CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, outubro 22, 2018

NOTA AUTOBIOGRÁFICA (2)


PARA CONCLUIR A NOTA ANTERIOR, RELEMBRO O DIA 29 DE AGOSTO DE 1968. 

Autor, no quartel da Rádio Patrulha
Dia 29 de agosto: ao amanhecer no quartel da PM, em Brasília, soube que tomaria uma carona o mais cedo possível para o aeroporto, pois, a partir do desfecho da incumbência policial planejada, ninguém podia prever nada. Fazer o quê? Sujeitei-me à oferta, não obstante embarcar somente depois do meio-dia para Manaus. Os destroços observados em São Paulo na véspera, acumulados com a preparação policial para a desocupação da Universidade de Brasília (UnB), constituíam para o coitado do tenente caboclo um inferno.
No aeroporto, com a chegada dos passageiros vindos da cidade o burburinho se avolumava, e assim fiquei sabendo de mais detalhes da operação policial na Universidade. Estranho, quando os estudantes invadem as dependências da escola, são chamados de ocupantes; no entanto, quando a Força Policial em cumprimento à ordem judicial desocupa as mesmas dependências, tornam-se invasores. É desse modo que a desocupação cinquentenária hoje é conhecida: Invasão da Universidade.

Enfim, um quadrimotor DC-4 (da VASP ou VARIG) aterrissou para, nessa escala, recolher os passageiros com destino ao aeroporto de Ponta Pelada. Enfim, lá fui eu… Depois de um mês fora de casa, avido por retornar para os parentes e a namorada, conduzindo uns poucos mimos, que mais desejava era que aquele avião voasse o mais rápido possível, para me afastar daquele tormento que havia presenciado no país de 1968.

O Ponta Pelada possuía uma acanhada estação, inaugurada em 1954. Como em todo Brasil, em Manaus a aeronave estacionava no pátio interno e os passageiros desciam as escadas e, aturdidos pela canícula, caminhavam rápido em direção à estação de desembarque. A Zona Franca de Manaus principiava a atração sobre investidores e, ao mesmo tempo, sobre aproveitadores. Dessa maneira desembarquei, recolhi a mala no terminal e tomei um táxi na empresa do amigo-vizinho Almeida, dirigindo-me à residência de meus pais, à rua Amazonas, nº 29, no bairro Morro da Liberdade, confinante com o aeroporto.
A tarde, porém, ainda reservara outras emoções, e a próxima seria brutal. Já a partir da esquina dessa rua percebi uma movimentação estranha à porta da casa dos “velhos”. Descendo do táxi, observei na sala, pelo tamanho do caixão, o velório de criança. Logo imaginei que um dos sobrinhos de minha madrasta – Dona Dora, estaria acolá. Todavia, qual não foi minha aflição quando esta, em prantos, me acolheu, falando da morte do filho, de meu irmão Ronaldo Cesar, aos onze meses de idade.

Ronaldo Cesar, 1968
O nome deste irmão dispõe de sua historieta, que bem cabe neste relato. Nasceu no ano anterior, quando eu frequentava um curso militar no Rio de Janeiro. Acercando-se seu nascimento (agosto), e como todos os filhos do seu Manuel Mendonça possuem um nome duplo, os pais promoveram um sorteio para a escolha do registro deste herdeiro. Para tanto, cada filho lacrou sua proposta, tendo eu enviado por carta minha contribuição. Acabei vitorioso. Mas, por que escolhi este apelido? Simples: para homenagear um amigo, o capitão homônimo, colega de curso. Além disso, fui escolhido para padrinho do irmão.

Por tudo isso, em instantes, fui levado da euforia do regresso para a severidade da morte, mais ainda, deprimido por não ter socorrido ao irmão. Soube enquanto o velava que sua mãe foi mal tratada no pronto socorro que recorreu. Em suma, eu poderia ter contornado esse trauma, porém, nosso pai, católico fervoroso, nos confortava com a máxima: “foi o desígnio de Deus”.

Verdadeiramente, para mim, constituiu um dia inolvidável!

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