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quinta-feira, junho 16, 2022

DESASTRES NA AMAZÔNIA

 Estou ultimando um trabalho sobre o acidente de aviação com o Constellation da Panair do Brasil nas cercanias de Manaus, em dezembro de 1962. As operações de busca e salvamento levaram sete dias para alcançar os destroços e os despojos. Estavam mortos todos os ocupantes do avião, sendo 43 passageiros. Para tentar explicar os motivos de tantos desatinos há sessenta anos, fiz uma ligeira comparação com dois eventos recentíssimos, para provar como andamos desassistidos. O segundo, encerrado há horas: o assassinato de Dom & Bruno.

Detalhe da 1ª página de jornal, edição de 15.12.1962

Ao final de tantas ferocidades, pode-se arquitetar que a indigência de Manaus contribuiu enormemente para o desastre do PP-PDE, tanto pela ineficiência de comunicação com a aeronave e um simulacro de aeroporto. Quanto aos mortos, poucos foram os corpos que puderam ser sepultados, nenhum pode ser visto pelos familiares, tal a degradação de todos. Famílias e famílias receberam apenas aquele caixão como um símbolo, pois nada havia no seu interior que pudesse ser apreciado, reverenciado.

Agora aos fatos sucedidos em 2022: 1) em 24 de março, o barco regional “Bom Jesus” deixou Santarém (PA) com destino ao município de Chaves (PA) na ilha do Marajó, com apenas a tripulação de 6 pessoas (5 homens). Resolvido o que tinha que resolver, o barco navegou para a localidade de Nazaré, ainda no arquipélago marajoara. Dia 28, o “Bom Jesus” sofreu um incêndio, restando aos tripulantes se refugiar em uma ilha. Com pouca comida, sem água potável, mas todos com seu celular, que em nada auxiliou, pois no local não há sinal de telefonia. E, pior, a ilha encontra-se fora da rota de navegação.

Diante desse quadro, restou aos náufragos se alimentar como plausível, recolher a água da chuva para uso, enviar sinais de fumaça, e esperar... O tempo foi passando e nada de socorro, porém. Decidiram, então, recorrer ao medieval pedido de SOS marítimo, que consistia em colocar o pedido em uma garrafa e soltá-la ao mar. Nossos cabocos anexaram um adjutório, amarraram a garrafa em uma boia individual colorida.

O resultado foi positivo: um pescador encontrou o arranjo e informou a Marinha que, no dia 13 de abril, resgatou os confinados, que haviam passado 17 dias na ilha das Flechas.

 

Bruno Pereira & Dom Philips

2) no domingo, 5 de junho, dois homens viajando em um barco desapareceram, quando se dirigiam para a sede do município de Atalaia do Norte. O sumiço era estranho, pois os dois – o jornalista britânico Dom Philipps e o indigenista Bruno Pereira – conheciam sobejamente a região, onde desenvolviam um trabalho de apoio aos indígenas do Vale do Javari.

O fato foi inicialmente comunicado aos organismos internacionais, os quais passaram a reclamar providências junto ao governo brasileiro. Logo se juntaram naquela região, na diminuta Atalaia do Norte (AM), órgãos do governo federal: núcleo das três Forças Armadas e da Polícia Federal; do governo estadual: Polícia Militar e Civil, além de Bombeiros Militar e Defensoria Pública. Sem olvidar a estrutura do Poder Judiciário da Comarca. Uma concentração de autoridades como nunca se viu naquele pedaço esquecido e inóspito do Amazonas.

No intento de encontrar os passageiros e o barco via-se pela TV cenas inusitadas: aviões militares com ocupantes vasculhando os labirintos da selva com binóculos; barcos com militares e armas de longo alcance; o exame de provas que durariam trinta dias; bombeiros enfrentando as águas barrentas do rio Itaquaí; policiais armados de potentes metralhadoras conduzindo um esquálido suspeito; enfim, tanta tecnologia e resultados pífios.

Oito dias depois e o mundo civilizado ainda perguntava: onde estão Bruno e Dom? Somente no décimo dia, foram encontrados... mortos.

Talvez por estes fatos se possa melhor compreender as decorrências do desastre do Constellation PP-PDE.

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