Luiz
Ruas, que foi padre-poeta (1931-2000), manteve em A Crítica uma coluna intitulada Ronda
dos bairros. Esse exercício ocorreu do meado de 1957 ao início do ano
seguinte. Lembrando que o colunista escrevia sobre assuntos diversos, aquilo
que lhe parecia de interesse dos leitores.
Reproduzo o texto de 5 de novembro de 1957, em que o reverendo comenta o Dia de Finados.
Cemitério de São Francisco, ontem
Velas Acesas
Finados, já vai mais ou menos distante. Três dias nos separam do dia consagrado
àqueles que nos precederam com o sinal da fé, como reza a Sagrada Liturgia.
Assim mesmo vamos registrar alguns fatos que nos pularam diante dos olhos lá no
Campo Santo. Não se assuste, leitor, não se trata de histórias de mortos, mas
de vivos.
Como nos anos passados,
fui também eu no dia dois ao cemitério, apesar de me sentir mal diante de tanta
irreverência ali verificada. Não sei porque cheguei, porém, ao perceber uma
coisa até então deixada no rol das coisas sem importância e que, de repente, ao
anoitecer do dia dois p.p [próximo passado]
criou muita significância para mim.
É justamente quando a noite cai que o cemitério toma um aspecto de feérie.
Os milhares de chamas das velas crepitando sobre as campas em toda extensão
plana, pareceu-me o símbolo de uma luta da luz contra as trevas, da vida contra
a morte. Pareceu-me um esforço de ressurreição. A liturgia cristã que está na
base do costume das velas acesas não nos ensina de que elas são símbolo; da fé?
E a luz na terminologia joanica não é o símbolo de todas as mortes, inclusive a
do pecado? Pois bem, foi isso que me veio à mente quando alguém me perguntou:
– Para que servem as velas acesas?
O Busto
O
Governo Trabalhista do Sr. Plínio Ramos Coelho [1955-59] inaugurou o busto do extinto presidente Getúlio Vargas.
Isto sim, isto é que me deixa embasbacado. Que a Nação venere a memória dos
seus falecidos presidentes, está certo. Que um determinado partido venere a
memória de seu fundador, também está certo. Mas está errado é que se queira
fazer política à custa de defunto. Isso não. E está claro que o intento do
Governo Trabalhista espetando no cemitério o busto de Vargas, não tem outra
finalidade senão a de explorar ao máximo o nome e a memória do ex-ditador para
proveito dos que ainda lutam para conquistar o poder.
Esta,
aliás, não tem sido outra linha de conduta do Sr. João Goulart ao fazer tanto
espalhafato com a tal carta-testamento, cuja presunção chega aos limites do
ridículo. Getúlio àquela altura já devia estar meio alucinado, já devia ter
perdido o equilíbrio mental. Não há naquela história de entrar para a História
uns ressaibos do “que grande artista o mundo vai perder” de Nero?
O
busto no cemitério não tem sentido. Simplesmente.
O PADRE PREGANDO
Quando
entrei o padre estava pregando lá na capela e sua voz que o alto falante fazia
rouquenha chegou aos meus ouvidos:
– Rezemos para que saibamos sempre a vontade de Deus: Pai Nosso...
– Rezemos para que nos corrijamos de nossos vícios e alcancemos o perdão de
nossos pecados: Pai Nosso...
A
princípio estranhei aquilo. Não parece muito lógico, à primeira vista que no
dia dedicado aos mortos a gente esteja rezando por nós, os ainda vivos.
Estava
ainda estranhando a oração pelos vivos no dia dos mortos, quando me veio à
mente o poema de [Manoel] Bandeira, no qual ele pede que não se reze pelo seu pai, que
já está morto, mas por ele, o filho, que ainda está vivo. E, pensando bem, o
padre tinha razão. Os vivos precisam mais.
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