CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, abril 02, 2012

Aziz Ab’Sáber (1924-2012) 4ª parte



Prossigo na postagem do material do geógrafo Ab’Sáber, sobre o crescimento  da cidade de Manaus. Recordo que o Correio do Norte era o quinzenário mantido pelo casal Anísio e Lindalva Mello, em São Paulo.

O crescimento da cidade de São José da Barra

Correio do Norte
São Paulo, 1ª quinzena setembro 1959.


Mário Ypiranga
A estatística mais antiga que possuímos do lugarejo remonta a 1774: o Lugar da Barra possuía a esse tempo 220 habitantes, contando-se os soldados da guarnição e os índios. Uma estatística de 1788 acusa 256 habitantes, distribuídos da seguinte forma: 34 brancos, 220 índios e dois escravos negros. Como observa Mário Ypiranga Monteiro, cujas informações nos estão guiando muito de perto, a lei de 6 de junho de 1755 sustou a escravidão do índio, e, ao mesmo tempo, abriu as portas aos primeiros escravos negros, através de uma corrente extremamente reduzida.

Os dados estatísticos de Alexandre Rodrigues Ferreira, em relão ao ano de 1786, mostram o crescimento lentíssimo da população local: havia por esse tempo apenas 301 habitantes (47 brancos, 243 índios e 11 negros), repartidos por 40 habitações. Irriria, portanto, a população do aldeamento, um século após sua fundação.

Barbosa Rodrigues
Produzia-se de tudo um pouco na região, visando-se o auto-abastecimento: milho, café, algodão, tabaco, arroz e castanha. Fabricava-se farinha, em relativa abundância; teciam-se redes, as "moqueiras" tradicionais; praticava-se uma criação rudimentar e ínfima (20 cabas de gado, em 1786). A tartaruga já interessava ao homem da região, quer como alimento, quer como fonte de produção de manteiga; cita-se mesmo que os primeiros e poucos escravos negros especializaram-se no fabrico da manteiga de tartaruga.

Em 1783, o Forte de São José da Barra já era uma sombra inútil dos tempos iniciais da dominação portuguesa na Amania. Desaparecida aquela tensão militar dos primeiros dias e assegurado o domínio português por quase toda a Amazônia, as modestas bases intermedrias perderam sua função. Daí o fato do Forte da Barra ter sido desarmado, por volta de 1783, e dele nada ter restado na paisagem urbana.

A ação administrativa de Lobo D’Almada em relação a São José da Barra marcou um verdadeiro peodo de evolução para o lugarejo. Em poucos anos fez-se mais do que em todo o primeiro século de vida do povoado. Construiu-se o Palácio dos Governadores, multiplicaram-se as iniciativas úteis e práticas para melhor abastecer a rego em produtos de uso corrente. Instalaram-se uma pequena fábrica de tecidos de algodão, uma cordoaria, uma olaria, uma padaria, uma fábrica de velas e outra de redes. Fez-se um pequeno estaleiro para construção de canoas e barcos; estabeleceu-se um depósito de pólvora. Ampliou-se a guarnição local para 300 homens. Enfim, Lobo D’Almada foi para Manaus, guardadas as devidas proporções, uma espécie daquilo que o Príncipe Regente seria anos mais tarde, para o cidade do Rio de Janeiro.

Em 1804, a vila da Barra do Rio Negra era feita capital da Capitania do Rio Negro, depois Província do Amazonas, que se separou do Pará em 1852. Foi, portanto, apenas no alvorecer do século XIX que o Lugar da Barra transformou-se em capital adquirindo pela primeira vez funções administrativas mais ponderáveis. Esse aspecto tardio da aquisição das funções de capital tem muito a ver com a história do crescimento da cidade.
Uma estastica de 1839 acusa 4.188 almas para a população da pequenina capital, além da presença de 379 escravos. Outrora, para um reduzido número de indivíduos livres, havia uma pequena massa de escravos; aos poucos, a invero feliz se operou. Por essa época, entretanto, o Palácio dos Governadores era o mesmo edifício tosco, coberto de palha, mandado construir 50 anos antes por Lobo D’Almada. O número de moradias da cidade não atingia a meio milheiro.
Vila da Barra de São José do Rio Negro (1848)
Quando o casal Agassiz visitou a cidadezinha, em 1865, possuía ela todos os defeitos urbanos e sociais de um povoado amazônico,
min
úsculo e segregado, nascido e crescido de um aldeamento de índios e à sombra de uma stica fortaleza de soldados-colonos. D
a observação irônica de Elizabeth Agassiz: (1) "Que poderei dizer de
M
anaus? E' uma pequena reunião de casas, a metade das quais prestes a cair em ruinas, e não se pode deixar de sorrir ao ver os castelos oscilantes decorados com o nome de edifícios públicos...”
Manaus, a esse tempo, era sobretudo uma cidade índia, onde o população de origem índia e os resíduos de costumes e atividades do índio, eram um fato na movimentação da vida urbana: apenas os índios pareciam ter uma vida mais livre e agradável, em face ao clima e do ambiente sico. A iluminação pública do lugarejo, desde havia algum tempo, era feita por um sistema de lampiões alimentados por manteiga de tartaruga, óleo de peixe-boi ou óleo de mamona. Nada de mais amazônico poderia ser imaginado do que esse fato.
À medida que a população urbana crescia, as condições de abastecimento alimentar tornavam-se mais difíceis e precárias. Quando Henry Bates passou pela Barra do Rio Negro, pela primeira vez, em 1850, anotou que a cidade "sofria de escassez crônica dos gêneros alimentícios mais necessários." Por ocasião de sua volta à cidade, em 1856, persistia o mesmo problema. De passagem, lembramos que foi por essa época, entre as duas estadias do naturalista na cidade, que a mesma adquiriu o seu atual nome de Manaus (1852).

AGASSIZ, Luiz e AGASSIZ, Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil (1865-1866), tradução de Edgar Süssekind de Mendonça. o Paulo: Comp. Editora Nacional, 1938, pp. 247-248.

No próximo número:
MANAUS E SEU CRESCIMENTO MODERNO.

Nenhum comentário:

Postar um comentário