CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

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quarta-feira, dezembro 11, 2019

GRÊMIO GUANABARA

Capa do livro

Esta agremiação existiu à margem do igarapé do Mindu, nas proximidades do Parque Dez de Novembro, onde a gente de poder econômico de Manaus se reunia. Da reduzida junção de amigos, passou ao clube fundado em 24 de setembro de 1970. Em atenção ao regime legal, tornou-se uma associação privada, todavia, hoje não passa de empresa inativa. O local de congraçamento e curtição desapareceu, diante da modificação da estrutura local, em particular do curso d’água.
Uma lasca dessa história vai aqui contada por um dos frequentadores dos primeiros momentos – Waldir Garcia. Compartilhei-a de seu livro À sombra dos igapós (Manaus: Imprensa Oficial, 199) 


  
A princípio era um igarapé ermo de águas límpidas, escondidinho na sombra de velhas árvores, ladeado de buritizeiros, patauazeiros, e mais acima uma campina sombreada de muricizeiros, debaixo dos quais capins rasteiros formavam um tapete esmeralda, onde se podia deitar e contemplar o céu sempre plúmbeo nos meses chuvosos, ou olhar o sol aberto nos dias caniculares. Ali recolhiam-se nas horas de lazer, Aluízio Marques Brasil, Celino Menezes, Lucano Antony e outros destacados funcionários da Prefeitura Municipal de Manaus, do grupo do Lucano e Aluízio. O lugar ermo e acolhedor era então denominado “Tenda de Ali”.
Conheci o local pela primeira vez, levado pelo companheirismo de meus saudosos e pranteados amigos Danilo de Aguiar Corrêa e Ladislau Torres da Silva. Depois surgiu na área o Grêmio Guanabara, ponto de frequência do professor Lúcio Fonte de Rezende, Pietro Antonio Celani, Euclides Souza Lima e tantos outros distintos cavalheiros, que elaboraram, inclusive, o primeiro Estatuto do Clube, dando-lhe destinação de vida social.
No início o Grêmio Guanabara resumia-se num tapiri, coberto de palha branca, com bancos toscos de madeira e uma pequena praia à margem do igarapé do Mindu, onde nos reuníamos aos sábados e domingos para saborear o delicioso pirarucu assado na brasa por essa figura simples, prestativa e amiga, que ainda hoje serve ao Clube: o velho Chico. Seguindo à risca o gosto brasileiro, arranjamos num areal próximo um improvisado campo de futebol, e ali o praticávamos aos sábados à tarde e aos domingos pela manhã.
Lembro-me ainda dos companheiros de então: Luiz Monteiro, Douglas e James Souza Lima, Roberto, Adauto, Tiba e Iran Caminha, Ruy e Ari Gavinho, Ilmar Oliveira, Agobar Garcia, Roosevelt Pereira de Melo, Maurício Araújo, Oswaldo Gesta, Flaviano Limongi, Walmizão, Chico Tinoco Guedes, Teomário Costa, Waldir Pimenta, Rui Santos (Loide Aéreo), “Camisa Branca” e tantos outros craques consagrados.
No vôlei pontificavam com maestria Edgar Monteiro de Paula, Tical, Milton Marques, Tito Grangeiro e tantos e tantos. No dominó, Giacomo Arone, Wanderley, Clemente Simões, Manoel Octávio, Armando Freitas, Afonso Lima, José Cidade de Oliveira, Felipe Abrahim, Mário Sahdo. No carteado era frequente a participação de Acrisolda, Ilza Garcia, Helena de Paula, Alba, Dra. Dulce Costa. Havia também u'a mesa cativa de Afonso Lima, Cleomilton Braga, Manoel Lima, Francisco Monteiro de Paula, Mário Verçosa, Waldir Garcia, Agobar, Teomário Costa.
As manhãs de domingo eram sempre de uma confraternização sem par. Arnóbio Valente armava no meio do igarapé a sua tenda e ali servia aperitivos gratuitamente a todos os companheiros, ajudado por sua dedicada esposa, D. Zila Said Valente. Havia uma velha árvore caída sobre o igarapé, que servira de ponte de u'a margem à outra. Era denominada “O Pau dos Velhos”, que suportava aos domingos e feriados mais de seiscentos anos de vida sobre ele. Eram o coronel Auton Furtado, o comandante Montenegro, o Tabelião Antonio Marrocos, o Sr. César ltuassu, Sílvio Malheiros Franco, Senhor Almeron Caminha Monteiro, Euclides Souza Lima e Glicério Vieira, a desfilarem, num “papo” informal velhas estórias de sua mocidade, do ciclo da borracha, do comércio antigo de Manaus, da soledade de então, um recorde feliz da juventude de cada um. E o faziam sob o manto protetor de fraterna, cordial e sincera amizade.
As reuniões sociais realizavam-se em casas de amigos. Todos contribuíam com pratos e bebidas regionais. Dançava-se à vontade. Bebia-se, comia-se, conversava-se a valer; enfim, confraternizava-se à moda da época. Há quantos anos?
No dia 27 de abril último, o Grêmio Guanabara completou 30 anos de fundação. Cresceu e prosperou sob a égide de seus diretores e associados. De Euclides Souza Lima, seu primeiro presidente, a Clemente Simões, recentemente eleito e empossado, medeiam três decênios de vida e progresso. Hoje o Grêmio Guanabara tem um respeitável patrimônio: campo de futebol, de vôlei, piscinas, salão de dança, bar, enfim, é um clube de campo que merece a dedicação, o entusiasmo, mas, sobretudo, a reaproximação de todos os seus associados, velhos e novos, para seu maior progresso, para sua maior glória e de todos que o criaram, pelo seu sucesso cada vez maior.

