O desaparecimento da expedição
padre Calleri marcou com angústia a cidade naquele final de 1968, portanto, há
mais de meio século. A amargura somente se atenuou quando os esquifes, pequenos
caixões com os restos mortais dos expedicionários, foram alinhados à frente do
altar-mor da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, para a encomendação dos
mortos. Eu fui presente naquele cerimonial.
Padre Giovanni Calleri (1934-68) |
Bastante se falou sobre a
aventura do padre italiano Giovanni Calleri, nascido em 1934, missionário da
Consolata, servindo na então prelazia de Roraima. Apesar das consequências, a
rodovia BR174 foi concluída, e hoje serve àquele Estado do extremo Norte. O sacerdote
não foi esquecido: em Manaus, encontra-se a Escola Municipal Padre Calleri,
e, em Boa Vista, encontram-se seus restos mortais, sob o altar da igreja
Matriz.
O texto aqui compartilhado foi
sacado do matutino Jornal do Commercio (1º novembro 1969), escrito por
uma freira, que analisa a conduta do sacerdote do ponto de vista religioso.
Há quase
um ano, chegava eu a Manaus. Eram dias de expectativa e de dor, motivados pelo
misterioso silêncio que, há quase três semanas, envolvera a expedição de Padre
Calleri. Hoje, embora distante, recordo Manaus vivendo aqueles dias... e,
depois, enlutada, chorando o desfecho trágico – a morte dos expedicionários!
Tudo eram lágrimas porque, humanamente falando, tudo fracassara
e de todas as esperanças acalentadas, de todos os projetos e sonhos, restaram,
simplesmente, aquelas pequenas urnas, que, no seu violáceo, pareciam enfeixar
todas as amarguras da orfandade e da viuvez, da solidão e da saudade que cruciavam
os parentes e amigos...
Transcorre, hoje, um ano. Agora, já libertos daquela carga
imensa de emotividade, torna-se menos difícil buscar uma resposta às perguntas
que nos ocorreram naqueles dias. Não nos referimos às respostas que a história –
“mestra da verdade” — certamente no-las dará. Muitos “porquês” devem ser
respondidos por quem nos deve essas respostas...
O que, hoje, quereríamos compreender, à luz da fé e da
reflexão, é o sentido deste “fracasso”: um padre jovem, cheio de vida, vibrando
de ideal, abraça uma missão tão árdua, com a alegria de um garoto que escala as
montanhas; com o entusiasmo de um
verdadeiro herói, lança-se nas matas, no desconhecido. Tal era a sua vontade de
pacificar, que não temeu a adversidade, embora ela o rondasse... Mas, ele fracassou,
morreu...
Como? Quando, cristãmente, poderíamos afirmar que Padre
Calleri fracassou? A palavra fracasso não pode coexistir com uma visão de fé,
porque a semente quando morre é que germina, e, se não germina, não frutifica (Jo.
12:24). Ninguém fracassa, senão aquele que se opõe ao Bem, porquant0 o homem só
se realiza quando adere à Verdade, quando opta pelos valores que sua
consciência hierarquiza. A morte do Padre Calleri foi o coroamento de sua trajetória
ascensional ao encontro do Sumo Bem, através dos irmãos pelos quais,
livremente, entregou a própria vida, a fim de que eles conhecessem ao Pai.
Desde pequenino, adestrara-se para o heroísmo e outra coisa
não foi a sua vida senão uma caminhada para o martírio. Porque ele muito amou
foi capaz de entregar-se ao Ministério, à Missão, à morte; e, assim, parecendo
autodestruir-se como homem, como cidadão e como ser, outra coisa ele não fez,
senão galgar o caminho da verdadeira Vida (Jo. 12:25).
O sentido da morte está interrelacionado com o sentido que
damos à essa vida. Se a vida é uma triste experiencia que nos desgasta cada dia;
se vivemos receando que se extinga, (ilegível no original). Mas, se
viver é encaminhar-se para a plenitude, plenificando-nos nela, se viver é crer
numa transcendência vertical, então o morrer é engolfar-se nesta Plenitude, transcendendo
a nós mesmos
para nos abismarmos em Deus.
Hoje, os que não creem,
devem tristemente recordar um fracasso. Mas,
nós os que cremos com um olhar límpido, fitamos o espaço infinito protestando
crer no sentido da morte daqueles que dão um profundo sentido à sua vida.
Padre Calleri não fracassou: a sua vida germinará, qual
semente fecunda e, pela comunhão dos Santos, nós mesmos usufruímos dessa germinação.
Belo texto. Fez atiçar a minha curiosidade a respeito da expedição do Padre Calleri, seus objetivos e o triste destino.
ResponderExcluirEu estudei nessa escola citada, lembrei do nome da mesma e decidi pesquisar sobre o Padre Calleri, não me arrependi nem um pouco.
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