Autor, observando o drone |
A data de hoje é destinada a nos lembrar dos antepassados, dos nossos mortos. Realizei isso de forma atravessada, todavia, possuo o irmão Renato Mendonça que aproveita ao extremo a data. Separado de nossa mãe pela distância geográfica, ele que a perdeu com um ano de idade, ainda assim, mantém com ela – Francisca Lima um relacionamento denso.
Para ratificar
esse devotamento, compartilho dele a crônica abaixo, encartada no seu livro Renato, aos poucos II – memórias, crônicas &
contos. (Niterói: Clube de Autores, 2018).
MAIS UM DIA
[escrito em] 02/11/2004
Estive no cemitério, aqui em Niterói, em mais um Dia de Finados. Hoje,
não sei por que, não me sentia bem. A saúde parecia querer falhar; o fôlego
estava aquém das minhas necessidades. Pensei com meus anjos: Será que é o peso
dos anos?! Ou será que Jesus está me chamando? Se for, quero ser surdo. Acho
que não era nada disso, estava desatento mesmo, e um pouco impaciente. O calor,
diferente de outros anos, estava insuportável. Em condições normais não
sentiria a temperatura e me concentraria só em reflexões.
Francisca Lima (1917-52) |
Esse ano, por uma boa razão, me sentia mais tranquilo que nos demais:
tinha conseguido, depois de vários planejamentos frustrados, a recuperação do
túmulo da minha mãe. Contei com a
ajuda providencial e necessária de meu pai e de meu irmão. Fiz um projeto e
detalhei o tipo de revestimento. Imaginei-o todo revestido em azulejo branco, e
uma cruz azul deitada na face superior, levemente inclinada, deixando a
impressão de que se levanta da superfície.
Quis passar o conceito de que as pessoas ali enterradas, simbolizadas
pela cruz, apenas adormecem e estão, com o passar do tempo, emergindo. Emergem
em nossos corações e pensamentos; estão, a exemplo de Jesus, ressuscitando no
exemplo de amor deixado nas suas biografias; e nos sensibilizando para os
valores espirituais que precisam ser alcançados. E uma maneira de revitalizar
essas pessoas tão queridas e importantes na nossa vida.
Não quero discriminar nenhum dos antepassados, todos deram sua
contribuição para que eu estivesse aqui registrando essa crônica, porém estou
dedicando essas linhas com o pensamento mais voltado para minha mãe e avó
paterna. Foram elas que me salvaram de uma morte prematura e me educaram. E até
hoje me educam; até hoje aprendo com os seus exemplos, com os seus legados.
À minha mãe, devoto, de vez em
quando — particularmente, quando estou muito triste e reflexivo —, algumas
lágrimas. Talvez as mesmas que ela derramou, e untou o meu corpo, quando teve
que me abandonar precocemente. É a única coisa que posso dedicar-lhe nesses
momentos. Repartir o amor, como se fosse o pão no gesto eucarístico de Cristo.
Refiz, mentalmente, uma imagem dramática de minha mãe dos seus últimos
dias. E, baseado no sermão que ouvi de um padre recentemente numa missa de
domingo, criei uma oração pra ela. Canonizei-a na minha doutrina, e apelo
sempre quando tenho alguma angustia. Já senti seus afagos e o calor da sua voz
espiritual em alguns momentos particulares da vida. (...)
Dediquei parte das minhas recordações à minha avó, quem me mostrou que
sua simulada rudeza fazia parte do jogo da educação. E reconheço até que, por
sua cultura provinciana, não tinha como me oferecer algo melhor. Mesmo assim,
tenho as melhores lembranças de seu gesto e atitudes.
Descansem em paz!
Nenhum comentário:
Postar um comentário