CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, setembro 29, 2024

POESIA PARA O DOMINGO

 Quase completando um século, a poesia foi gravada por Álvaro Maia, morto em 1969.



Sob o sol fugitivo, a tarde prisioneira

abre à invasão da noite as águas do Madeira...

Calor de Agosto. O vento encrespa o sorvedouro,

que embala ao vento langue as lentas ondas de ouro....

 

— Rema, barqueiro amigo! A noite se avizinha...

Não risca o espaço escuro uma asa de andorinha...

Deixa o barco fugir à flor da correnteza,

e apresta as férreas mãos com vigor e presteza...

Há quem te espere ansiosa, entre as portas da casa,

mostrando à boca em sangue um sorriso de brasa...

 

O sol filtra na queda o derradeiro feixe...

O nosso barco investe e corre como um peixe,

ora em quieto remanso, ora em maresia,

por entre a escuridão da mata fugidia...

 

Recurvo, o corpo de aço escandece e trabalha,

mas a ideia repousa à janela de palha,

onde um rosto amanhece e um corpo alvoroçado  

é um maduro pomar, onde cresce o pecado...

 

Tudo, em nosso redor, é um solene incentivo

a esse beijo de fogo, a esse abraço furtivo:

o vento, que te afaga, enchendo-te de frio,

este encanto, esta noite, esta cena, este rio,

tudo é um riso imaturo, uma carícia calma,

que se lançam do céu sobre as misérias da alma.

 

Ao rever a ampla selva em que folguei menino,

sinto o meu coração fender-se em brônzeo sino,

como se a terra fosse uma igreja, uma aurora,

e o meu corpo em delírio uma torre sonora...

Às ilusões da infância, a minha vida acorda:

cada sentido é a força e cada nervo é a corda,

que me levam no rio — áurea flor de bubuia,

na estranha languidez de uma branda aleluia...

 

A alegria luariza o sonho...

O sino canta

ante a consolação desta harmonia santa...

Ajoelho em pensamento, entrecruzando os braços,

para beber num sorvo as selvas e os espaços...

Insculpo em meu olhar, recolho nos ouvidos

tantos quadros da Vida em vidas repartidos...

 

Longas praias sem termo, onde alvejam gaivotas,

bosque em cores aberto e rio aberto em notas,

árvores de São João, sumaumeiras em prece,

doces recordações que nunca a fronte esquece,

haveis de embutir um dia, entre a lembrança rude,

na prata da velhice o ouro da juventude...

 

Sois o romance, a voz, que nos vem, de repente,

a uma valsa, a um perfume, a uma vista, em que a gente

ouve, abraça, recorda a trindade bendita

— a mãe, a noiva, a irmã, em doçura infinita.

 

Vivei, entrai em mim! Quero, tempos afora,

sentir-vos a vibrar, como vos sinto agora,

onde me surja a mágoa, onde me leve o sonho,

imagens maternais de meu berço risonho!

 

* * *

Mais distante, à distância onde a caudal não dorme,

desliza um batelão, vagaroso e disforme...

Hercules seminus lutam, batendo a voga,

e a espuma, em revulsão sob os remos que afoga,

confunde a queixa humana ao rumor de fadigas

da embarcação que lembra as galeras antigas...

 

 — Homens, ó meus irmãos, ó párias que aí dentro ides,

em dolentes canções para a dor de outras lides,

que buscais e quereis nesse destino obscuro,

despidos de ambição, cegos para o futuro?

 

Nada! Mas, na floresta onde as hordas selvagens

viam palcos de guerra ao verdor das ramagens,

traçais a nova estrada, ergueis o mundo novo,

por onde há de rolar em marcha um grande povo...

 

Os dias, que passais em conquistas e arrojos,

viverão dentro em nós, cantarão nos rebojos,

como o sangue brutal destas barrentas veias,

como o suave dulçor destas fulvas areias...

 

* * *

— Rema, barqueiro amigo! O vago céu escorre

uma toalha de breu sobre a tarde que morre...

