CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, maio 10, 2010

Memorial Amazonense XIX

Maio, 10

1892 – Nasce em Manaus (AM), o desembargador Raimundo Vidal Pessoa. Conquistou o título de bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Exerceu alguns cargos na Junta  Comercial do Estado. Em 1920, foi designado delegado de polícia da comarca, depois juiz substituto e, no ano seguinte, intendente de Tarauacá (AC). Esteve por dois anos na comarca de Bom Sucesso (MG).
Ingressou na magistratura amazonense em 1925, nomeado juiz de direito da 1ª vara da comarca da Capital. Finalmente, foi nomeado desembargador em novembro de 1930, tendo presidido o Tribunal de Justiça do Amazonas em 1944 e 1961.
Seu nome está gravado na Penitenciária do Estado, situada na avenida Sete de Setembro.

1922 – Nasceu em Manaus (AM), o padre Raimundo Nonato Pinheiro, filho do poeta homônimo e da professora Diana Pinheiro, devidamente homenageada na escola estadual existente na avenida Presidente Kennedy, no bairro de Educandos. Fez os estudos secundários no Colégio Dom Bosco, em Manaus, mas a formação eclesiastica forjou nos seminários de Belém (PA) e São Luís (MA), onde foi ordenado sacerdote em outubro de 1946.
Exerceu o sacerdócio em Manaus e em Parintins, antes da instalação da Prelazia local, a cargo dos padres do PIME. No entanto, por divergências com a Igreja amazonense, esteve afastado das ordens.
Jornal A Notícia, Manaus, 25 Jul. 1976

Dedicou-se com brilhantismo ao cultivo das letras. Seu extremado zelo com o idioma pátrio o fez reconhecido filólogo e linguistíco; o jornalista com colaboração em todos os jornais da Capital; e uma reconhecida aptidão pela polêmica. Pertenceu ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (Igha), onde exerceu com competência a função de Orador, e também cuidou da biblioteca da instituição.
Padre Nonato Pinheiro foi empossado na Academia Amazonense de Letras a 10 de janeiro de 1950, para ocupar a Cadeira 20, como patrono o filólogo João Ribeiro. Na sessão de posse, foi saudado pelo cientista Djalma Batista.


Publicou muito pouco, apenas três livros. O mais conhecido é sobre o terceiro bispo do Amazonas, Dom João da Matta (1956), que a Editora Valer reeditou em 2008 (foto). Tenho me esforçado para recolher dos jornais as inúmeras contribuições deste sacerdote, como disse, em todos os jornais de Manaus. E mais, por um período que estimo de quatro décadas.


Morreu em 7 de dezembro de 1994, em um cubículo no subsolo de um hotel, situado na avenida Joaquim Nabuco, em Manaus, abandonado, solitário, cercado apenas de livros aos quais tratou com estima e apreço.



Acolhendo sugestão de meu amigo Rogel Samuel, reproduzo um ensaio do padre Nonato Pinheiro, publicado em O Jornal, Manaus,
domingo, 17 Ago. 1958.


