CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, junho 23, 2018

MOMENTO LITERATURA

O poema pertence ao reconhecido mestre Thiago de Mello, com ilustração de Otoni Mesquita, e foi publicado na revista O Muhra (produzida pela Secretaria de Cultura e Estudos Amazônicos, datada de janeiro/fevereiro 1998).


Aprendiz do espanto


Não deflorei ninguém. (Um bom começopara o livro que não devo escrever.)A primeira mulher que eu vi desnuda
(ela era adulta de alma e de cabelos)
foi a primeira a me mostrar os astros,mas não fui o primeiro a quem mostrou.Eu vi o resplendor de suas nádegasde costas para mim, era morena,
mas quando se virou ficou dourada.
Sorriu porque seus peitos me assombraram
o olhar de adolescente desafeitoà glória da beleza corporal.
Era manhã na mata, mas estrelas
nasciam dos seus braços e subiam
pelo pescoço, eu lembro, era o pescoço
que me ensinava a soletrar segredos
guardados na clavícula. Pediajá estirada de bruços me chamando,
que eu passasse meus lábios pelas pétalasorvalhadas da nuca, eram lilazes,
com as gemas de leve eu alisasse
as espáduas de espumas e esmeraldas,
queria a minha mão lhe percorrendo,
mas indo e vindo, o vale da coluna,
cuidadosa de mim, trés doucement.
Ela me inaugurou o contentamento
inefável de dar felicidade.
Tanto conhecimento só podia
ser de nascença, hoje eu calculo.
Não
era um saber de experiências feito,
Ilustração de Otoni Mesquita

mas quanta ciência para transmiti-lo.
Ela era de outras águas, a fontana
de trinta anos, que veio lá do Sena
com a sina de me dar a beber
- na aurora dos seus olhos, nos seus peitos,
na boca musical, no mar do ventre,no riso de açucena, na voz densa,
nas sobrancelhas e no vão das pernas
o mel antigo da sabedoria
de que a libido cresce quando atende,
de que a tesão se acende na ternura,
que as antessalas se prolonguem vastas
até estar pronto para entrar no céu.

 Freguesia do Andirá, fim de 97.

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