Deve ter sido essa a dúvida na residência de Manuel e Francisca, quando nasceu o terceiro filho do casal, em 1951. O segundo nome - Renato - já estava estabelecido, faltava o primeiro. Para resolver o impasse, o casal recorreu à folhinha do
Sagrado Coração de Jesus: era dia (como hoje) dos apóstolos Pedro e Paulo, com o primeiro Papa da Igreja dominando a festa religiosa. Pronto: Pedro Renato, que hoje festeja 71 anos, razão dos meus votos de saúde e de créditos diversos para consumir com a família.
É dele o texto aqui compartilhado, em que Renato traça linhas entre o número de sua idade e outras sinalizações.
O CASO DO ‘SETE UM’
29.06.2022
O número tornou-se pejorativo ao longo do tempo e virou um jargão popular. Do texto da Lei 2.848/1940, extraiu-se o artigo 171 para qualificar uma espécie de estelionato praticado desde os velhos tempos. Nem sei se atualmente se aplica a tal lei quando o indivíduo é acusado de obter para si ou para outrem vantagem ilícita; e como pena de reclusão, de um a cinco anos e multa de quinhentos mil réis a dez contos de réis. Observem que os valores monetários se tornaram obsoletos e impraticáveis, assim como a prática do crime parece que está banalizada, principalmente no meio político do nosso país.
Por conta da
oralidade, do artigo lhe amputaram o primeiro “um” — para não ficar repetitivo,
talvez — e se consolidou em gíria apenas o “sete um”. Hoje o número carrega nas
costas outros pequenos delitos cometidos nas relações sociais entre os
indivíduos. Pode ser um fingidor, um plagiador, assim como aqueles mentirosos
de natureza leve. Mas pode ser também os que não carregam consigo nenhuma dessas
desqualificações, apenas fogem da normalidade do ser humano, ao abrigarem em
seu espírito um pouco da inquietude ou sanha da delinquência juvenil. Algo que
os fazem diferentes de pessoas normais, ou acomodadas e sem brio. Usando um
argumento supostamente filosófico, podemos afirmar que a mentira, em alguns
casos, tem um valor intrínseco mais nobre que a verdade, principalmente se a
inverdade tem o propósito de salvar uma vida.
Vejam bem que eu estou
tentando desmistificar a carga negativa do número para lhe dar uma legenda com
mais dignidade. E por que estou advogando essa causa? Porque agora, a partir da
data de hoje, vou conviver com esse número representando a minha nova idade.
Quero que, durante
esse novo ciclo que se inicia, ele — o bendito sete um — seja apenas um pequeno
símbolo do estoicismo, sempre dentro do princípio da ética e da moral
humanística; quero que o número e a idade me abasteçam dos princípios
filosóficos extraídos da essência da doutrina fundada por Zenão de Cítio.
Que a nova idade e a
mística das relações humanas, baseadas no amor ágape endossado pelos
ensinamentos de Cristo, possam reapertar os laços familiares e me congregar como
um missionário da fé e do amor na intenção de fomentar a unidade.
Aproveito para
agradecer o calor das fogueiras que, junto com as bençãos de São Pedro,
aqueceram minha alma e, por consequência, extravaso aqui minha gratidão pelo
espetáculo da vida. Sou grato por estar são, com boa cognição, imaginando-me
com a saúde razoável e tentando expressar nessa crônica a absoluta gratidão a Deus.
Tenho a consciência
da exata missão da qual estamos imbuídos. É assim: todo ser humano tem seu encargo
na vida, uma cruz que precisa ser carregada ao longo do caminho, não
necessariamente um calvário. Mas é preciso se espelhar no modelo divino da vida
do Salvador. Lembremo-nos da sua cruz, da sua dolorosa paixão. E não nos esqueçamos
da sua glória, da sua ressurreição — da vitória da vida! Pode ser essa a
mística que transcende o nosso entendimento: quando realizamos nossa missão com
amor, com entrega e dedicação, estamos ressuscitando sempre, a cada dia que
nasce.
Desejo, acima de
tudo, que não se extirpe de dentro de mim as paixões da vida, para que se possam
incorporar afetos e saudades de quem amamos. Quero sentir o encanto pela beleza
arquitetônica do Criador; que nem a soberba nem o egoísmo se interponham nas
minhas atitudes. Quero ter a consciência das minhas próprias limitações, mas me
facultar servir ao outro mais necessitado, e viver as coisas simples. E me seduzir
por elas...
Já que não posso me
esquivar da idade, desejo que a idade me aceite, a fim de que as pessoas que
não me conhecem me vejam apenas como um “coroa” — um belo eufemismo para “velho”.
E outra coisa: que esse marco temporal passe despercebido por mim. Não tenho
certeza disso, no entanto acredito que a partir do sete um deixa-se de
lado, sossegado, o espírito irrequieto do menino que assumia o corpo, e fica
apenas o resquício da inquietude que se abrasa no peito.
Agora, somam-se às antigas
preocupações, outras: além da saúde — tema relevante em qualquer idade —, há
também que lutar com as armas que dispõe para não ver juntar os dois primeiros vocábulos
do título dessa crônica. Anseio que o “O” fique sempre separado do “caso”, para
que eu não veja tão cedo o infausto poente da vida.
Para que isso
aconteça precisamos enganar o tempo e fazê-lo acreditar que somos sete um
mesmo, com o aval de Deus. Mesmo com o desfolhar do calendário, nunca devemos
exilar de nossa alma a irreverência e a alegria convertidas no deleite da vida.
Aprendendo, cada vez mais, a conhecer a mim mesmo, procuro acatar essas dádivas
com prazer, como um presente permanente muitas vezes oportunizado pelos filhos
e pelos netos, que me encantam independentemente da idade; e me doam o carinho
e o amor que necessito.
E como me doam!
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