Estas margens azuis são muralhas de fumo,

— muros de sombra e medo em que vamos sem rumo...

 

Tudo apavora, tudo assusta, tudo assombra,

nesta hora de refrega entre o sol-morto e a sombra...

Há bruxedos de anões sobre as luras do charco,

louras iaras trovando à passagem do barco...

 

Boia monstruoso, à proa, o balseiro de uma ilha...

 

Em cima, o bando irial das estrelas fervilha...

Erra o bosque em perfume. Há bocas nos barrancos

e o lindo luar nascente esparge lírios brancos ...

 

A noite aumenta o espasmo em que nos debatemos,

ouvindo no silêncio a música dos remos...

 

É a recompensa... E, enquanto idealizas o beijo

da que te espera muda, em pudor e desejo,

eu guardo a imensa voz destas imensidades

e encho o meu coração de vindouras saudades,

Terra, ó mãe, que me deste, em mesma hora dorida,

a luz do amor, o bem do sonho, o pão da vida!   

Revista Redempção

Ano I – maio 1925 – nº VII

 

sábado, setembro 28, 2024

Em 1965, ao comemorar o Jubileu de Ouro da evangelização do Rio Negro (AM), os Salesianos sob a orientação de dom Pedro Massa publicaram um livro registrando os caminhos percorridos e os personagens – eclesiásticos e políticos – que contribuíram com a obra. Por óbvio, vertendo reconhecimentos e bençãos sobre estes. Aproveito o livro editado, intitulado De Tupan a Cristo, para postar algumas páginas bem ilustrativas, começando com a do “tuxaua” Álvaro Maia (1893-1969), páginas que certamente fornecem detalhes da história amazonense.
Capa do livro

 

ÁLVARO MAIA

As missões salesianas desejam por em merecido destaque o nome de Álvaro Maia, que desde o início se revelou grande e devotado amigo, tendo sempre para com elas delicadas provas de amizade, que se revelaram em vários atos de sua administração como Interventor Federal e na qualidade de Governador do Estado.

Álvaro Maia

A Escola Industrial de Tapuruquara [atual Santa Isabel do Rio Negro] lhe deve uma das melhores provas de sua amizade, quando tendo que suspender a construção de seu imponente prédio, encontrou em Sua Excelência um amigo dedicado, que, vencendo dificuldades políticas então surgidas, conseguiu fazer chegar àquela obra um auxílio pecuniário substancial que lhe permitiu a sua definitiva conclusão.  

O nome de Álvaro Maia, que vem honrar a primeira turma de normalistas formada no ano passado naquele instituto, afirma a gratidão que os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora lhe devem como a um dedicado amigo e protetor.  Mas, o que melhor ainda atesta a amizade de Álvaro Maia, é o Patronato Santa Terezinha de Cachoeirinha [inaugurado em 1936], que é incontestavelmente a melhor obra de assistência feminina gratuita de todo o Norte do Brasil. (...)

Patronato Sta. Teresinha, em construção

Foi ele adquiriu vários dos vinte e tantos lotes em que estava, então, fracionada a atual área daquele estabelecimento resolvendo dúvidas para a indenização de pequenas faixas de terras e de pobres choupanas, amparando famílias que deviam dar lugar para a continuidade do terreno indispensável àquela obra, animando com sua presença os modestos inícios do Patronato desde quando se reduzia à residência e pequeno pátio do saudoso Professor Olímpio de Menezes, Álvaro Maia constituiu-se um dos maiores benfeitores daquela instituição, que agora é motivo de justificada honra para todo o Estado do Amazonas.

A ele a justa gratidão de milhares de jovens agora já devidamente diplomadas, que o consideram como amigo e benfeitor.

Poeta e orador, Senador pelo Estado, enaltecendo com seus primorosos discursos e sua capacidade intelectual, membro e depois presidente da Comissão de Relações Exteriores, representando nesta qualidade o Brasil nas grandes Assembleias da Europa, o modesto glebário, que ainda agora vive do seu pronunciado amor à gleba natal, prestou assinalados serviços à sua Pátria e num gesto feliz, na Comissão de Finanças no Senado, salvou a situação precária das missões, amparando-a de uma feita, no momento em que na votação final do Orçamento lhes haviam sido negados os recursos necessários para a sua manutenção.

