José Calasans (1915-2001) |
Quando em 1994 dei início
às pesquisas para escrever sobre a participação da PMAM na guerra de Canudos,
cheguei a Salvador (BA). Sabedor da presença do saudoso professor aposentado universitário
José Calasans Brandão da Silva, considerado o catedrático naquele conflito em todo o
país, para ele enviei uma correspondência. E anexei a ela uma cópia do Relatório
sobre a campanha de Canudos, de autoria de Candido José Mariano, comandante
da tropa amazonense, publicado em Manaus, em dezembro de 1897.
O mestre Calasans
respondeu-me com outra carta, que aqui compartilho. Após esse contato,
desembarquei na capital da Bahia, onde conversei em três oportunidades com este
canudista. Logo me informou que o Relatório de Candido Mariano constitui
a primeira publicação no país após o conflito. Em forma de opúsculo, o texto já
se encontra na quarta edição: a primeira em 1897, no governo de Fileto Pires;
em 1943, na interventoria de Álvaro Maia; a terceira, por Arthur Reis, em 1966;
e, a última, em 1998, no governo de Amazonino Mendes.
Carta de Calasans (1994) |
Salvador, 12 de abril de 1994
Prezado coronel Roberto Mendonça
Recebi com muita satisfação sua estimada carta de 4 do corrente.
Muito grato pela remessa do xerox do Relatório do comandante Candido
Mariano, bem assim a notícia de sua vinda. Vou levar a importante documentação para
o Núcleo Sertão do Centro de Estudos Baianos, onde estão a biblioteca,
mapoteca, manuscritos a respeito da guerra sertaneja do Conselheiro. Coloco-me
à disposição para o envio de cópias de seu interesse.
Fico também ao seu dispor, nas condições que o ilustre patrício
desejar, para ir a Manaus. Comunico-lhe que a UNEB (Universidade Estadual da
Bahia) está com uma série de quadros do pintor Tripoli Gaudenzi sobre Canudos,
que poderá ser levada a Manaus. Em vários pontos do Brasil a mostra já foi
apresentada.
Espero haver iniciado uma boa e árdua correspondência com V.Sa.
Cordialmente
José Calasans
Anexei à esta postagem uma anotação sobre o mestre José Calasans, publicada no jornal O Estado de São Paulo (23 maio 1994).
Calasans (O Estado de São Paulo) |
POLÊMICA
Conselheiro não
queria reforma, diz historiador
Diante de seu acervo
de 4 mil volumes – a maior bibliografia do mundo sobre Canudos – o historiador
José Calasans, 78 anos, que há cerca de 40 anos estuda o tema, desfaz mitos que
se tornaram verdade sobre Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro.
“Ao longo de todos
esses anos de pesquisas nunca encontrei um só dado concreto que sustentasse a
tese de que Conselheiro irritava os proprietários rurais porque era um
revolucionário, favorável a uma reforma agrária violenta”, afirma.
Manuscritos
Para Calasans, com
base nos dois manuscritos deixados por Conselheiro (de 1895 e 1897), sua figura
deve ser vista por outro ângulo que o apresentado por Euclides da Cunha, em Os
Sertões, e por alguns historiadores.
“Antônio Conselheiro
não queria fazer revolução nem reformas”, afirma. “Ao contrário, resistia a
elas”. Com relação aos proprietários rurais, destaca Calasans, eles viam em Conselheiro
uma ameaça pelo fato de ele arrebanhar a mão-de-obra barata. Utilizavam, a dos
ex-escravos. “Os negros não queriam continuar na terra onde tinham trabalhado
como escravos, assim encontraram em Antônio Conselheiro um líder natural”,
explica o historiador. Na visão de Calasans, Conselheiro foi apenas um benemérito
do sertão baiano, porque realizou na época as obras desejadas pelo povo: construiu
igrejas, tanques de água e, com suas pregações, falava aquilo que seus
seguidores queriam ouvir.
Alguns documentos recuperados
por Calasans, como o manuscrito de Conselheiro datado de 1895 (veja fac-símile
nesta página), indicam isso. “No manuscrito não se vê nenhuma alusão ao tema revolução”,
afirma. “São trechos copiados da Bíblia, que Conselheiro selecionava para suas
pregações”, explica.
O manuscrito de
Conselheiro que faz parte do acervo de Calasans - Apontamentos dos Preceitos
da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo Para Salvação dos Homens — traz
nas primeiras 554 páginas cópias do Novo Testamento, traduzido pelo padre
Antônio Pereira de Figueiredo. Nas 252 páginas restantes, Conselheiro comenta
os Evangelhos.
Livro de cabeceira
Além desse
manuscrito, faz parte do acervo organizado por Calasans outro documento
inédito: o livro de cabeceira de Antônio Conselheiro, A Missão Abreviada,
uma espécie de guia para pregações (veja fac-símile nesta página).
No início dos anos 1980,
na gestão do reitor Luiz Fernando Seixas de Macedo, José Calasans doou sua
biblioteca ao Centro de Estudos Baianos, da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Na ocasião, o reitor criou junto ao Centro de Estudos Baianos o Núcleo
Sertão, aberto aos curiosos e pesquisadores da vida sertaneja, sobretudo no que
diz respeito à Campanha de Canudos.
Nascido em Sergipe,
o historiador Calasans, em 1951 mudou-se para a Bahia para fazer o que mais
desejava: seguir no encalço dos sobreviventes do massacre de Canudos e recolher,
onde quer que fosse, material sobre o tema. Conheceu e entrevistou diversos
deles. Cita como uma de suas principais emoções a entrevista que fez com Pedro
José de Oliveira, o Pedrão, um dos jagunços de Antônio Conselheiro. “Caso
houvesse eleição para escolha do nome maior dos jagunços de Canudos, daríamos
nosso voto a Pedrão”, escreveu Calasans em seu Quase Biografia de Jagunços.
A frase dita por Pedrão que mais o impressionou é a seguinte: “Faz pena um homem como eu
morrer sentado”.
Calasans descreve, com emoção, a situação
em que Pedrão lhe disse essa frase: “Ele falava assim, quase aos noventa anos,
porque quando o entrevistei estava paralítico das duas pernas, sentado numa
gamela, movimentando-se com o auxílio das mãos no chão-batido de sua morada em
Cocorobó, onde viveu seus derradeiros anos.”
No livro Quase Biografia de Jagunços,
Calasans dedica também um pequeno capítulo ao jaguncinho de Euclides, o
pequeno garoto, órfão, que o escritor ganhou do general Artur Oscar, no final
da guerra. O menino, então com seis anos, foi entregue por Euclides aos
cuidados do educador paulista Gabriel Prestes.
Parabéns Coronel Roberto pelo artigo e pelo livro publicado. Sou Pernambucano, residente em Manaus a oito anos. Sempre me interessei pela história relacionada a Canudos e Antônio Conselheiro, desde adolescente quando assisti o filme Guerra de Canudos (dirigido por Sérgio Rezende)pela primeira vez. Contudo, de imediato percebi que havia algo errado, com o estereótipo caricato que empregaram para figura do Conselheiro no filme, sobretudo, como um monarquista causador de desordens com suas pregações/discursos no sertão nordestino. Aos poucos fui lendo sobre a história de Canudos, mas achei muito interessante as observações que o professor José Calasans fez na reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo (1994). Agradeço por compartilhar tais informações.
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