CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, junho 29, 2022

PEDRO OU PAULO: EIS A QUESTÃO


Deve ter sido essa a dúvida na residência de Manuel e Francisca, quando nasceu o terceiro filho do casal, em 1951. O segundo nome - Renato - já estava estabelecido, faltava o primeiro. Para resolver o impasse, o casal recorreu à folhinha do
Sagrado Coração de Jesus: era dia (como hoje) dos apóstolos Pedro e Paulo, com o primeiro Papa da Igreja dominando a festa religiosa. Pronto: Pedro Renato, que hoje festeja 71 anos, razão dos meus votos de saúde e de créditos diversos para consumir com a família.

É dele o texto aqui compartilhado, em que Renato traça linhas entre  o número de sua idade e outras sinalizações.

O CASO DO ‘SETE UM’

29.06.2022

 

O número tornou-se pejorativo ao longo do tempo e virou um jargão popular. Do texto da Lei 2.848/1940, extraiu-se o artigo 171 para qualificar uma espécie de estelionato praticado desde os velhos tempos. Nem sei se atualmente se aplica a tal lei quando o indivíduo é acusado de obter para si ou para outrem vantagem ilícita; e como pena de reclusão, de um a cinco anos e multa de quinhentos mil réis a dez contos de réis. Observem que os valores monetários se tornaram obsoletos e impraticáveis, assim como a prática do crime parece que está banalizada, principalmente no meio político do nosso país.

Pedro Renato 71a

Por conta da oralidade, do artigo lhe amputaram o primeiro “um” — para não ficar repetitivo, talvez — e se consolidou em gíria apenas o “sete um”. Hoje o número carrega nas costas outros pequenos delitos cometidos nas relações sociais entre os indivíduos. Pode ser um fingidor, um plagiador, assim como aqueles mentirosos de natureza leve. Mas pode ser também os que não carregam consigo nenhuma dessas desqualificações, apenas fogem da normalidade do ser humano, ao abrigarem em seu espírito um pouco da inquietude ou sanha da delinquência juvenil. Algo que os fazem diferentes de pessoas normais, ou acomodadas e sem brio. Usando um argumento supostamente filosófico, podemos afirmar que a mentira, em alguns casos, tem um valor intrínseco mais nobre que a verdade, principalmente se a inverdade tem o propósito de salvar uma vida.

Vejam bem que eu estou tentando desmistificar a carga negativa do número para lhe dar uma legenda com mais dignidade. E por que estou advogando essa causa? Porque agora, a partir da data de hoje, vou conviver com esse número representando a minha nova idade.

Quero que, durante esse novo ciclo que se inicia, ele — o bendito sete um — seja apenas um pequeno símbolo do estoicismo, sempre dentro do princípio da ética e da moral humanística; quero que o número e a idade me abasteçam dos princípios filosóficos extraídos da essência da doutrina fundada por Zenão de Cítio.

Que a nova idade e a mística das relações humanas, baseadas no amor ágape endossado pelos ensinamentos de Cristo, possam reapertar os laços familiares e me congregar como um missionário da fé e do amor na intenção de fomentar a unidade.

Aproveito para agradecer o calor das fogueiras que, junto com as bençãos de São Pedro, aqueceram minha alma e, por consequência, extravaso aqui minha gratidão pelo espetáculo da vida. Sou grato por estar são, com boa cognição, imaginando-me com a saúde razoável e tentando expressar nessa crônica a absoluta  gratidão a Deus.

Tenho a consciência da exata missão da qual estamos imbuídos. É assim: todo ser humano tem seu encargo na vida, uma cruz que precisa ser carregada ao longo do caminho, não necessariamente um calvário. Mas é preciso se espelhar no modelo divino da vida do Salvador. Lembremo-nos da sua cruz, da sua dolorosa paixão. E não nos esqueçamos da sua glória, da sua ressurreição — da vitória da vida! Pode ser essa a mística que transcende o nosso entendimento: quando realizamos nossa missão com amor, com entrega e dedicação, estamos ressuscitando sempre, a cada dia que nasce.

Desejo, acima de tudo, que não se extirpe de dentro de mim as paixões da vida, para que se possam incorporar afetos e saudades de quem amamos. Quero sentir o encanto pela beleza arquitetônica do Criador; que nem a soberba nem o egoísmo se interponham nas minhas atitudes. Quero ter a consciência das minhas próprias limitações, mas me facultar servir ao outro mais necessitado, e viver as coisas simples. E me seduzir por elas...

Já que não posso me esquivar da idade, desejo que a idade me aceite, a fim de que as pessoas que não me conhecem me vejam apenas como um “coroa” — um belo eufemismo para “velho”. E outra coisa: que esse marco temporal passe despercebido por mim. Não tenho certeza disso, no entanto acredito que a partir do sete um deixa-se de lado, sossegado, o espírito irrequieto do menino que assumia o corpo, e fica apenas o resquício da inquietude que se abrasa no peito.

Agora, somam-se às antigas preocupações, outras: além da saúde — tema relevante em qualquer idade —, há também que lutar com as armas que dispõe para não ver juntar os dois primeiros vocábulos do título dessa crônica. Anseio que o “O” fique sempre separado do “caso”, para que eu não veja tão cedo o infausto poente da vida.

Para que isso aconteça precisamos enganar o tempo e fazê-lo acreditar que somos sete um mesmo, com o aval de Deus. Mesmo com o desfolhar do calendário, nunca devemos exilar de nossa alma a irreverência e a alegria convertidas no deleite da vida. Aprendendo, cada vez mais, a conhecer a mim mesmo, procuro acatar essas dádivas com prazer, como um presente permanente muitas vezes oportunizado pelos filhos e pelos netos, que me encantam independentemente da idade; e me doam o carinho e o amor que necessito.

E como me doam!

 

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