Na madrugada de ontem houve um
grave incidente na “Pensão Floreaux”
“Cherchez la femme”
Manaus, 3 de abril de 1915 |
Quando na madrugada de ontem, o Jornal do Commercio, entrava para o
prelo, um caso grave, que pode ainda ser de funestíssimas consequências, teve
lugar na Pensão Floreaux, conhecida
casa de mulheres de vida pública.
Desse caso, foram protagonistas o
Sr. Antônio José da Silva Nery, de 24 anos, solteiro, ajudante de guarda-mor de
nossa Alfandega, filho do senador federal Silvério José Nery, ora em viagem com
sua família para o Sul da República; e o Dr. Thaumaturgo Sotero Vaz, maior de
40 anos, casado, diretor da secretaria do Estado e redator de O Tempo, diário governista.
Caso grave, melindroso mesmo,
pelas circunstâncias que o cercam, pela condição social das duas pessoas nele
envolvidas, nós não descemos a comentá-lo nem a o explorar.
Vamos relatar aqui, linhas abaixo,
o que nos referiu testemunha de visu, pessoa insuspeita e que nos merece
toda a fé. Ao sabor do público, que tem o necessário critério para ver quem [é]
o culpado, quem [é] o passível de censuras, nós deixamos os comentários.
Aí está o que ouvimos:
O Sr. Landry Nery, como é
geralmente conhecido o filho do senador amazonense, entrou na Pensão Floreaux sozinho, passava de meia-noite.
De uma banca próxima onde se sentara o nosso informante, convidou-o a tomar
assento ali. O Sr. Landry Nery atendeu, mas imediatamente levantou-se, deixando
os seus amigos.
Sendor Silverio Nery |
O nosso informante entretinha-se a
ouvir a palestra de um dos companheiros, quando a azáfama muito natural nessas
ocasiões fê-lo procurar ver do que se tratava. E então viu, no corredor para
onde abrem os apartaments das
mulheres que habitam a Floreaux, o
Sr. Landry em luta, corpo a corpo, com o Sr. Thaumaturgo Vaz.
Pessoas inúmeras afluíram ao ponto
em que dava o pugilato e, então, à testemunha que ouvimos pode verificar que
alguém pelas costas subjugava o Sr. Landry, aproveitando-se da ocasião o Sr.
Thaumaturgo Vaz para aplicar no seu contendor forte pontapé que prostrou por
terra o primeiro.
Ao levantar-se o jovem Silva Nery,
o Sr. Thaumaturgo Vaz disse-lhe: - Você me vem provocar aqui, neste lugar,
rasgando-me a roupa para que eu não possa sair? Que isso não transpire lá fora.
Seguiu-se a isso uma espécie de
reconciliação, em que os dois se apertaram as mãos, declarando o Sr. Nery que
estava desarmado.
O nosso informante convidou Landry
Nery a retirar-se. Atendido, começou aquele a procurar o chapéu do filho do
senador Nery, que devia ter ficado no jardim, junto à mesa em que haviam estado
a princípio.
De repente, o nosso informante
ouviu uma voz de mulher que gritava: - Esmaga, mata esse bandido!
O Sr. Thaumaturgo Vaz irrompeu de
um dos quartos e, brandindo na destra um revólver, avançou sobre o seu desafeto,
gritando repetidamente: - Dou-lhe um tiro na boca.
Atracaram-se novamente.
E do corredor, assim, em luta
corporal, desceram ao jardim, onde ao falsear-lhe um dos pés, o Sr. Silva Nery
rolou sobre o solo. Thaumaturgo Vaz caiu sobre ele, sem abandonar o revólver
que o outro, debaixo, procurava arrancar-lhe das mãos. Num momento em que o
cano da arma encostara ao pescoço do Sr. Landry, o Sr. Thaumaturgo Vaz deflagrou-a.
Ferido, o jovem funcionário
federal foi, por diversos amigos, conduzido para a Casa de Misericórdia,
enquanto Thaumaturgo Vaz voltava ao quarto de onde saíra momentos antes.
O projetil penetrou a região
antero-lateral-esquerda do pescoço do Sr. Landry Nery, interessando (sic) a
pele e o músculo externo-(...)-mastodeu. Os Drs. Barroso Nunes, Figueiredo
Rodrigues e Xavier de Albuquerque fizeram os necessários curativos no enfermo.
O ferimento não é mortal, ao menos que sobrevenha alguma infecção, que poderá
trazer consequências funestas.
O Sr. Landry Nery tem sido muito
visitado, acorrendo à Casa de Misericórdia amigos seus, diversos colegas de
repartição e quase todos os oficiais aduaneiros. Às 11h de ontem, o livro de
visitantes acusava já 204 nomes.
Detalhe da notícia |
O Sr. Thaumaturgo Vaz, depois do
incidente, recolheu-se à sua residência, onde permanece. Às 9h30 de ontem o
delegado de policia do 2º Distrito e seu escrivão compareceram à residência do
delinquente, que pediu à autoridade, voltasse mais tarde para ouvi-lo.
Na Floreaux todos os empregados negaram à reportagem do Jornal as notas sobre este caso.
Anotações do postador:
A publicação pertence ao Jornal do Commercio, de 3 abril 1915. Quanta
cortesia jornalística, era “senhor e doutor” para todos os lados, certamente
por se tratar de “autoridades”. Se fosse a plebe...
Th Vaz (abreviatura do nome do
atirador) deixou outras historietas, bem mais “diurnas”. Poeta de categoria, seria
um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras (1918). Tendo publicado uma
revista com o nome de Patureba, passou
a imortalidade com essa alcunha. À época, possuía 46 anos, pois havia nascido
em 1869, no Piauí, e faleceu em Manaus, em 1921.
Sobre Landry Nery, desconheço
qualquer nota (des)abonadora e as consequências do tiro. Seu pai, o senador
Nery, seguiu dando as cartas no Amazonas até a morte, em 1934. Mas, os Nery
prosseguiram com prestígio. O saudoso Paulo Nery fechou o ciclo em 1982.
Agora, a Pensão Floreaux. Começo com uma observação do finado Mário
Ypiranga, falando sobre “papagaio de papel”: Walter Rayol, que foi vereador e
prefeito de Manaus, cerca de 1910, “brincava de papagaio na vasta área do
internato onde mais tarde seria a famanada Pensão Floreaux, de sórdida memória,
depois sede do Nacional Futebol Clube” (Naça, nos bons tempos).
Então tá. Já sabemos que o cabaré
funcionou na rua Saldanha Marinho, cujo ponto de referencia é a Importadora
Tropical. Sabe-se que a sede do Naça fazia extremo com o prédio da avenida
Eduardo Ribeiro, onde hoje comercializa o Carrefour. Antes deste, ali funcionou
as lojas Americanas. Foi a direção destas que adquiriu o terreno do Naça e construiu
amplo depósito.
Até a próxima.
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