CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, fevereiro 09, 2024

CONTO DO VIGÁRIO

Dom João, ao lado do
governador Mestrinho, 
na inauguração da
Maternidade
 Se em nossos dias as falcatruas, quase sempre realizadas pelos meios eletrônicos,  nos angustiam, a leitura desta crônica talvez nos ensine algo. O autor, Ildefonso Pinheiro, comerciante abastado e homem crente na palavra do outro, conta-nos dois “contos do vigário” que sofreu. Na Manaus de 1970, quando todos se conheciam. Curioso: um dos “contos” utilizou o nome do arcebispo de então – dom João Souza Lima.

 Manaus, cidade pacata, está atualmente cheia de vigaristas e chantagistas que, com truques premeditados assaltam as pessoas marcadas com os seus laços bem armados. As suas armadilhas não podem falhar porque são feitas com bases seguras. Somente os Santos podem escapar.

Estou falando desta maneira porque tive o despreza de receber telefonemas como passo a descrever: Sr. Ildefonso, aqui fala o Dr. Roberto Farias, do Banco de Sangue do Hospital Ana Nery, que se encontra com um caso sério e urgente a resolver, sobre a vida da Sra. Maria de Lourdes de Oliveira que se encontra hospitalizada na Maternidade “Ana Nery” (hoje Balbina Mestrinho).

Sr. Ildefonso, para atender esta causa precisamos de um litro de sangue e aqui no hospital não o temos. Há, sim, no Hospital São José e custa a quantia de cento e trinta cruzeiros novos. Gostaria que o Sr. viesse até aqui ao hospital para ver a miséria que está reinando nesta casa de saúde. Quem me indicou foi o Dr. Gesta, dizendo-me sue o Sr. não se negaria a socorrer-nos neste caso melindroso, que pela urgência exige a colaboração de pessoas bem formadas e que tenha a noção da dor do seu semelhante.

Dez minutos mais tarde, novo telefonema de aflição:

Sr. Ildefonso, o sangue de que lhe havia falado, só tem em medida de dois litros. Estamos à procura do Fernando Monteiro que não está sendo encontrado para nos dar os outros cento e trinta cruzeiros novos, para que assim possamos comprar os dois litros de sangue. Será que o Sr. pode mandar os duzentos e sessenta cruzeiros novos? que logo que encontrarmos o Fernando lhe devolveremos

Diante de tal exposição, respondi-lhe que mandassem buscar duzentos e cinquenta cruzeiros novos. Ele respondeu-me que estava bem, pois, os dez cruzeiros, eles arranjariam. Poucos minutos depois, chegou um mensageiro ao meu estabelecimento, com um recibo cujo teor é o seguinte:

Recebi da Firma Ferragens Pinheiro, na pessoa do Sr. Ildefonso Pinheiro, a importância de duzentos e cinquenta cruzeiros novos, para pagamento de 2 litros de sangue “O” positivo como patrocínio a Sr. Maria de Lourdes de Oliveira, que se encontra hospitalizada na Maternidade “Ana Nery”. Manaus, 7 de janeiro de 1970

Roberto Farias Filho – Chefe do Banco de Sangue.

Meia hora depois, novo telefonema:

Sr. Ildefonso, aqui fala o arcebispo João de Souza Lima, do hospital “Ana Nery” onde estou assistindo cenas verdadeiramente dramáticas e contristadoras para os que se reverenciam diante da dor alheia. Existem aqui casos que precisam ser resolvidos urgentemente e que exigem a colaboração minha e de todos aqueles que têm o espírito voltado para o amor ao próximo. O que estou vendo aqui, obrigaram-me a recorrer a pessoas amigas como o meu nobre amigo. Os casos que estou vendo precisam ser resolvidos imediatamente, porque são criaturas que estão em risco de perderem a vida, por falta de sangue e alguns remédios. Preciso urgente de trezentos e noventa cruzeiros novos.

Diante de tal exposição feita por S. Exa. D. João de Sousa Lima, arcebispo metropolitano de Manaus, prontifiquei-me imediatamente dizendo que mandasse buscar quinhentos cruzeiros novos, invés de trezentos e noventa cruzeiros novos, para atender mais alguém que precisasse de tal colaboração.

Em poucos minutos, chegou ao meu balcão um novo emissário para receber a encomenda do Sr. Arcebispo. No dia seguinte, fiquei ciente de que o Sr. Arcebispo Não me havia telefonado e de que, também, fora burlado por esses salteadores, que precisam ser desmascarados para que esses planos diabólicos não continuem a envolver nomes de pessoas dignas em roubos e falsificações.

É assim que estamos vivendo, caros amigos, sofrendo as astúcias de vigaristas que vivem a planejar assaltos sobre aqueles que pensam no bem-estar dos seus semelhantes e têm a noção do sofrimento dos que vivem a carpir a vida na fome e na nudez.

Aos meus amigos vigaristas, uma pequena advertência. Diz o velho adagio popular: “O cântaro tanto vai à fonte, até um dia que lá fica”. 

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