CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, março 18, 2012

Aziz Ab' Sáber (1924-2012) 2ª parte

Prossegue a postagem da série de textos do saudoso professor Aziz Ab’ Sáber, publicada no jornal quinzenal Correio do Norte, editado em São Paulo, no segundo semestre de 1959.
Abaixo, o texto estampado na edição da primeira quinzena de agosto.
                                                              

                                                            A Cidade de Manaus
                                                                                                                                         Professor AZIZ NACIB AB'SÁBER
                                                                                                                            (da Escola de Jornalismo «Cásper Libero»)

O sítio e a estrutura urbana de Manaus
A cidade de Manaus assenta-se sobre a porção ribeirinha de um sistema de colinas tabuliformes, pertencentes a uma vasta seção de um tabuleiro de sedimentos terciários situado na confluência do rio Negro com o Solimões.
O sítio de Manaus difere do de Belém principalmente no que se refere a questões de amplitude altimétrica; enquanto Belém tem por sítio urbano um nível de baixos terraços, mantido por crostas limaníticas (nível de Belém-Marajó) (1), Manaus encontra-se sobre um baixo planalto, colocado de 20 a 30m acima do nível médio do rio Negro (32m de altitude na região). A amplitude altimétrica do sítio de Belém não excede a 6 e 8m em média, através de rampas espaçadas e de um mosaico de longos patamares rasos de terraços.

Em Manaus, a fachada ribeirinha da cidade é marcada por um alinhamento de falésias fluviais de 20 a 50m de altura, com reverso suave ou aplainado para o interior e com uma ruptura de declive brusca e direta em relação à estreita faixa de praias arenosas de estiagem do rio Negro. Por outro lado, os igarapés do terraço de Belém são representados por sulcos discretos no terreno e controlados pela oscilação diária das marés que atingem a baía de Guajará. Enquanto isso se dá, os igarapés de Manaus ficam sujeitos apenas à oscilação anual do nível do rio Negro.

Os igarapés de Manaus possuem de 7 a 12m de barranca lateral, representando vales que isolam os diversos blocos urbanos da cidade. Pontes de certa expressão cruzam os igarapés, demonstrando o vigor dos entalhes, realizados pela ascensão e declínio das águas, que anualmente aforam a embocadura dos antigos córregos regionais.
Correio do Norte

Na realidade, o igarapé típico de Manaus é um baixo vale afogado pela sucessão habitual das cheias do rio Negro, em pontos da margem de ataque da correnteza do grande caudal. Trata-se de um tipo especial de "rias" internas de água doce, conforme observação justa de Gourou. (2)
Na estiagem as águas dos igarapés baixam tanto que se transformam em modestos ribeiros, sendo que, pelo menos por 1 ou 2 km do seu curso, a partir da barra do rio Negro, sempre possuem água e profundidade para a circulação de toda sorte de pequenas barcaças. A cauda do igarapé, por esse tempo, é marcada por vezes por rasos bancos arenosos, por onde escorrem sinuosamente um ou mais filetes d'água de alguns decímetros de largura.
A estrutura urbana de Manaus está ligada no setor planimétrico, ao traçado sinuoso dos colinas interfluviais que separam os igarapés e, no setor hipsométrico, com os diversos níveis intermediários escalonados existentes no dorso dos tabuleiros terciários. O terraceamento regional nada tem a ver com a calha do rio Negro, mas sim com trechos curtos dos flancos dos pequenos vales constituídos pelos igarapés que seccionam o tabuleiro. O rio Negro, próximo de seu ângulo de confluência com o Solimões após a fase de encaixamento pós-pliocênica, funcionou contínua e rapidamente como margem de ataque, esculpindo aquela extensa amurada de falésias, que atestam um afastamento para o interior da ordem de centenas de metros e até de alguns quilômetros, em determinados pontos.

Resumem-se, portanto, os elementos topográficos que participam da condição de sítio urbano de Manaus: 1) em uma "barreira" fluvial alongada e relativamente contínua, na margem esquerda do rio Negro; 2) em praias de estiagem de 10 a 20m de largura, na base de barreira, totalmente inundáveis durante as cheias; 3) em colinas suaves e de níveis variáveis no reverso da barreira; 4) em níveis de terraceamento nos flancos dos principais igarapés e ligeiras esculpidas no dorso do tabuleiro terciário.

Alguns bairros, oriundos das fases mais recentes de expansão da cidade, estão atingindo os níveis mais elevados do tabuleiro. O topo do tabuleiro possui a forma de extensa esplanada, marcadamente tabuliforme, enquanto os níveis altímetros intermediários asilam colinas bem esculpidas que permanecem como que embutidas entre largos desvãos do nível superior.
Às praias de estiagem corresponde uma verdadeira cidade palafítica, das mais exóticas e pitorescas encontradas no território brasileiro. Por outro lado, o próprio rio, assim como principalmente os
iqarapés, asilam casas flutuantes que ficam à mercê do ritmo anual das águas, aproveitando-se dos mais rústicos espaços urbanos ainda existentes na zona central de Manaus.

O centro da cidade, por sua vez, encontra-se nas terras firmes correspondentes ao nível dos terraços dos flancos dos igarapés. Exceção feita desses elementos tão variados, situados entre as altas margens do Rio Negro e a embocadura dos igarapés manauenses, os outros bairros da cidade entendem-se pelo sistema de colinas esculpido nos terrenos arenosos do tabuleiro pliocênico de Manaus. De modo geral, os bairros mais pobres e modestos estão nas praias de estiagem nos flancos internos dos igarapés e no reverso ondulado da barreira fluvial, enquanto os mais ricos envolvem a porção central da cidade, formando um cinturão irregular nas colinas de altitude média, dotados de maior continuidade e suavidade de formas topográficas.

(1) MOURA, Pedro de. O Relevo da Amazônia, em «Revista Brasileira de Geografia», v.3, Rio, 1943; e GOUROU, Pierre. Observações geográficas na Amazônia (1ª parte), em «Revista Brasileira de Geografia». XI s.3, Rio, 1949.
(2) GOUROU, Pierre. op. cit., pp. 391-395.


Na continuação do trabalho do mesmo autor:
AS ORIGENS DO POVOADO DO LUGAR DA BARRA e O CRESCIMENTO DA CIDADE DE SÃO JOSÉ DA BARRA.

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