Na pessoa de Álvaro Maia, a Missão Salesiana deseja manifestar sua gratidão também a todos os governadores, políticos e amigos do Estado, que amparam nas horas duras da necessidade os passos às vezes incertos, na longa caminhada pelos sertões adentro na sua conquista espiritual e civilizadora.

sexta-feira, setembro 27, 2024

NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PMAM (2)

 Dois tópicos destinados a endossar a história da PMAM, compartilhados de Relatórios da Interventoria Estadual, sob a administração de Álvaro Maia, tratada por Força Policial do Estado, referente aos anos de 1942-43 e 1943-44. A corporação, sob o comando do major EB Gentil Barbato, voltara a ocupar o icônico aquartelamento da praça da Polícia, depois de peregrinar por outros espaços, quando retornou às lides próprias do serviço. Abri ontem a postagem com o Relatório de 1942-43.

Antigo quartel da PMAM (acima) e
recorte do Relatório 👇

 

(...) O coronel Gentil [João] Barbato [1941-45], em espírito de disciplina e de trabalho, vem dirigindo as obras de readaptação, de acordo com os imperativos militares modernos. Os oficiais e soldados da Força Policial, a começar pelo respectivo comandante, são operários permanentes do Estado. Onde há uma necessidade pública, onde se verifica uma urgência de execução, explicável pela hora que atravessamos, falha de trabalhadores e de materiais, há o auxílio dos componentes da Força Policial.

Não apenas nos exercícios de preparação para a defesa do Brasil, onde se fizer necessária, como na manutenção da ordem, na Capital e nos postos do interior, na árdua abertura e escavação das rodovias, na construção de casas para trabalhadores, em carvão e lenha, na estiva para apressar a saída dos navios, no fornecimento de merenda aos escolares, os nossos soldados têm sido eficientes. O quartel da Força abriga operários fardados, prontos para qualquer necessidade.

Está em construção, no velho terreno que se destinava anteriormente à instrução de tiro, um stand nos moldes modernos, para o que concorreu a Interventoria, desapropriando pequenas casa contíguas. Estão sendo criadas oficinas para o movimento da corporação, produzindo-se já borzeguins [coturnos] para praças e oficiais, e uniformes.

quinta-feira, setembro 26, 2024

NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PMAM (1)

Dois tópicos destinados a endossar a história da PMAM, compartilhados de Relatórios da Interventoria Estadual, sob a administração de Álvaro Maia, tratada por Força Policial do Estado, referente aos anos de 1942-43 e 1943-44. A corporação, sob o comando do major EB Gentil Barbato, voltara a ocupar o icônico aquartelamento da praça da Polícia, depois de peregrinar por outros espaços, quando retornou às lides próprias do serviço. Ainda assim a situação era patética, pois a Escola Normal, destinada à formação de professoras, ocupava o andar de cima, enquanto os policiais abrigavam-se no andar térreo.

Quartel da PMAM em duas fases: anos 1940 e 1970

Outros detalhes: o stand anunciado foi projetado para aproveitar um terreno baldio, achavascado, no bairro da Cachoeirinha, antes da ligação deste com o de São Francisco. Pontos de referência: a atual EE Getúlio Vargas e o Instituto Adventista de Manaus.

Quase por certo, as oficinas de confecção de equipamentos devem ter funcionado na sede do antigo Piquete, à rua Dr. Machado, no bairro da Praça 14. Enfim, o cozimento das refeições passou a utilizar gás butano no comando de Assis Peixoto (1959-1961).

