CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, março 21, 2012

Nery versus Th Vaz


Na madrugada de ontem houve um grave incidente na “Pensão Floreaux”
“Cherchez la femme”
Manaus, 3 de abril de 1915
Quando na madrugada de ontem, o Jornal do Commercio, entrava para o prelo, um caso grave, que pode ainda ser de funestíssimas consequências, teve lugar na Pensão Floreaux, conhecida casa de mulheres de vida pública.
Desse caso, foram protagonistas o Sr. Antônio José da Silva Nery, de 24 anos, solteiro, ajudante de guarda-mor de nossa Alfandega, filho do senador federal Silvério José Nery, ora em viagem com sua família para o Sul da República; e o Dr. Thaumaturgo Sotero Vaz, maior de 40 anos, casado, diretor da secretaria do Estado e redator de O Tempo, diário governista.   
Caso grave, melindroso mesmo, pelas circunstâncias que o cercam, pela condição social das duas pessoas nele envolvidas, nós não descemos a comentá-lo nem a o explorar.
Vamos relatar aqui, linhas abaixo, o que nos referiu testemunha de visu, pessoa insuspeita e que nos merece toda a fé. Ao sabor do público, que tem o necessário critério para ver quem [é] o culpado, quem [é] o passível de censuras, nós deixamos os comentários.
Aí está o que ouvimos:
O Sr. Landry Nery, como é geralmente conhecido o filho do senador amazonense, entrou na Pensão Floreaux sozinho, passava de meia-noite. De uma banca próxima onde se sentara o nosso informante, convidou-o a tomar assento ali. O Sr. Landry Nery atendeu, mas imediatamente levantou-se, deixando os seus amigos.
Sendor Silverio Nery  
O nosso informante entretinha-se a ouvir a palestra de um dos companheiros, quando a azáfama muito natural nessas ocasiões fê-lo procurar ver do que se tratava. E então viu, no corredor para onde abrem os apartaments das mulheres que habitam a Floreaux, o Sr. Landry em luta, corpo a corpo, com o Sr. Thaumaturgo Vaz.
Pessoas inúmeras afluíram ao ponto em que dava o pugilato e, então, à testemunha que ouvimos pode verificar que alguém pelas costas subjugava o Sr. Landry, aproveitando-se da ocasião o Sr. Thaumaturgo Vaz para aplicar no seu contendor forte pontapé que prostrou por terra o primeiro.
Ao levantar-se o jovem Silva Nery, o Sr. Thaumaturgo Vaz disse-lhe: - Você me vem provocar aqui, neste lugar, rasgando-me a roupa para que eu não possa sair? Que isso não transpire lá fora.
Seguiu-se a isso uma espécie de reconciliação, em que os dois se apertaram as mãos, declarando o Sr. Nery que estava desarmado.
O nosso informante convidou Landry Nery a retirar-se. Atendido, começou aquele a procurar o chapéu do filho do senador Nery, que devia ter ficado no jardim, junto à mesa em que haviam estado a princípio.
De repente, o nosso informante ouviu uma voz de mulher que gritava: - Esmaga, mata esse bandido!
O Sr. Thaumaturgo Vaz irrompeu de um dos quartos e, brandindo na destra um revólver, avançou sobre o seu desafeto, gritando repetidamente: - Dou-lhe um tiro na boca.
Atracaram-se novamente.
E do corredor, assim, em luta corporal, desceram ao jardim, onde ao falsear-lhe um dos pés, o Sr. Silva Nery rolou sobre o solo. Thaumaturgo Vaz caiu sobre ele, sem abandonar o revólver que o outro, debaixo, procurava arrancar-lhe das mãos. Num momento em que o cano da arma encostara ao pescoço do Sr. Landry, o Sr. Thaumaturgo Vaz deflagrou-a.
Ferido, o jovem funcionário federal foi, por diversos amigos, conduzido para a Casa de Misericórdia, enquanto Thaumaturgo Vaz voltava ao quarto de onde saíra momentos antes.
O projetil penetrou a região antero-lateral-esquerda do pescoço do Sr. Landry Nery, interessando (sic) a pele e o músculo externo-(...)-mastodeu. Os Drs. Barroso Nunes, Figueiredo Rodrigues e Xavier de Albuquerque fizeram os necessários curativos no enfermo. O ferimento não é mortal, ao menos que sobrevenha alguma infecção, que poderá trazer consequências funestas.
O Sr. Landry Nery tem sido muito visitado, acorrendo à Casa de Misericórdia amigos seus, diversos colegas de repartição e quase todos os oficiais aduaneiros. Às 11h de ontem, o livro de visitantes acusava já 204 nomes.
Detalhe da notícia
O Sr. Thaumaturgo Vaz, depois do incidente, recolheu-se à sua residência, onde permanece. Às 9h30 de ontem o delegado de policia do 2º Distrito e seu escrivão compareceram à residência do delinquente, que pediu à autoridade, voltasse mais tarde para ouvi-lo.
Na Floreaux todos os empregados negaram à reportagem do Jornal as notas sobre este caso.
Anotações do postador:
A publicação pertence ao Jornal do Commercio, de 3 abril 1915. Quanta cortesia jornalística, era “senhor e doutor” para todos os lados, certamente por se tratar de “autoridades”. Se fosse a plebe...
Th Vaz (abreviatura do nome do atirador) deixou outras historietas, bem mais “diurnas”. Poeta de categoria, seria um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras (1918). Tendo publicado uma revista com o nome de Patureba, passou a imortalidade com essa alcunha. À época, possuía 46 anos, pois havia nascido em 1869, no Piauí, e faleceu em Manaus, em 1921.  
Sobre Landry Nery, desconheço qualquer nota (des)abonadora e as consequências do tiro. Seu pai, o senador Nery, seguiu dando as cartas no Amazonas até a morte, em 1934. Mas, os Nery prosseguiram com prestígio. O saudoso Paulo Nery fechou o ciclo em 1982.
Agora, a Pensão Floreaux. Começo com uma observação do finado Mário Ypiranga, falando sobre “papagaio de papel”: Walter Rayol, que foi vereador e prefeito de Manaus, cerca de 1910, “brincava de papagaio na vasta área do internato onde mais tarde seria a famanada Pensão Floreaux, de sórdida memória, depois sede do Nacional Futebol Clube” (Naça, nos bons tempos).
Então tá. Já sabemos que o cabaré funcionou na rua Saldanha Marinho, cujo ponto de referencia é a Importadora Tropical. Sabe-se que a sede do Naça fazia extremo com o prédio da avenida Eduardo Ribeiro, onde hoje comercializa o Carrefour. Antes deste, ali funcionou as lojas Americanas. Foi a direção destas que adquiriu o terreno do Naça e construiu amplo depósito.
Até a próxima.  

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