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quinta-feira, março 18, 2021

CAPITÃO ADOLPHO LISBOA

Robério Braga, presidente da Academia Amazonense de Letras, em sua coluna dominical - CRÔNICAS DE DOMINGO, publicou o seguinte relato sobre Adolpho Lisboa, aqui compartilhado. Sou grato ao festejado cronista pela citação ao meu trabalho, que restou consolidado em Administração do coronel Lisboa (Manaus: Edições Muiraquitã, 2008), prêmio literário Cidade de Manaus.

 

A Crítica, 13 e 14 março 2021

Nos tempos idos da "belle époque" amazonense, andou por Manaus e adjacências um capitão do Exército que fez história, foi notícia, governo, chefe militar e autor de muita "danação", conforme contavam os antigos em termos comedidos, mas que, sem espanto, asseguravam ter sido tudo verdadeiro. 

Já chegou para comandar e, por isso, foi logo nomeado superintendente municipal ou prefeito da capital, por obra, graça, cortesia e, quem sabe, conluio com o poderoso governador Silvério José Nery. Sem sombra de dúvidas, entretanto, foi o responsável por audacioso plano de melhoramentos urbanos e suburbanos da cidade, incluindo as sofisticação do cemitério São João Baptista com sua entrada triunfal e sua capela gótica, a abertura do bairro do Mocó que se transformou em Vila Municipal, a ampliação do Mercado Público e seus contratos inexplicáveis, as novas ruas da Praça da Matriz e da Praça Tamandaré, mas, como registra mestre Agnello Bittencourt, jamais prestou contas de todos os recursos recebidos, salvo em relatórios que não demonstravam a forma de aplicação do dinheiro.

Na desapropriação do bairro do Mocó, por exemplo, ficou com ele o melhor lote, precisamente onde mandou construir um palacete, em forma de chalé, a que chamou de "Dona Zulmira", o conhecido castelinho da vila e cuja área externa, originalmente, era correspondente a muitos lotes reunidos; em terreno que comprou pouco antes dos melhoramentos urbanos que mandou fazer a na Rua da Matriz com Enrique Martins, construiu um prédio de dois andares; na Praça Tamandaré, teria se apropriado de um terreno municipal, de tal forma aberrante, a que teve briga judicial para excluí-lo de seu inventário após sua morte.

Como se não bastasse, foi por duas vezes comandante do Batalhão da Polícia Militar, rigoroso na aplicação das penas disciplinares, inclusive com constrangimentos físicos. Esbanjador de moedas de ouro e prata quando estava em Paris, principalmente não se continha em furor quando lhe pediam gorjetas, e talvez para vingar-se do pedido que deveria considerar ofensa, sacava do colete as moedinhas especiais e costumava jogar no chão para que o trabalhador apanhasse como se fosse mendigo.  

Mas era um festeiro, tanto assim que fez organizar e financiou com recursos municipais o mais importante carnaval de rua de Manaus até então conhecido, levado a efeito em 1902, para o qual fez questão de importar da Europa alguns carros alegóricos sofisticados e muitas fantasias. Estranho, entretanto, foi que, mesmo naquela hora de

alegria e festa, se manteve recolhido observando à distância o movimento que lotava a principal avenida da cidade, e os festejos que marcaram época. Não "se misturou" com o povo nem para experimentar as alegrias do Rei Momo.

O que ficou de sua passagem temporária na vida social, militar e política amazonense bem que poderia ser objeto de estudo mais apurado, seja por meio de uma revisão nos jornais de governo e de oposição que ocupavam o cotidiano dos cidadãos dos idos de 1900-1907, seja em obra do coronel Roberto Mendonça que resgatou em boas fontes grande parte da trajetória desse famoso capitão, para que não fiquemos somente com a má impressão que os seus conviventes nos legaram, ou com os registros de seu nome em letras garrafais no Mercado "Adolpho Lisboa" que, tal como o conhecemos nos dias de hoje, é uma de suas muitas obras de embelezamento e de possíveis orgias financeiras e “danação" política.

Quem sabe não surgem dissertações e teses acadêmicas sobre a presença de Adolpho Miranda Lisboa em Manaus, o capitão preferido por Silvério Nery.

Capa do livro mencionado


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