Detalhe do Relatório subscrito por Álvaro Maia, em 1943

(...) Quanto ao seu aprovisionamento atual, os gêneros são adquiridos sob concorrência pública, preparando-se as rações pelo sistema administrativo, do que resulta, além de não pequena economia, o controle direto, que liberta a Corporação de dependências estranhas. É feito pelo pessoal da Força o serviço do corte de lenha, que é o combustível usado nos fogões. Adquire-se a forragem, parte sob concorrência e parte por administração, com reais benefícios para o comércio local, sendo o capim produzido na própria Invernada.

Por circunstâncias decorrentes da situação em que se acha o Brasil, apresenta deficiências o suprimento de fardas às praças da Força, o mesmo acontecendo quanto ao calçado. Providências, porém, foram já determinadas pelo Governo para remediar essas faltas e outras, a que alude o relatório do comandante da Força, tenente-coronel Gentil João Barbato, dedicado e cuidadoso para com tudo que respeita à milicia estadual.

A Interventoria resolveu aproveitar a sugestão apresentada no relatório do comandante, em relação à montagem de uma enfermaria com todo o material que lhe inere e, com ela, a instalação de uma farmácia e de uma sala adequada para pequenas intervenções cirúrgicas.

Em 31 de dezembro do ano findo, o efetivo da Força Policial do Estado se representava por 28 oficiais e 423 praças.


terça-feira, setembro 24, 2024

DUELO ENTRE JOGADORES NACIONALINOS (1969)

 A encrenca que aqui compartilho de um jornal manauara somente será lembrada pelos mais antigos torcedores do “mais querido” amazonense. Briga entre jogadores do mesmo clube sempre acontecem, ainda ontem (23) dois atletas do “Papão” paraense – ao vivo - foram separados pelos colegas. Todavia, a disputa que reproduzo foi bem mais grave, Lió e Berto, do Nacional FC, marcaram encontro na rodovia AM 010, para resolver uma desavença. Detalhe: usando armas, que permite assegurar tratar-se de um duelo.

Vamos aos fatos, narrados com muito arrebatamento pelo jornalismo de A Crítica, edição de 21 de fevereiro de 1969.

Recorte do mencionado jornal
 

UMA velha rixa que ninguém sabe de que nasceu culminou ontem com um duelo à bala entre Berto e Lió, logo após o treino do Nacional, clube pelo qual jogam no quadro titular. A equipe profissional do clube realizava o primeiro treino, depois do período carnavalesco, e tanto o zagueiro quanto o atacante jogavam pelo mesmo lado, quando de repente passaram a discutir. Apartados a tempo, acertaram os dois um “tira-cisma” para fora de campo. Sem aceitarem deixar por menos, os dois tomaram suas motonetas e rumaram para a AM-1, escolhendo o km 10 para o duelo.

Lió chegou um pouco atrás de Berto e foi recebido com uma saraivada de tiros, dos quais dois o atingiram em cheio. Puxou sua arma, e respondeu à bala, atingindo de leve o zagueiro. Depois da luta armada, acompanhada de perto pelos jogadores Mário Jorge e Chiquinho, e de longe pelos outros companheiros do time, Lió caiu sem forças e era transportado para o “Pronto Socorro São José”, enquanto Berto fugia num Volks de cor gelo.

DISCUSSÃO

Nenhum jogador do Nacional sabe a origem da discussão. Nem mesmo os que atuavam mais perto dos dois. Só viram quando um chamou o outro para brigar. Foi Berto que tomou a iniciativa e Lió topou a parada dizendo que era homem para brigar em qualquer parte. O técnico Barbosa Filho interveio com energia e fez ver aos dois que se quisessem brigar, deixassem para depois do treino, sob pena de estragarem sua carreira esportiva. Os dois concordaram em continuar o treino sem brigas, mas acertaram logo que depois iriam ajustar as contes.

Quando o “bate-bola” encerrou, no caminho para o vestiário ao lado da sede nova, Lió indagou a Berto: Como é, vai ser aqui, ou lá fora?

Nesta ocasião os outros jogadores chegaram e evitaram o choque, do que se aproveitou Berto para propor a saída para a AM 1. -- Aceito, e vou já, disse Lió.

