Mais uma página do saudoso padre Nonato Pinheiro que, no Amazonas, foi membro da Academia de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico.
A postagem foi recolhida do Jornal do Commercio, (edição de 14 de março de 1969).
Causa-me admiração e tristeza
a indiferença que muitas pessoas votam às fontes de onde promanaram. Ignoram a própria
genealogia e são de todo em todo incapazes de saber quais os elos que as vinculam
aos membros de sua parentela. Essa ignorância chega, não raro, às raias do inconcebível
e do estarrecimento.
Sempre me entusiasmou a
investigação da minha árvore genealógica, e estou em condições de afirmar que,
entre os meus parentes, tanto da “gens paterna” como da “gens materna”, poucos
poderão ombrear comigo no conhecimento de nossas famílias. Dos meus quatro troncos,
dois avôs e duas avós, só conheci meu avô materno e minha avó paterna. Mas para
compensar as lacunas, privei da intimidade de duas tias-avós, irmãs de meu avô
paterno e também de três irmãos de minha avó materna, dois irmãos e uma irmã.
Foi o bastante para diplomar-me no conhecimento das minhas origens.
Conheci na intimidade (como
ambas me queriam!) duas irmãs de meu avô paterno: Elvira de Paula Gonçalves e Francisca
Xavier de Paula. Verificando em mim acentuado interesse no estudo genealógico da
família, puseram-me a par de grandes informações.
Tia Elvira morava em sua
residência própria, na confluência da rua de Monsenhor Coutinho com a Avenida
de Epaminondas. Parteira eximia, exercia a profissão sobretudo no seio da
colónia sírio-libanesa. Além de tia de meu pai, foi uma espécie de segunda mãe.
Meu pai, em solteiro, residia em sua casa primitiva, na rua do Major Gabriel.
Era para mim um prazer visitar minha tia Elvira. Frequentemente almoçava com ela,
e após a refeição, no pavimento térreo, armava-me a rede para a sesta e ficávamos
a conversar longamente.
Cada vez mais queria bem a
minha tia e muita a admirava. Com emoção tomei conhecimento da honestidade
intransigente com que exercia sua profissão. Mais de uma vez me confiou: “Raimundo,
tua tia, já recebeu, inúmeras vezes, ofertas pingues, tentadoras, para provocar
abortos. Meu filho, estas mãos estão limpas, nunca polui minha consciência com
essa ignominia!” Essa minha saudosa tia foi uma das fontes principais de que
dispus, para conhecer um pouco a minha família paterna. Meu avô era seu irmão
predileto, talvez por ser o caçula.
A outra tia-avó era tia Chiquinha,
Francisca Xavier de Paula. Enquanto posso depor, pelo que me foi dado observar
e ouvir de outros parentes, conservou sua virgindade até à morte. Nos últimos
anos de vida, dividia seus dias cm os parentes, passando meses na casa de um,
meses na casa de outro. Quando ia para casa, tinha atenções particulares, de
verdadeira ternura, para com o sobrinho padre. Cuidava do meu quarto, de minha
roupa, espanava os meus livros. E à noite, depois de servir um chá ou um gostosíssimo
mingau de caridade aos alunos internos de minha mãe, que lhe chamavam (essa construção
é mais vernácula do que “a chamavam”) tia Chiquinha, ia para o meu quarto. Sentava-se
numa cadeira de embalo, e punha-se a conversar longamente, caindo quase sempre
a conversa sobre membros e tradições da família. Eu, deitado sobre a cama, ouvia com prazer a
prosa atraente de minha querida tia
Outro parente meu, que me
foi fonte preciosa de informações acerca de nossa família foi o saudoso despachante
Carlos Gonçalves Filho, a quem chamávamos Carlinhos, na intimidade. Devo, ainda,
grandes e seguros informes sobre nossa genealogia à prima Judite Paula de
Castro, ora residente na Guanabara.
Foi com viva emoção que conheci
no Maranhão o genitor de minha mãe, já entrado em anos. Minha mãe era-lhe a filha
mais dileta. Foi comovente o primeiro abraço entre o avô e o neto, já de tonsura
aberta. Minha avó já não existia, mas lhe conheci dois irmãos e uma irmã. Um deles
foi magistrado em São Luís: Desembargador Joaquim Teixeira Júnior, que
desempenhou mais de uma vez as funções de presidente do Tribunal de Justiça.
Sucedeu-lhe na vaga o Desembargador Nicolau Dino de Castro e Costa, irmão do
nosso bom amigo jornalista Herculano de Castro Costa, de saudosa memória.
Gosto dos estudos de
genealogia, que se ocupa da origem das famílias. Nossa língua oferece-nos
copioso vocabulário genealógico: raça, raiz, tronco, ascendência, estirpe,
linhagem progênie, prosápia. Acompanho
com interesse as publicações do Instituto Genealógico Brasileiro: Revista Genealógica Brasileira; Anuário Genealógico Brasileiro; Biblioteca Genealógica Brasileira; Índices Genealógicos Brasileiros; Revista Genealógica Latina; Anuário Genealógico Latino e Biblioteca Genealógica Latina.
Estive um dia destes no Arcebispado,
para dois dedos de prosa com o apostólico arcebispo Dom João de Souza Lima.
Apesar de assoberbado de tarefas pastorais, encontra sempre um tempinho para
suas leituras, sobretudo dos livros que lhe enviam. Conhecendo meus pendores para
os estudos genealógicos, passou-me às mãos dois exemplares da plaqueta Ensaio Genealógico, interessante e bem documentado estudo sobre a progênie
da família Novaes, feito pela professora Stelia Margarida Novaes, de parceria
com o Dr. Severino de Novaes e Silva (Tipografia Marista, Recife, Pernambuco,
60 pp.)
No estudo da família Novaes,
os autores põem em erguido relevo a figura extraordinária de Veronica Gomes
Lima, “senhora de inexcedível caridade e de provada coragem” (p.41). era trisavó
de nosso arcebispo. Citando-lhe o ramo ancestral, lá figura o nosso eminente
metropolita: “o ilustre antíste D. João de Souza Lima – Arcebispo de Manaus,
capital do Amazonas. (p.45)
Dona Verônica era senhora de
muita coragem e bravura. Um dia prendem-lhe o marido, por questões políticas.
Joaquim Barbosa, mais conhecido pela alcunha de coronel Quinzeiro, ficou detido
na residência de Antonio Cavalcanti, primo de Dona Verônica. Que fez a valente
senhora? Armou 60 homens e marchou à frente deles para libertar o esposo. Antonio
Cavalcanti treme em face da notícia. Conhecia a tempera de aço da prima. Apressou-se
em mandar-lhe um emissário com a informação do relaxamento da prisão do
coronel.
Dono Verônica exige a
libertação imediata e incondicional do marido, o qual é posto em liberdade, um
tanto abatido em razão do jejum a que voluntariamente se submetera, em sinal de
protesto. Mulher valente, a trisavó do Arcebispo. Tacaratu [PE] e outros rincões
do Leão do Norte até hoje guardam os rasgos varonis dessa matrona respeitável,
que se impunha pela caridade e pela coragem indomável!
Pediu-me Dom João que
entregasse um exemplar do Ensaio Genealógico
à direção da Biblioteca Pública do Amazonas e o outro à diretoria do Instituto
Geográfico e Histórico do Amazonas. A plaqueta honra a dinastia dos Novaes, antiquíssima
família ibérica, que em Portugal surgiu com a própria formação histórica do
país, com Dom Afonso Henriques. (...)
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