CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, dezembro 16, 2018

PRESÉPIO DE BRANCO SILVA


Aproveitando a proximidade do Natal, quando ainda se cultua a representação do nascimento de Jesus, vou relembrar o autor do mais expressivo presépio construído em Manaus, infelizmente desaparecido. Trata-se do Presépio Maravilha, de autoria do saudoso mestre das artes plásticas - Branco Silva.

Branco Silva
Mais conhecido pelo seu presépio do que pelas suas telas, Branco Silva (comumente alcunhado de Branco “e” Silva) na vida real chamava-se Leovigildo Ferreira da Silva. Amazonense, nascido no Seringal São João, nas barrancas do rio Purus na entrada do rio Tapauá, em 1892, era filho de um rico comerciante português que fez fortuna na época como exportador de borracha.

Para esta relembrança transcrevo uma página que me ofertou seu filho, Vinicius Ruas, sacada de seus alfarrábios, cujo texto recorda uma proeza de seu genitor. Informo que não há identificação do órgão, nem data. Porém, esta publicação e relativos anúncios foram impressos no Rio de Janeiro, por ocasião do 36º Congresso Eucarístico Internacional (julho 1955), ocasião em que Branco Silva teve seu presépio exposto.
  
Recorte da publicação

 RACHEL de Queiroz, a fulgurante estrela da constelação literária do Brasil, esse espírito brilhante que todos aplaudimos e admiramos, teve ocasião, numa de suas crônicas de jornal, de dizer de sua estranheza por não ter o Brasil um presépio de Natal à altura de suas tradições católicas, que se coadunasse com o espirito essencialmente cristão de nosso povo.
É natural que mesmo um grande conhecimento de nossa terra e de nossa gente, aliados à cultura da notável cearense haja cometido tão grande equívoco. Não fosse o Brasil “esse gigante pela própria natureza”, essa enorme extensão de terra!
Se citamos Rachel e a crônica é apenas para mostrar aos leitores como, mesmo uma cultura privilegiada tal a da autora de “O Quinze”, pode cometer um equívoco desse jaez. Por aí também se verifica como é grande o desconhecimento das coisas do país!
Fotos da página

Quando chegamos ao Amazonas a fim de fazer a cobertura jornalística de uma excursão empreendida por estudantes cariocas e paulistas às misteriosas regiões amazônicas, tivemos nossa atenção despertada para uma das partes do programa de visitas que aludia a um certo “Presépio Maravilha”. Mesmo ao penetrarmos no recinto onde se encontra localizado o presépio, tínhamos a impressão de que iriamos encontrar uma dessas miniaturas a que se acostumaram os cariocas. O que se nos deparou, porém, foi algo diferente de tudo o que já viramos. Diante de nós estava numa sala enorme, um presépio enorme sem similar no mundo inteiro.
Todas as personagens, trabalhadas por mãos de mestre, trajavam riquíssimas roupas e eram de tamanho normal. Apresentavam o máximo de naturalidade possível. Os pastores, o arabiano, os Reis Magos e Nossa Senhora, debruçada sobre o Menino Jesus eram alguma coisa de comover um frade de pedra. A um canto, uma pequena cascata jorrava água que, tal qual como um conto de fadas, se transformava em rubis e esmeraldas. Os carneiros, o galo, os camelos, o rei negro e o branco, um enorme elefante, duas pombas, o jumento, todos de tamanho normal, fazem do presépio Maravilha a mais perfeita reconstituição do nascimento de Cristo.
Enquanto a água corre pela pequena cascata e se transforma em rubis e esmeraldas, o elefante levanta a tromba e saúda Cristo, o galo canta, as pombas arrulham e os carneiros fazem ouvir seus balidos. Uma música natalina belíssima toca em surdina, trazendo ao ambiente um misto de respeito e comoção inevitáveis.
Ao fundo, um quadro representando a morte de Cristo, com os relâmpagos fazendo ato de presença, compunham um dos mais belos quadros a que já tivemos a sorte de assistir. Ali estava numa das mais brilhantes facetas do engenho humano, toda a magnificência, toda a beleza do sublime nascimento do Salvador da Humanidade. 
Quando chega o Natal, o presépio Maravilha abriga em seu seio milhares de pessoas que ali vão para sentir as emoções indizíveis que tal trabalho provoca. 
Depois daqueles momentos de observação atônica, pedimos a Branco Silva, o autor daquela obra de arte, que nos dissesse os motivos que o inspiraram a compor o presépio. Figura simples, Branco Silva nos disse que, quando pensou em compor o presépio, desejou apenas preencher uma lacuna já que, anteriormente, não havia no país uma composição do nascimento de Cristo que pudesse fazer as delícias de adultos e de crianças.
Não é a primeira vez que um visitante eventual do presépio se maravilha com o que vê. Pascoal Carlos Magno, em sua recente estada no Amazonas, teve ocasião de visitar o ateliê de Branco Silva, e, como nós, extasiar-se com o que viu. Os príncipes de Orléans e Bragança também lá estiveram e sua surpresa e comoção não foram menores que as nossas. Prometeram, mesmo, enviar a Branco Silva uma crônica em que dariam suas impressões porque, naquele momento, não tinham palavras com que dissessem o que lhes ia n’alma.O general Mendes de Moraes, quando Prefeito do Distrito Federal dirigiu a Branco Silva um convite para que trouxesse o presépio ao Rio de Janeiro, pondo à disposição do autor o Teatro João Caetano. Além desse honroso convite, Branco Silva teve um outro de pessoa ligada ao governo português que desejava, a todo transe, transferir o presépio para Lisboa. Mesmo do Vaticano chegou uma tentadora proposta para exibição na terra do Papa.
Além do presépio, Branco Silva tem dois outros trabalhos notáveis — um, Lendas e Fatos da Amazônia, outro, A ceia de Cristo, ambos norteados pelo mesmos propósitos do que hoje focalizamos, com a mesma movimentação, com a mesma arte. 
Anúncio circulado
Branco Silva, porém não se limita apenas à fazer trabalhos de escultura como são o presépio, a ceia e lendas e fatos da Amazônia. No seu ateliê se encontram lindos quadros, baseados em fatos da região, pintados com o coração de um amazonense que ama sua terra, sua gente e seus costumes.
Pena é que a ceia e lendas e fatos estejam atualmente desmontados, por falta de espaço. Quando se abrem as portas de todas as instituições para a chamada “arte moderna”, esse amontoado de sandices que os próprios autores não entendem, é de lamentar-se que um pintor como Branco Silva, tendo em sua bagagem verdadeiras obras de arte, esteja lá no longínquo Amazonas, sem oportunidade, sem possibilidade de mostrar sua capacidade criadora, de que o presépio é uma pálida amostra.

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