Ambos entraram no vestiário sem ligar para os pedidos dos amigos, Berto nem tomou banho. Tirou o uniforme e vestiu uma calça preta e camisa branca, pegou sua “bereta”, botou na cintura e saiu em uma motoneta. Lió não se apressou muito. Tirou o uniforme, tomou banho, vestiu uma camisa, limpa e foi de calção para sua lambreta. Com uma diferença de dois minutos seguiu Berto pela Estrada do Parque 10. Os demais jogadores que têm motonetas seguiram atrás, mas os primeiros foram Mário Jorge e Chiquinho, que montava a “Honda” deste último.

Quando Berto atingiu o quilômetro 10, perto da Ponte do Parque 10, parou sua máquina e a colocou no descanso, passando a esperar por Lió. Quando este chegou e foi freando a lambreta, foi surpreendido com os tiros. Dois lhe atingiram em cheio, um no pé esquerdo e outro na inguinal direita (virilha). Se esquivando por trás da máquina, Lió tirou do porta-luvas um revólver e enfrentou o inimigo. Berto subiu o barranco, escondendo-se por trás de umas árvores. Lió na perseguição. De quando em quando, disparavam. No intervalo de um para outro tiro, Chiquinho e Mário Jorge se aproximavam dos dois pedindo por tudo que acabassem com aquilo. Mas Berto os afastava, apontando-lhes a arma. (...) 

POLÍCIA

Ao mesmo tempo em que que o comissário Salum Omar, da Delegacia de Segurança chegava ao Pronto Socorro, vários soldados da Polícia Militar iniciavam o trabalho de isolamento do hospital, pois populares estavam prejudicando a ação dos médicos e enfermeiros, querendo ver o jogador baleado. O comissário Salum Omar anotou alguns detalhes e tomou nota do nome de uns 10 jogadores que serão ouvidos hoje no inquérito instaurado. Até às 22 horas, Berto continuava desaparecido, embora houvesse a informação de que se encontrava na residência do advogado Benjamim Ramos.

Jogador Lió

QUEM É QUEM

Leonardo Andrade, baiano, 24 anos solteiro, é Lió. Joga no Nacional, onde é o maior ídolo da torcida, há quase dois anos. Durante este período esteve fora da equipe por duas vezes. Na primeira oportunidade foi a São Paulo operar os meniscos.  Depois, foi vítima de um acidente de trânsito montando a mesma lambreta que ontem utilizou para ir ao local do duelo. É tido como jogador padrão. Goza de grande cartaz com a diretoria do clube e com a torcida.

Lauriberto Ignácio é o nome de Berto, um crioulo de 1m72, quarto zagueiro do quadro nacionalino do qual se encontrava afastado por enfermidade. É um jogador de grande cartaz no seio da torcida, porém, tido como mau-caráter. Diferente de Lió — que com tudo concorda com a Diretoria -- Berto é tido como “um criador de casos”. Já andou até envolvido em casos policiais, numa das vezes por agressão a uma mulher. Há quem diga até que a rixa surgiu há quase um ano por causa de mulher.

domingo, setembro 22, 2024

POESIA PARA O DOMINGO

 A poesia para este domingo pertence ao mestre desta arte Farias de Carvalho (1930-1997), que foi publicada pelo Jornal do Commercio, na edição de 19 de outubro de 1969.

 

Jornal do Commercio, 19 out. 1969

DIDÁTICA INÚTIL

 

Farias de CARVALHO

Para André Araújo, irmão

 

Eis-me aqui.

Aqui. Sobre esta gávea de assombros,

carcomido de vento e de silêncio,

tão duramente cego ainda,

como no instante estúpido do espasmo

que me trouxe a este mar do não-saber.

Meteoro ignoto,

cumpro-me em rotas claras de estilhaços

nesse buscar-se atônito e remoto,

onde a trilha das traças nas estantes

mais escurece o abismo dos instantes

distantes, do saber; mergulho inútil,

esse naufrágio em lagos bolorentos

rebuscando o esqueleto das palavras

nos seus sarcófagos frios e poeirentos.