Os Clássicos da Língua


Cada vez mais me convenço, e não cesso de o repetir aos que me interpelam, que o mais excelente para aprender um idioma é o contubérnio com os seus melhores escritores, os que chegaram a tal apuro de correção vernacular, que se apresentam como guapos e cadimos padrões de boa linguagem. São os clássicos de língua. Impede que não confundamos alhos com bugalhos. Há autores que se reputam clássicos em determinado ramo do saber humano, mas que o não são quanto à linguagem, por falta da necessária correção. Euclides da Cunha, por exemplo, é clássico da amazonologia, mas não é clássico da língua portuguesa. Péricles Moraes com muita razão declarou, no seu admirável estudo acerca dos intérpretes da Amazônia, que todos são “caudatários de Euclides”. No que tange, porém, ao apuro da linguagem, pela correção gramatical, o autor de “Os Sertões” e de “A margem da história” não atingiu as alturas em que brilharam Rui Barbosa, Gonçalves Dias e Machado de Assis, três notáveis brasileiros que se tornaram padrões de legítima linguagem portuguesa.
Que são clássicos? Podemos aceitar o conceito de José de Sá Nunes, em sua “língua vernácula”( 1.ª e 2.ª séries, pág. 105 da segunda edição ): “Escritores de grande autoridade, que servem de modelo no uso da língua vernácula”. Agrupamo-los em duas categorias: Clássicos antigos e modernos, aceitando-se ainda a classificação entre brasileiros e portugueses.
De entrada desfaço a ilusão em que laboram não poucos estudiosos da língua, supondo que os clássicos sejam necessariamente escritores antigos, mais ou menos como os santos padres da Igreja, que integram e preenchem determinada época da historia. Nada mais falso. A razão está com Francisco Barata, autor de um precioso livrinho, já raro no tempo de Rui Barbosa, e, pelo mesmo elogiado, em termos enaltecedores, titulado “Estudos da língua portuguesa”, onde ensinou: “Clássico é o que melhor e mais primorosamente escreve numa certa época”. (Cfr. “Replica”, nº 193). Segue-se daí, evidentemente, que sempre haverá clássicos, uma vez que em todas as épocas brilharão modelos de boa linguagem, de acordo com o estilo do tempo. Daí também se deduz a infantilidade de muitos, que identificam as obras clássicas com coisas borolentas, como se a correção gramatical fosse apanágio do passado.



São muitos os clássicos antigos, à frente o culminante Camões, autoridade que sobreexcede todas, no dizer de Sá Nunes. Para Rui Barbosa, era “o maior dos maiores”, como se lê na famosa “Réplica”, n.º 222, livro admirável que não pode faltar numa estante de língua portuguesa. “Os Lusíadas”, poema imortal que se inclui entre as melhores obras da literatura universal, é a Bíblia da língua portuguesa. Nenhum estudioso do idioma tem o direito de ignorar as páginas eternas de Camões. O preexcelso vate abre necessariamente a litania dos clássicos da língua.


Entre os clássicos antigos, distinguimos: Frei Luiz de Sousa, Padre Antônio Vieira, Padre Manuel Bernardes, Gil Vicente, Fernão Lopes, Damião de Góis, João de Barros, Bernardim Ribeiro, D. Francisco Manuel de Melo, Jacinto Freire de Andrade, Frei Heitor pinto, Padre João de Lucena, Duarte Nunes, Filinto Elísio, Frei Tomé de Jesus e muitos outros.


Rui Barbosa, na “Réplica”, cita freqüentemente os clássicos antigos, revelando conhecimento profundo de todos. Creio, porém, que poderei dar um conselho aos novos. O importante não é conhecer todos os clássicos antigos, mesmo porque muitas de suas obras se esgotaram. Conhecemo-los através das antologias. Eu recomendaria o estudo de quatro que me parecem sobreexcelentes: Camões, Vieira, Bernardes e Luís de Sousa.


De Camões, nada mais tenho que dizer: é o primeiro! 
O padre Antonio Vieira é um dos principais clássicos antigos. Era um dos prediletos de Rui Barbosa, que lhe chamava “um dos três ou quatros grandes cimos clássicos do nosso idioma” (“Réplica”, nº 232). É ainda nesse livro, que consulto quase diariamente, que topamos esta passagem do mestre a respeito do egrégio jesuíta: “No meu longo trato com os livros do exímio escritor português, etc.” (nº 453). São célebres os “Sermões” de Vieira, em número aproximado de duzentos. Aí está a opulência da língua, nas variedades de seus modismos, das suas construções, e na imponência da sua majestade. Aí esta também a assombrosa erudição do padre, em cuja cabeça faiscavam centelhas de genialidade. Além dos “Sermões”, temos as “Cartas” do jesuíta, também numerosas. A “Arte de Furtar” provavelmente não é da autoria do eminente sacerdote. Vieira, entre os clássicos antigos, talvez seja o que mais se aproxime da nossa linguagem de hoje. Há trechos que nenhum português ou brasileiro da atualidade ousaria alterar, tão modernos nos parecem.


O Padre Manuel Bernardes é outro clássico antigo de nomeada. Seu estilo, porém, difere muito do estilo do Padre Vieira. Todos conhecem o célebre paralelo entre Vieira e Bernardes, da lavra do insigne Castilho. Vieira é a tempestade; Bernardes é a bonança. Vieira é o mar encapelado; Bernardes é o lago sereno, a refletir as lucilações das estrelas. Vieira é a força; Bernardes é a doçura. Entre as obras mais excelentes do oratoriano, cito “Nova Floresta” e “Luz e Calor”, modelos de melhor prosa portuguesa.


