como rosas, testemunham sua penitencial configuração a Cristo. E que catedral pode ter torres mais altas do que os campanários invisíveis da sua Porciúncula? Na mediação entre as penúrias sociais e as inconsistências religiosas, Bergoglio há de ter, desse Francisco, a conduta, estrategicamente depuradora do século, de colocar-se exatamente no coração do povo, para iluminação nova dos destinos.
Verifica-se em seguida a contribuição de Francisco Xavier na composição dessa tríade em um só homem. Ele oferta logo o vaticínio dos fundadores, dado que foi um dos sete de Montmartre, que conceberam, sob a liderança de Inácio de Loyola, a inesgotável Companhia de Jesus.
Fundava-se aí a escola simultaneamente alcandorada e prática de Bergoglio. Começa a cruzada das Índias orientais, com Xavier arrastando mares na evangelização transcontinental tão heroica que até hoje consola os apóstolos das brenhas. Embora tenha ajudado na redação das Constituições da Companhia, Xavier foi mais homem de ação que de meditação, tanto que, em uma de suas cartas a Inácio, declarou sua vontade de ir às academias da Europa "sacudir aqueles que têm mais ciência do que caridade".
 
A caridade aí é principalmente a da palavra evangelizadora, que imediatamente afasta o negativismo antropológico que muitos sustentam diante da condição humana. O epistolário entre Francisco e Inácio constitui um compêndio que retrata as mais preciosas convicções destes santos. Ao lado das Constituições e dos Exercícios Espirituais, nessas cartas Bergoglio há de ter encontrado e encontrará de ambos a companhia na Companhia.
Eles seguirão junto a ele desbravando, levantando e construindo, sob a égide do clássico, uno e tríplice preceito inaciano: obediência de execução, obediência de vontade, obediência de entendimento.
Agora chegamos a um ponto de convergência doutrinária e devocional na figura eclética de Francisco de Sales. Bispo, escritor, fundador de congregação (Ordem da Visitação), pregador, diretor de almas, de fé imensa e coração maior. O púlpito flamejante, de onde ele sacudia luzes pontiagudas contra os calvinistas, foi o seu primeiro altar. Marcou de uma vez por todas a história espiritual da França e da Igreja, principalmente ao convocar-nos à devoção também fora dos claustros, à santificação da existência cotidiana.
Ele esclareceu sua predestinação diante da Virgem Negra, e logo dividiu seu coração entre o mais alto amor ao próximo e o mais belo amor a Deus. Com matéria de exegese mística e prática evangélica forjadas em sua têmpera de santo, criou duas chaves que descerram juntas salvíficos segredos: O Tratado do Amor de Deus e Introdução à Vida Devota. São monumentos de doutrina e de ascese que, reunidos aos seus milhares de sermões e cartas de direção espiritual, estão entre as páginas imperecíveis da literatura cristã de todos os tempos.
Francisco de Sales ensinava que a "caridade concreta" é o "êxtase da vida e das obras". Maravilha de síntese. Isto só pode ser palavra oculta do Sermão da Montanha, guardada para ser ouvida bem depois. Bastaria essa formulação, do mesmo nível de paulina, para identificá-lo como coadjutor das bem-aventuranças, como intelectual assistido pelo Espírito Santo. Bem-aventurados aqueles de caridade concreta.
Bergoglio bebeu dessa água que não passa, mas se multiplica e guardou-a em cântaro aberto para todos.O Papa Francisco movimentará dessas três vidas o louvor que busca, a certeza que age, o amor que liberta, assumindo-as no seu orar, no seu dizer, no seu fazer, fortalecendo a súplica, reevangelizando o mundo, redescobrindo o Cristo a todo instante. E isso sob a irradiação da Virgem, de intercessora graça tríplice também: Mãe de Jesus, Mãe da Igreja e nossa Mãe.
Serás feliz, Bergoglio, atirando as tuas redes com as mesmas mãos de Pedro e dos Franciscos. Agora digo, Tríplice Francisco de São Pedro, que o maior tesouro, a maior alma a ser recolhida das ondas conjunturais será - a própria Igreja. E o som da legenda miserando atque eligendo te parecerá sempre ecoando com as sílabas do "Segue-me!".
Tudo para a maior glória de Deus.
Dado em Manaus, quando março de 2013, primeiros dias do pontificado de Francisco.

(*) Reproduzido do Boletim da Academia Amazonense de Letras, abril 2013.

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