 

Do que serve a mecânica dos astros

esculpida nos riscos e equações

desses mapas de humana geometria

se sobre o pântano, a corola fria

do lotus guarda mais sabedoria

do que todos os ciosos pergaminhos

que se hoje são, é porque ontem foram

sombra e ninho à margem dos caminhos?

 

OH! Os relâmpagos do caos, por essas messes

que não sabemos, mas, em nós,

enfuna as bujarronas do viajar

por esses mares todos feitos de ar!

 

HO! Os relâmpagos do caos, por essas messes

onde a inútil colheita apodrece

nos desastres da busca, palimpsestos

acolhendo em seu ventre, como cestos,

essa poeira vã dos cérebros aflitos  

que as lunetas gastaram, pobres gritos

afogados nas noites desse lodo

onde ainda orquestramos nosso engodo.

 

 

O melhor é gozar entre os crepúsculos

o incêndio do festim, e nesse ir

de desastre em desastre, plantar musgo sobre  

                        o muro da pálpebra, e dormir. 

sábado, setembro 21, 2024

CMA: INSTALAÇÃO EM MANAUS

A instalação do CMA (Comando Militar da Amazônia) em Manaus, oriundo de Belém do Pará, motivou esplendido júbilo nesta capital. A imprensa, como para registrar este sentimento, produziu páginas de louvores. O Jornal, um dos periódicos em circulação, editou uma página dando as boas-vindas a este grande comando das Forças Terrestres, ainda em nossos dias disciplinado a atuação verde-oliva na Amazônia. José Feitosa subscreveu a matéria pautada na edição de 3 de julho de 1969, aqui parcialmente compartilhada.

 


PARA se contar em minúcias a história do Exército na Amazônia Ocidental será necessário retroceder nos anos, até os tempos mais remotos da nossa era, quando da descoberta e daí partir para o crescente movimento feito na região, procurando desenvolvê-la e fazê-la notada por todo o resto do país e do Mundo, (...) 


NÃO É COMO ATUALMENTE —O Grupamento de Elementos de Fronteiras que conhecemos hoje não nasceu viçosa como hoje é, e sim, foi fruto de um intrincado processo evolutivo que tem suas raízes no estabelecimento dos primeiros fortes portugueses, que no século XVII tomaram posse da terra para a Coroa Lusitana. Dalí, até os nossos dias, mesmo encontrando os mais sérios obstáculos em sua caminhada os valentes soldados sempre se mantiveram firmes no Amazonas, procurando dar tudo de si para o desenvolvimento dessa área.

Os maiores obstáculos encontrados pelos primeiros militares que se fixaram no Amazonas, foram as distâncias, a falta de recursos de entidades oficiais, e principalmente as dificuldades criadas pelo próprio meio ambiente, as quais não permitiam um método normal de vida dos mesmos. (..) 

27º COLABOROU DECIVAMENTE —Vale ressaltar que para a formação dos pelotões de fronteiras, as sementes foram tiradas do 27º Batalhão de Caçadores, entre os anos de 1920 até 1942, quando aquela corporação colaborou decisivamente para manter sempre firmes os pelotões de fronteiras que vigiavam as áreas divisórias em nosso território mantendo sempre presente a Bandeira Brasileira no meio da verdejante floresta amazónica. Sacrifício e Tenacidade nunca faltaram aos gloriosos soldados daqueles tempos, para a manutenção dos contingentes destinados à segurança da área mesmo levando em conta as adversidades do meio ambiente, e só graças a essa tenacidade pudemos chegar aos nossos dias caminhando a passos largos para a efetiva ocupação de toda a Amazônia Ocidental conforme os planos estabelecidos pelo Governo Revolucionário. 

