CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, novembro 02, 2018

DIA DOS FINADOS


Autor, observando o drone
Estive no cemitério São João hoje para um exercício lúdico, secundar ao amigo Darlan que usava seu drone. Na quadra destinada ao sepultamento de membros da Irmandade do Santíssimo Sacramento, local ainda conservado com respeito, onde estabelecemos o “droneporto”. O resultado fotográfico está sendo apurado.  

A data de hoje é destinada a nos lembrar dos antepassados, dos nossos mortos. Realizei isso de forma atravessada, todavia, possuo o irmão Renato Mendonça que aproveita ao extremo a data. Separado de nossa mãe pela distância geográfica, ele que a perdeu com um ano de idade, ainda assim, mantém com ela – Francisca Lima um relacionamento denso.
Para ratificar esse devotamento, compartilho dele a crônica abaixo, encartada no seu livro Renato, aos poucos II – memórias, crônicas & contos. (Niterói: Clube de Autores, 2018).

MAIS UM DIA
[escrito em] 02/11/2004

Estive no cemitério, aqui em Niterói, em mais um Dia de Finados. Hoje, não sei por que, não me sentia bem. A saúde parecia querer falhar; o fôlego estava aquém das minhas necessidades. Pensei com meus anjos: Será que é o peso dos anos?! Ou será que Jesus está me chamando? Se for, quero ser surdo. Acho que não era nada disso, estava desatento mesmo, e um pouco impaciente. O calor, diferente de outros anos, estava insuportável. Em condições normais não sentiria a temperatura e me concentraria só em reflexões.

Francisca Lima (1917-52)
Mesmo assim, cumpri meu ritual: acendi velas, procurei outros túmulos de pessoas conhecidas; busquei na administração a certeza da minha pesquisa e dediquei, dentro das minhas limitações, urna prece a todos eles.

Esse ano, por uma boa razão, me sentia mais tranquilo que nos demais: tinha conseguido, depois de vários planejamentos frustrados, a recuperação do túmulo da minha mãe. Contei com a ajuda providencial e necessária de meu pai e de meu irmão. Fiz um projeto e detalhei o tipo de revestimento. Imaginei-o todo revestido em azulejo branco, e uma cruz azul deitada na face superior, levemente inclinada, deixando a impressão de que se levanta da superfície.

Quis passar o conceito de que as pessoas ali enterradas, simbolizadas pela cruz, apenas adormecem e estão, com o passar do tempo, emergindo. Emergem em nossos corações e pensamentos; estão, a exemplo de Jesus, ressuscitando no exemplo de amor deixado nas suas biografias; e nos sensibilizando para os valores espirituais que precisam ser alcançados. E uma maneira de revitalizar essas pessoas tão queridas e importantes na nossa vida.

Não quero discriminar nenhum dos antepassados, todos deram sua contribuição para que eu estivesse aqui registrando essa crônica, porém estou dedicando essas linhas com o pensamento mais voltado para minha mãe e avó paterna. Foram elas que me salvaram de uma morte prematura e me educaram. E até hoje me educam; até hoje aprendo com os seus exemplos, com os seus legados.

À minha mãe, devoto, de vez em quando — particularmente, quando estou muito triste e reflexivo —, algumas lágrimas. Talvez as mesmas que ela derramou, e untou o meu corpo, quando teve que me abandonar precocemente. É a única coisa que posso dedicar-lhe nesses momentos. Repartir o amor, como se fosse o pão no gesto eucarístico de Cristo.

Refiz, mentalmente, uma imagem dramática de minha mãe dos seus últimos dias. E, baseado no sermão que ouvi de um padre recentemente numa missa de domingo, criei uma oração pra ela. Canonizei-a na minha doutrina, e apelo sempre quando tenho alguma angustia. Já senti seus afagos e o calor da sua voz espiritual em alguns momentos particulares da vida. (...)

Dediquei parte das minhas recordações à minha avó, quem me mostrou que sua simulada rudeza fazia parte do jogo da educação. E reconheço até que, por sua cultura provinciana, não tinha como me oferecer algo melhor. Mesmo assim, tenho as melhores lembranças de seu gesto e atitudes.

Descansem em paz!

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