CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, abril 04, 2012

Aziz Ab’Sáber (1924-2012) 5ª parte



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Prossigo na postagem do material do geógrafo, discorrendo sobre o desenvolvimento de Manaus. Lembro que o Correio do Norte era o quinzenário mantido pelo casal Anísio e Lindalva Mello, em São Paulo.


Manaus e seu crescimento moderno

Professor Aziz Nacib Ab’Sáber
(da Escola de Jornalismo Casper Libero)

Somente por volta da proclamação da República é que Manaus atingiu 10.000 habitantes; note-se que, por essa época, Belém já possuía aproximadamente 60.000 almas, constituindo uma das grandes cidades brasileiras do tempo. Mais do que as transformações políticas e sociais dos fins do século XIX, no Brasil, foi a transformação econômica ligada ao advento do ciclo da borracha que veio beneficiar Manaus, tanto no seu desenvolvimento demográfico quanto urbanístico.
De 1889 a 1920, sua população saltou de 10.000 para 75.000 habitantes; crescimento invejável para uma pequena cidade da distante e pouco desenvolvida Amazônia Central.
Da leitura dos relatos de viajantes que visitaram a cidade no início do século atual, percebe-se que a cidade de Manaus, antes mesma de crescer demograficamente, ganhou a fisionomia de uma grande Cidade, devida a sua importante função comercial e portuária. Nesse particular são muito interessantes as observações de Paul Walle,
que passou por Manaus por volta de 1908. Diz-nos aquele autor: (1)
Autor do texto
La capitale de l'état d'Amazonas a bien l'aspect d'une ville nouvellement édifiée; en effet, il y a vingt ans, Manaus ntait qu'un gros bourg; la ville actuelle a été disputée et gagnée sur la forêt. C'est à présent un grand centre de navegation et de commerce. La population est extrêmement cosmopolit, bien plus encore qu'a Para, et, à lpoque de la safra (récolte), on y trouve un assemblage varié d'hommes de toutes races et de toutes couleurs. Cela forme, à certaines époques, une population flottance énorme; il est possible qu'elle atteingne alors la chiffre de 70.000 ou même de 75.000 habitants, peuttre plus; mais ces chiffres, basés sur des renseignaments, imparfaits et sujets à caution, ne peuvent être donnés comme absolument exacts.
Ao iniciar-se o ciclo da borracha, a imigração para as zonas florestais precedeu a imigração para as cidades, no Estado do Amazonas.
Na realidade, aquela pequena massa humana de imigrantes nordestinos, mormente cearenses, que convergiu para a Amazônia nos últimos vinte e cinco anos do século XIX, o veio a crescer de pronto a população das cidades. Em seu livro de 1885, escrevendo para um público francês, dizia Sant’Anna Nery, com ponderação: (2) La population des villes n'augmente pas, sans doute, d'une manière asses rapide, pour des causes que nous étudierons plus tard, mais l'interieur se peuple de hardis extracteurs de caoutchouc, et on calcule que d´une seule province brésilienne, de la province de Ceará, l'Amazonie a ru environ 60.000 imigrants pendant ces dernres annés.
Aos poucos, porém, o se fizeram esperar, de mil e um modos, os reflexos do desenvolvimento econômico do interior no crescimento da capital. Guardadas as proporções, aconteceu com Manaus um pouco daquilo que se passou com São Paulo, mais ou menos durante a mesma época.
São Paulo, à sombra do desenvolvimento econômico do café, cresceu desmesuradamente, controlando a um tempo a expansão ferroviária no planalto, a imigração estrangeira e uma  industrialização crescente. Manaus, ao contrário, cresceu sob o impulso de uma economia de coleta extensiva, dependendo de correntes de imigração interna, de um mecanismo de circulação moroso ligado exclusivamente aos rios e, tendo que dividir as glórias de metrópole com a cidade de Belém, a maior cidade do norte do país.
Foi exatamente entre 1890 e 1920 que o organismo urbano do pequeno lugarejo do século XIX, que merecera referências tão pouco
airosas de Elizabeth Agassiz, veio a sofrer transformações radicais em sua fisionomia urbana. Construíram-se o porto e o mercado. Abriram-se avenidas e urbanizaram-se praças. Novos blocos de quarteirões residenciais e ruas espaçosas ampliaram marcadamente a primitiva área da cidade.
Alguns pequenos igarapés centrais foram aterrados, ao mesmo tempo em que fez um saneamento extensivo dentro dos moldes
pre
conizados pelo grande higienista Osvaldo Cruz. A capital ganhou uma iluminação pública razoável e um sistema telefônico modesto. Construiu-se o famoso Teatro Amazonas e procedeu-se ao calçamento de um grande número de ruas. 

Teatro Amazonas e seu entorno

Tudo isso se fazia à sombra do desenvolvimento comercial da cidade. Manaus firmava-se como o grande entreposto de exportação dos produtos florestais da Amazônia Central, ao mesmo tempo em que adquiria o importante papel de redistribuidor essencial de todos os
pr
odutos de importação provindos do Brasil e do exterior.
As enormes distâncias que separavam a cidade dos principais centros industriais vieram fomentar, por seu turno, uma pequena indústria de oficinas e "ateliers", cuja função sempre foi muito importante na história da cidade.

Em 1940, a população era de 108.000 habitantes e, em 1950, de 110.678. Note-se que sua população continua crescendo entre 1920 e 1940, enquanto a de Belém sofreu um ligeiro decréscimo. Mais
recentemente
, porém, o aumento da população tem sido mínimo. Inúmeros problemas urbanos novos têm atingido a cidade, a começar pela constante falta de energia elétrica que veio influir na iluminação pública e nos transportes coletivos, obrigando a cidade a viver às escuras (exceção feita para uma pequena porção do Centro) e estancando a aptidão industrial que sempre a caracterizou.

Nos seus trinta anos de crescimento acelerado (1890-1920), a cidade viveu dias de grande movimentão, pretendendo transformar-se diretamente em uma metrópole moderna. A instabilidade dos preços do seu principal produto de exportão e a falta de diferenciação no pequeno grupo de produtos exportáveis acarretou consequências graves para o crescimento da cidade.
Le Cointe, que publicou o seu excelente livro sobre a Amazônia quase ao término desse período de esplendor de Manaus, diz com muita razão: (3) "on commença tout, on termina peu des choses...” Muita coisa do que se fez foi um tanto forçado, perdendo, quase mediatamente depois, suas funções e objetivos principais.
O certo, porém, é que a esse tempo estruturou-se a segunda grande cidade brasileira da Hileia, exatamente aquela que, por sua posição equatorial e central, é um dos mais legítimos orgulhos das tradições de trabalho do homem brasileiro em face do imenso território intertropical que a história lhe legou.

(1) WALLE, Paul. Au pays de l'or noír (Pará, Amazonas, Mato Grosso), Lib. Orientale & Américaine, E. Guilmoto, Paris, pp. 104-105.
(2) NERY, F. J. de Sant’Anna. Le pays des Amazones (L'Eldorado, les terres a caoutchouc). Bib. de Deux-Mondes, L. Frinzine, Paris, 1885.
(3) LE COINTE, Paul. L'Amazonie brésilienne, ed. Augustin Challamel. Paris 1922, v. 1, p.37.

Correio do Norte. São Paulo, 2ª quinzena setembro 1959.
No próximo número: O PORTO DE MANAUS.

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