O COMANDO DE FRONTEIRAS —Só no ano de 1948, considerando uma serie de fatos, entre os quais o vulto das experiencias e das distâncias para a manutenção do comando, rasolveu.se finalmente criar o Comando de Elementos de Fronteiras (CEF), ficando o seu comando atribuído a um major. Foi o primeiro comandante do Comando de Elementos de Fronteira o major Mattoso Maia que ao assumir o posto procurou imediatamente pôr em franco funcionamento todo o dispositivo militar necessário a uma franca ocupação da área obtendo pleno e absoluto sucesso em sua missão, começando daí uma nova era de progresso para a região, justamente porque, com a criação do Comando de Elementos de Fronteira, novas oportunidades de civilização foram abertas e novos métodos de trabalho puderam ser empregados em virtude da maior atenção dispensada pelas autoridades competentes a toda a região.

O principal objetivo do Comando de Elementos de Fronteira, segundo está expresso na Portaria Ministerial que o criou, era de "proporcionar aos elementos destacados em guarnições longínquas e desprotegidas de recursos, objetiva e pronta assistência, e de coordenar suas atividades". Essa Portaria só se objetivou em abril de 1949.

Nessa época, voltavam à discussão antigas e sopitadas aspirações estranhas aos nossos interesses que sob forma "Altruísta", desejando torna-la útil a Humanidade "com fome de espaço e de alimentos'', de nações superlotadas e famintas, se propunham à Internacionalização da Hileia Amazônica.

Em virtude disso, o EME, juntamente com os demais órgãos responsáveis pela segurança da Nação, recebeu incumbência de estudar um equipamento mais adequado à Amazônia, atenta as suas possibilidades. Postas mãos à obra, pelo Exército, foi criada uma Comissão Militar de Estudos (CME). Em virtude desses estudos e de medidas governamentais vieram para a Amazônia vários órgãos que deram início realmente a uma nova política de valorização da Amazônia, (...) mas que agora, graças à fibra e tenacidade do soldado do glorioso Exercito Brasileiro, já estão praticamente controladas e dando oportunidade a que comecemos a trilhar os verdadeiros caminhos de glória que sempre almejamos (...).

Hoje, quando se celebra a solenidade de instalação do Comando Militar da Amazônia em Manaus, em solenidade que será realizada às 16 horas na Praça General Osório, sob a presidência do ministro do Exército, general Aurelio Lyra Tavares, os brasileiros do Amazonas estão ainda mais certos e convictos de que os esforços feitos pelos nossos antepassados e pelos componentes do Exército dos nossos dias não foram em vãos (...).


terça-feira, setembro 17, 2024

BATEDORES DA POLÍCIA DO EXÉRCITO

Em pesquisa sobre o policiamento motorizado na PMAM (Polícia Militar do Amazonas), deparei com o uso de motocicletas, obviamente importadas, no primeiro governo de Gilberto Mestrinho (1959-63). Detalhe: serviram para uso dos primeiros, digamos, “batedores” da corporação. Com a instalação da Zona Franca de Manaus, o governo do Estado importou, em 1972, quatro motos Harley Davidson e, com essas, adestrou a equipe de “batedores”, cujo treinamento ocorreu junto à então Cia PE (Companhia de Polícia do Exército). O treinamento capacitou a turma a realizar, entre outras exibições, a pirâmide apoteótica no desfile do Dia da Pátria.

Revirando arquivos jornalísticos, encontrei a foto aqui postada em A Gazeta (07 dez. 1963), que exibe “batedores” da PE (Polícia do Exército), em frente ao Hotel Amazonas, empregando a motoneta “Vespa” no serviço. A minha estranheza advém do fato de desconhecer o uso deste veículo no âmbito militar. Enfim, repetindo o velho adágio: quem não tinha cão, caçava com... Vespa.

Para saber mais sobre este serviço, consultar os “Batedores da PMAM”, neste blog.

