CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, março 17, 2012

Aziz Ab´Sáber (1924-2012)


Aziz Ab´Sáber, 2011

Morreu ontem Aziz Nacib Ab'Sáber, decano da geografia física no Brasil, em São Paulo. O ilustre brasileiro já foi descrito em todos os canais de divulgação, estando nas páginas de jornais e sites de comunicação. Não tenho muito a acrescentar. Por isso, aproveito o ensejo para duas homenagens: ao grande geógrafo e ao saudoso multiartista Anísio Mello. Afinal, que há entre este amazonense e aquele paulista?
Explico já. Anísio editou um jornal em São Paulo entre 1958-65, com o título de Correio do Norte. Lutava bravamente para divulgar as notícias do Norte, ao tempo, restritas ao Pará, Amazonas, Acre e territórios. E como hoje, distantes da grande metrópole paulista. Mas, Anísio sustentou a publicação por sete anos, desistindo por exigência do Governo Militar.
Bom, em julho de 1959, o Correio iniciou a publicação de uma série de reflexões sobre a geografia do Amazonas, escrita pelo geógrafo ontem falecido. Desconheço se o texto foi reproduzido, acolhido, não importa, está aqui para desejar o “melhor descanso” ao Aziz e ao Anísio. E vou reproduzir toda a série. Abaixo a primeira parte. 


Anísio Mello
A exemplo de tantas cidades brasileiras, a capital do Estado do Amazonas o teve, até aqui, quem lhe fizesse um estudo de geografia urbana. Ao prof. AZlZ NAClB AB'SÁBER, sócio efetivo da A.G.R, professor de Geografia sica da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, assistente da cadeira de Geografia do Brasil da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, cabe a honra de dar um importante passo, nesse sentido, através do estudo preliminar que hoje publicamos. É o resultado de observações pessoais, realizadas em janeiro de 1953, e do manuseio da bibliografia que teve oportunidade de compulsar.

Manaus e sua posição geográfica na Amazônia

Enquanto Belém é o entreposto da fachada atlântica de toda a Amazônia brasileira, (1) Manaus é a verdadeira capital da hinterlandia amazônica. Colocada exatamente entre a Amazônia Ocidental e a Oriental num ponto do principal eixo de navegação fluvial do Brasil, é uma espécie de elo entre a navegação fluvial, rudimentar e extensiva, e as grandes rotas marítimas de cabotagem. Possui, por essa razão, uma situação geográfica absolutamente privilegiada em face das extensões amazônicas e do gigantesco quadro de drenagem da bacia hidrográfica regional.

A partir de Manaus, através da confluência do Negro com o Solimões, tanto para oeste, como noroeste e sudoeste, o esqueleto geral da rede hidrográfica do Amazonas apresenta aspecto marcadamente centrípeto, convergindo de todos esses quadrantes para o pequenino fragmento de tabuleiro, onde a cidade foi implantada.

Na verdade, um vasto leque formado por grandes rios consequentes da Amazônia Ocidental possui um fecho de raios à altura de Manaus. Se é que esse centripetismo hidrográfico existe em muitas regiões brasileiras, mormente na bacia do Paraná e em parte na bacia do Maranhão-Piauí, foi somente na Amazônia que ele pesou sobremaneira no ritmo de desenvolvimento de uma grande cidade.

Explica-se facilmente o fato: ali o aglomerado urbano, por mais de dois séculos, não dependeu de nenhuma rota terrestre, mas tão somente dos rios de planície e de uma história econômica ligada intimamente à navegação fluvial. As outras bacias sedimentares brasileiras foram soerguidas a planos altimétricos bem mais elevados, redundando na formação de vastas áreas de planaltos interiores, seccionados por maturos rios de planalto, acidentados e encachoeirados. Dai o terem engendrada condições de situação geográfica semelhantes àquelas que nos explicam a cidade de Manaus.

Tecendo comentários em torno de problemas referentes ao sítio
e s
ituação de Manaus, Spix e Martius parece terem sido os primeiros viajantes e naturalistas a destacar a importância que a posição geográfica da cidade poderia significar mais tarde (2): "A Barra-do-Rio-Negro, com o crescimento da população, tornar-se-á praça muito importante para todo o comércio com o "hinterland" do Brasil. A sua situação em saudável e aprazível altitude, dominando todo o rio Negro, na proximidade do Amazonas e não distante da foz do Madeira, não poderia ter sido mais felizmente escolhida. O rio Negro e seus dois principais afluentes, o Waupés e o Branco, são atualmente, na verdade, bem pouco povoados e cultivados; uma vez, porém, que estas férteis terras sejam enobrecidas pela indústria e civilização, a sua via natural de comércio - a Barra, florescente em rica e poderosa cidade comercial será a chave da parte ocidental do país".

Embora lentamente, a marcha dos acontecimentos vem demonstrando o quanto de acertado havia na predição dos dois ilustres sábios que passaram pela Amazônia nos fins do primeiro quartel do culo XIX.
Identicamente, Henry Walter Bates, em alguns trechos de sua obra, na parte referente a Manaus, chama a atenção para a excelência da posição geográfica da cidade: (3)

Logotipo do jornal de Anísio Mello
"A situação da cidade tinha muitas vantagens; o clima é salubre; o há pragas e insetos; o solo é fértil (sic) e capaz de dar todos os produtos tropicais (o café do Rio Negro, especialmente, é de qualidade muito superior), e está perto da confluência de dois grandes rios navegáveis. A imaginação fica excitada, quando a gente reflete sobre as possibilidades futuras desta localidade, situada perto da parte equatorial da América do Sul, no meio de região quase tão vasta como a Europa, da qual cada polegada é da mais exuberante fertilidade (sic), e comunicando por água, de um lado com o Atlântico, e do outro com as reblicas espanholas da Venezuela, Nova Granada, Equador, Peru e Bolívia".

Lembramos, por último, que Manaus embora diste 20 km da confluência entre o Negro e o Solimões, comporta-se rigorosamente como uma cidade fluvial de confluências: daí o seu humilde e ajustado apelido inicial de "Lugar da Barra". Por outro lado, embora diste em média de 1.600 a 1.700 km do Atlântico, e, por pouco mais, de Belém, é um porto fluvial continental perfeitamente entrosado com as rotas de cabotagem e transatnticas.

A despeito disso, não é um ponto terminal da navegação amazônica; ao contrário, é uma etapa central e obrigatória, comandando as ligações entre a circulação atlântica em face dos mais distantes e profundas linhas de circulação fluviais da América do Sul. Esba-se, por exemplo, atualmente, o transporte do petróleo peruano, através do rio Solimões com destino a Manaus.

Disso poderá resultar uma pequena captura econômica da maior importância para os destinos da cidade e da própria Amazônia Brasileira. o fatos inteiramente ligados à excelente posição geográfica da Amania Central.
 

A SEGUIR, no próximo número, a continuação do trabalho do autor:
O SÍTIO E A ESTRUTURA URBANA DE MANAUS.

(1) PENTEADO, Antônio Rocha. Bem do Pará (Primeiros estudos), em “Anuário da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae”, 1948- 49, pp. 67-69. São Paulo, 1949.
(2) SPlX, J. R. e MARTIUS, C. E. P. von. Viagem pelo Brasil, tradução brasileira de Lúcia Furquim Lahmeyer, v. III, p. 212. Rio, 1938.
(3) BATES, Henry Walter. O Naturalista no Rio Amazonas, tradução brasileira de C. Melo Leio, v.I, p.362. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944.

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