Aziz Ab´Sáber, 2011 |
Morreu ontem Aziz Nacib Ab'Sáber,
decano da geografia física no Brasil, em São Paulo. O ilustre brasileiro já foi
descrito em todos os canais de divulgação, estando nas páginas de jornais e
sites de comunicação. Não tenho muito a acrescentar. Por isso, aproveito o
ensejo para duas homenagens: ao grande geógrafo e ao saudoso multiartista
Anísio Mello. Afinal, que há entre este amazonense e aquele paulista?
Explico já. Anísio editou um
jornal em São Paulo entre 1958-65, com o título de Correio do Norte. Lutava bravamente para divulgar as notícias do
Norte, ao tempo, restritas ao Pará, Amazonas, Acre e territórios. E como hoje,
distantes da grande metrópole paulista. Mas, Anísio sustentou a publicação por
sete anos, desistindo por exigência do Governo Militar.
Bom, em julho de 1959, o Correio iniciou a publicação de uma série
de reflexões sobre a geografia do Amazonas, escrita pelo geógrafo ontem
falecido. Desconheço se o texto foi reproduzido, acolhido, não importa, está aqui
para desejar o “melhor descanso” ao Aziz e ao Anísio. E vou reproduzir toda a
série. Abaixo a primeira parte.
Anísio Mello |
Manaus
e sua posição
geográfica
na Amazônia
Enquanto Belém
é o entreposto da fachada atlântica de toda a Amazônia brasileira, (1) Manaus é
a verdadeira capital da hinterlandia amazônica. Colocada
exatamente entre a Amazônia Ocidental e a Oriental
num ponto do principal eixo de navegação fluvial do Brasil,
é uma espécie de elo entre a navegação fluvial,
rudimentar e extensiva, e as grandes rotas marítimas de cabotagem. Possui, por
essa razão, uma
situação geográfica absolutamente privilegiada em
face das extensões amazônicas
e do gigantesco quadro de drenagem da bacia hidrográfica
regional.
A
partir de Manaus, através da confluência
do Negro com o Solimões, tanto para oeste,
como noroeste e sudoeste, o esqueleto
geral da rede hidrográfica do
Amazonas apresenta aspecto
marcadamente centrípeto, convergindo de todos esses
quadrantes para o pequenino fragmento de tabuleiro,
onde a cidade foi implantada.
Na
verdade, um vasto leque formado por grandes rios
consequentes da Amazônia Ocidental possui um fecho de
raios à altura de Manaus.
Se é que esse centripetismo hidrográfico existe em muitas regiões
brasileiras, mormente na bacia do Paraná
e em parte na bacia do
Maranhão-Piauí, foi somente na Amazônia que ele pesou sobremaneira no ritmo
de desenvolvimento de uma grande
cidade.
Explica-se
facilmente o fato: ali o aglomerado
urbano, por mais de dois séculos, não dependeu de nenhuma rota
terrestre, mas tão somente dos rios de planície e de uma história
econômica ligada intimamente
à navegação fluvial. As outras
bacias sedimentares brasileiras foram soerguidas a planos
altimétricos bem mais elevados,
redundando na formação de vastas áreas
de planaltos interiores,
seccionados por maturos
rios de planalto, acidentados e
encachoeirados. Dai não terem engendrada condições
de situação geográfica semelhantes àquelas que nos explicam a cidade de
Manaus.
Tecendo
comentários em torno de problemas referentes ao sítio
e situação de Manaus, Spix e Martius parece terem sido os primeiros viajantes e naturalistas a destacar a importância que a posição geográfica da cidade poderia significar mais tarde (2): "A Barra-do-Rio-Negro, com o crescimento da população, tornar-se-á praça muito importante para todo o comércio com o "hinterland" do Brasil. A sua situação em saudável e aprazível altitude, dominando todo o rio Negro, na proximidade do Amazonas e não distante da foz do Madeira, não poderia ter sido mais felizmente escolhida. O rio Negro e seus dois principais afluentes, o Waupés e o Branco, são atualmente, na verdade, bem pouco povoados e cultivados; uma vez, porém, que estas férteis terras sejam enobrecidas pela indústria e civilização, a sua via natural de comércio - a Barra, florescente em rica e poderosa cidade comercial será a chave da parte ocidental do país".
e situação de Manaus, Spix e Martius parece terem sido os primeiros viajantes e naturalistas a destacar a importância que a posição geográfica da cidade poderia significar mais tarde (2): "A Barra-do-Rio-Negro, com o crescimento da população, tornar-se-á praça muito importante para todo o comércio com o "hinterland" do Brasil. A sua situação em saudável e aprazível altitude, dominando todo o rio Negro, na proximidade do Amazonas e não distante da foz do Madeira, não poderia ter sido mais felizmente escolhida. O rio Negro e seus dois principais afluentes, o Waupés e o Branco, são atualmente, na verdade, bem pouco povoados e cultivados; uma vez, porém, que estas férteis terras sejam enobrecidas pela indústria e civilização, a sua via natural de comércio - a Barra, florescente em rica e poderosa cidade comercial será a chave da parte ocidental do país".
Embora lentamente, a marcha dos acontecimentos vem demonstrando o quanto de acertado havia na predição dos dois ilustres sábios que passaram pela Amazônia nos fins do primeiro quartel do século XIX.
Logotipo do jornal de Anísio Mello |
Lembramos,
por último, que Manaus embora diste 20 km da confluência
entre o Negro e o Solimões,
comporta-se rigorosamente
como uma cidade fluvial de confluências:
daí o seu humilde e
ajustado apelido inicial de "Lugar da Barra".
Por outro lado, embora diste em média de
1.600 a 1.700 km do Atlântico,
e, por pouco mais, de Belém, é um porto fluvial
continental perfeitamente entrosado com as rotas de cabotagem e transatlânticas.
A
despeito disso, não é um ponto terminal da navegação
amazônica; ao contrário, é uma etapa central e obrigatória, comandando as ligações entre a circulação atlântica
em face dos mais distantes e profundas linhas de circulação fluviais
da América do Sul. Esboça-se, por exemplo, atualmente, o transporte do petróleo peruano, através do rio Solimões com destino a Manaus.
Disso
poderá resultar uma pequena
captura econômica da maior importância para os
destinos da cidade
e da própria Amazônia
Brasileira. São fatos inteiramente ligados à excelente posição geográfica da Amazônia Central.
A SEGUIR, no
próximo número, a continuação do trabalho
do autor:
O SÍTIO E A ESTRUTURA URBANA DE MANAUS.
(1) PENTEADO, Antônio Rocha. Belém do Pará (Primeiros estudos), em “Anuário da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae”, 1948- 49, pp. 67-69. São Paulo, 1949.
(2) SPlX, J. R. e MARTIUS, C. E. P. von. Viagem pelo Brasil, tradução brasileira de Lúcia Furquim Lahmeyer, v.
III, p. 212. Rio, 1938.
(3) BATES, Henry Walter. O Naturalista no Rio Amazonas, tradução brasileira de C. Melo Leitão, v.I, p.362. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944.
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