Reproduzida
do livro Histórias Facetas de Manaus:
anedotas envolvendo figuras amazonenses, de Mário Ypiranga Monteiro, 2013
A
Chicana do Poeta
O poeta cearense Quintino Cunha (1875-1943) quando veio de embrulhada na
corrente migratória do fim do 19º século, a fim de "cooperar na colonização
da selvagem Amazônia”, só trazia de seu talento e a roupa enxovalhada. Seu
estado de miserabilidade comoveu ao parente, comandante Luís Gonzaga Frota, que
lhe deu a morar sua baia na rua [Princesa] Isabel, e apresentou-o a diversas
pessoas de influência comercial na cidade.
Naquela altura o comandante Frota dava as cartas, até que a
muita liberdade dos filhos (da primeira enxurrada) o atirassem na desgraça. Por
uma besteira. Por causa de pombos o comandante da Amazon River viu-se de repente
assassino do comerciante português da esquina das ruas Isabel - José Paranaguá.
Levado às barras do tribunal duas vezes, foi absolvido, mas perdeu o lugar
porque a poderosa firma J. G. Araújo impôs condições à companhia.
Acabou funcionário medíocre do Mercado Público quem fora
rico proprietário de cavalos que bebiam champanha nas cavalgadas domingueiras e
tinham ricas acomodações de cantaria de pedra. Nessa baia foi ele residir com a
família da segunda esposa, quando veio a decadência. Hoje, aquilo pertence aos
herdeiros do Dr. Felismino Soares.
Quintino Cunha não foi sujar as mãos no corte de seringueiras.
Ficou em Manaus, rondando os tribunais, pois arranjara uma carta de
solicitador. Mas de vez em quando viajava no navio comandando pelo parente
Frota, e nessas viagens esporádicas coletou material para o livro - Pelo
Solimões, hoje raro, publicado em Paris [FRA] com o dinheiro adquirido na
chicana. (Este livro foi reeditado pela
Editora Valer).
No princípio do século 20 deu-se um naufrágio no rio Juruá, em
que se perderam a lancha "Luci" e o batelão "Lucimar”, este carregado de borracha, segundo a
palavra do comandante, no processo aberto pelo proprietário da embarcação e do
produto, coronel L. G., a fim de fazer jus ao prêmio de seguros.
O comandante Frota solicitou ao coronel entregasse a questão
ao rábula. Quintino Cunha viajou para o rio Juruá, a fim de incorporar-se ao
ambiente, mas no seu foro íntimo com propósito diferente: armar o esquema de
fraude jurídica, pois na verdade o batelão nada trazia no porão, embora
houvesse realmente submergido. Essa manobra não constituía novidade: tempos
depois se verificou o caso conhecido como das "alvarengas”, em que foi
personagem principal um português gordo, fiel da Manáos Harbour. Mas este cometeu
o erro de naufragar as alvarengas perto do porto, e os
mergulhadores constataram a fraude.
Quintino Cunha trouxe do Juruá duas
pelas com as marcas L. G., que um ribeirinho havia pescado à deriva e que serviram
de provas. Naturalmente houve controvérsias e até exigências de depoimentos
técnicos, do tipo de só haverem boiado duas tristes
pelas etc.
O chicanista poeta respondeu aos
quesitos formulados pelo advogado da companhia de seguros, que era o Dr. Celso
Valverde e ganhou a questão, que lhe renderia cento e vinte contos de réis, só
pelo prejuízo da borracha perdida (que não havia) e mais duzentos contos de
réis ao proprietário das embarcações. De posse dessa panela de ouro o poeta
escafedeu para sua terra, foi estudar Direito e casou-se.
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