Frei Luís de Sousa é outra sumidade. Para João Ribeiro era “o mais melodioso, e acaso o mais puro de todos os prosadores de nossa língua”. Para Herculano, era “o maior dos nossos clássicos”, conceito que arpoei na “Réplica” (nº 197). É autor da famosa “Vida de Dom Frei Bartolomeu dos Mártires”, célebre Arcebispo de Braga, que muito se distinguiu no Concílio de Trento.


Quem conhecer esses quatro clássicos, dentre os antigos, pode ficar tranqüilo.

Passemos agora aos modernos que podemos classificar em duas categorias: portugueses e brasileiros.

Dos portugueses, parece-me que o mais insigne é Antônio Feliciano de Castilho. Sá Nunes o tinha na conta de “o mais puro dos clássicos modernos”, como se lê em sua “Língua Vernácula”, terceira série, pág.201. Pedro Pinto afirma, em seu livro “Locuções e Expressões na Réplica de Rui Barbosa” ( pág. 11 ), que o lê desde menino. Rui Barbosa sempre o colocou nas alturas. Citarei alguns tópicos da “Réplica”, em que o grande brasileiro canoniza o glorioso clássico: “Subamos, porém, ainda. Vamos, dentre os mestres da língua, ao maior: a Castilho Antônio”, (nº 74)
“De todas as autoridades, porém, há um, que por cima de todas sobreleva: a daquele, que Silva Túlio aclamava o nosso pontífice contemporâneo em pontos de fé gramatical, a de Castilho Antônio. Filólogo, poeta e prosador insigne entre os mais insignes, esse clássico, o maior dos da nossa língua no século dezenove”. (nº 201)


Além de Castilho, é de justiça citar outros clássicos portugueses de fama: Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Latino Coelho e Rebelo da Silva.


Camilo é o fabuloso romancista português, um dos melhores clássicos da língua, em cujas obras se ostentam a opulência e o colorido do nosso vocabulário. É o escritor mais fecundo da língua. Parece que a cegueira foi a causa do seu lamentável suicídio. Era um dos clássicos prediletos do nosso João Leda, que escreveu “Os Áureos Filões de Camilo”. Aliás, é vastíssima a bibliografia acerca do iminente e donairoso prosador. O próprio Castilho lhe chamou “o mais opulento dos nossos clássicos”, depoimento que Rui transcreveu na “Réplica” (nº 205).


Alexandre Herculano recomenda-se pela grandiosidade do seu estilo. Em Latino Coelho admiramos a eloquência da linguagem. Seus escritos dão-nos a ilusão da tribuna.


O Brasil apresenta também clássicos de nomeada, verdadeiros padrões de boa linguagem, que ombrearam com os melhores clássicos de Portugal: Rui Barbosa, Machado de Assis, Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Sotero dos Reis, Carlos de Laet, Francisco de Castro e outros. Lisboa escreveu a vida do padre Vieira. Sotero dos Reis conhecia a língua profundamente. Chamou-lhe Rui “mestre de mestres”. O maior clássico brasileiro é incontestavelmente Rui Barbosa, o grande, o fabuloso Rui. Entre suas obras, sob o aspecto de linguagem, recomendo “A Réplica” e as “Cartas de Inglaterra”. O primeiro livro prende-se á famosa polêmica que manteve com o velho Carneiro Ribeiro. O segundo exibe uma linguagem excelente e foi revisto escrupulosamente pelo autor.



Aí estão alguns clássicos da língua, modelos perfeitos de boa linguagem. Devemos compulsar-lhes as obras como recomendava o mestre João Ribeiro, em suas “Páginas de Estética”: “Os nossos clássicos escreviam com lenteza e com vagar é que compunham. Não podem, pois, ser devorados dum trago como os livros de hoje improvisados num lanço”.

Mais do que nas regras gramaticais, aprendemos a língua nas páginas culminantes dos seus mais excelsos artistas e prosadores, que detinham em suas penas o senso profundo da vernaculidade.

























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