 

Recorte de A Gazeta, 7 dez. 1963

GARBO, PRESTEZA E EFICIÊNCIA

O policiamento ostensivo do Exército tem uma história, que vem desde as patrulhas ocasionais até à organização moderna e atual. Manaus lembra-se muito bem dos soldados ainda do tempo do culote e da perneira, cinto-de-guarnição e sabre à cintura, percorrendo a cidade à noite, porque “depois de 10 horas, soldado não anda na rua”. À paisana também era “recolhido”. Quando a ordem era perturbada, a patrulha saía reforçada, com soldados de dia à “companhia”, ou da própria guarda-do-quartel. O RDE (Regulamento Disciplinar do Exército) era o manual da patrulha. Depois, apareceram as braçadeiras da PV (patrulha volante), até a PE atual, famosa e respeitada, com sua constituição aprimorada, de carro ou de lambreta e raramente a pé. PE, antigamente, era o Pelotão Extra, que abrigava a turma burocrata do quartel. Agora PE é PE mesmo, Polícia do Exército, com função especificada.

segunda-feira, setembro 16, 2024

IMÓVEL PECULIAR NO IGARAPÉ DE MANAUS

 A publicação de A Gazeta, edição de 4 de novembro de 1963, ao meu ver, registra a primeira residência “estilosa” edificada naquele igarapé, o de Manaus. Outras existiram no local e foram motivos de fotos, em particular, de turistas, e de bisbilhoteiros com tanta “engenharia" empregada. 

Recorte do jornal mencionado

A Cidade em Foto

Cartão Postal para Turismo Abstrato

Não é pagode chines. Tampouco uma palafita e muito menos, embora pareça, um pombal em estilo modernista. Entre o asfalto da [rua] Major Gabriel e o leito seco do igarapé da Primeira Ponte, a residência se ergue contrariando todas as regras arquitetônicas. Tem leme, proa, passadiço, aviso aos navegantes. Mas não é navio. Também possui telhado. Na falta de simetria, pode ser encontrada muita beleza. Em seus seis andares, um pouco de majestade sobre os humildes flutuantes da margem oposta. Oscar Niemeyer e Lúcio Costa perderam o cartaz. Se Juscelino soubesse. Brasília seria bem diferente... 

Notas do administrador1) a primeira ponte romana cobre o igarapé de Manaus; 2) acredito que este imóvel estava construído com frente para a rua Ipixuna, pois (com algum esforço) se pode observar ao fundo residências demolidas junto ao Palácio Rio Negro.

domingo, setembro 15, 2024

POESIA PARA O DOMINGO

 Houve um tempo – somente os idosos se lembram - em que os jornais publicavam com assiduidade poemas de indistintos autores. Em datas comemorativas, a produção aumentava. Até os domingos serviam para uma coluna mais apurada, como a que compartilho de O Jornal, edição de 29 de janeiro de 1956.

 

Recorte do referido periódico

 

SERENATA

 

A avenida, silente, iluminada,

Está deserta. E um trovador, apenas,

Evocando a evidência de Mecenas.

Modula estrofes de amor à sua amada.

 

Ela que em níveo leito está deitada,

Lembrando Aspásia na formosa Atenas,

Aromas trescalando de açucenas.

Tremente, abre a janela, apaixonada

 

E na amplidão da noite tão imensa,

A lua branca lá no céu fulgura,

Qual se fora de luz hóstia suspensa.

 

O trovador, de crença a alma constela,

Que do seu peito, em mística figura,

Nasce a canção de amor mais pura e bela.

 

 

A  PA R T ID A

 

Parti, chorando, em busca de outro norte,

Naquela tarde clara de setembro...

E agitado fiquei, membro por membro,

Quando um triste anexim pintou-me a sorte.

 

Passou-se o tempo. E hoje, inda me lembro

— Esquecer quem há-de a emoção mais forte? --

Da formosa Raquel -- seu belo porte —

Imagem viva que jamais deslembro.

 

Raquel, quando eu parti, chorara tanto

Que eu vi nos olhos seus de uma fonte amara

Cair torrentes de um dorido pranto.

 

Longa tristeza. Tão cruel martírio!

O anexim cumpriu-se. E com a dor ficara

Roxa saudade, como um roxo lírio.

 

O Jornal,

29 de janeiro de 1956