quarta-feira, junho 20, 2018

MUDANÇA DE NOME DE RUA

Capa do livro

Em se falando de mudança de nome de rua em Manaus, o vício não é corrente, vem da fundação de Manaus. Basta se recorrer ao Ed Lincon para saber quantas denominações já batizaram e crismaram a atual avenida Sete de Setembro. Portanto, não me causa surpresa, apenas forte  indignação, o sacrifício das avenidas Paraíba e Recife para homenagear o fundador de A Crítica e o historiador Mario Ypiranga (contrário a esse troca-troca, como demonstrarei em breve, com uma publicação do próprio).
O texto compartilhado pertence ao saudoso juiz de Direito Waldir Garcia, em seu livro À Sombra dos Igapós (Manaus: Imprensa Oficial, 1987). Reclama da usurpação da avenida Silves, para saudar o presidente Costa e Silva. Como se conhece, sua apelação não teve sucesso, seguiu com ele e os saracaenses para o túmulo.   

EM DEFESA DE UM TOPÔNIMO URBANO 
Há muitos anos a edilidade amazonense, inspirada por sentimento nativista e puramente glebário, decidiu denominar várias ruas e avenidas de nossa urbe com nomes de municípios amazonenses, numa homenagem das mais justas e plausíveis. Assim é que passaram a existir as ruas Urucará, Itacoatiara, Parintins, Manicoré, Borba, Barcelos, Humaitá, Waupés, Ipixuna, e as avenidas Tefé e Silves.Acontece que após a implantação do regime revolucionário, a partir de 31 de março de 1964, a mesma edilidade no ardente desejo de homenagear um dos Presidentes Revolucionários, no caso o presidente Costa e Silva, escolheu a Avenida Silves para ser sacrificada, para mudar-lhe o nome, substituindo-o pelo do presidente em referência, em verdadeiro holocausto à tradição toponímica urbana, para tristeza e menosprezo dos filhos de Silves aqui radicados.
Entendemos que o presidente que cedeu seu nome à toponímia urbana manauense mereceria, pela projeção do cargo que exercia, uma avenida de maior projeção, como p. ex. a Avenida do Contorno, mais ampla, mais abrangente. Mas a ideia da edilidade em sacrificar a Avenida Silves, não obstante haverem mudado as placas de denominação, nem por isso conseguiu superar a tradição, e tanto isto é certo que até hoje, decorridos já vários anos da mudança toponímica, os ônibus continuam a trafegar naquela artéria com placas indicativas do primitivo nome – Avenida Silves. Assim vemos: linha “Japiim-Silves”, e outras invocando-lhe a primitiva denominação.
Mas à época em que a edilidade resolveu denominar de Avenida Silves uma das artérias suburbanas de Manaus havia uma inspiração histórica: uma homenagem à tradição de um dos primeiros aglomerados humanos nas paragens amazônicas, que merece ser recordado.Ao retornar de Quito o audaz sertanista Pedro Teixeira traz consigo os primeiros mercedários, solicitados para a fundação de um convento em Belém. Dentre eles, frei Raimundo, da Ordem das Mercês, que em 1663 fundou a aldeia do Saracá, um dos primeiros núcleos da colonização portuguesa no Amazonas. Em 1759 governador de então, Joaquim Melo Póvoas, elevou a Missão do Sacará à categoria de Vila, alusitanando-lhe o nome para Silves.
Em 1853, com a execução do Código de Processo Criminal, tiraram-lhe a categoria de Vila reduzindo-a a simples freguesia. Mas na administração do Dr. Manoel Gomes Correa de Miranda, foi-lhe restituído o antigo topônimo – Silves – e reconduzida a povoação à categoria de Vila, pela Resolução nº 4, de 21 de outubro do 1852. Desde então Silves vem partilhando do processo político do Estado, tendo sido sua Câmara Municipal a primeira a movimentar-se em histórico memorial endereçado a D. João VI, solicitando a elevação da Capitania do Amazonas à categoria de Província, o que veio apressar a promulgação da Lei nº 592, de 5 de setembro de 1850, que concedeu a independência do Amazonas, terminando sua sujeição ao Pará.
Mas Silves há contribuído, também, para o progresso de Manaus, com a força de trabalho de seus filhos aqui radicados. Estão aí o advogado Perseverando Garcia, que exerceu, inclusive, o governo do Estado; o facultativo Dr. Manoel Antonio Garcia Gomes; o Dr. Agobar Garcia, destacado membro da Associação Comercial; o major Orlando Garcia, atualmente servindo na Portobrás, o ativo advogado Manuel Felipe de Leiros Garcia; as professoras Graziela e Euclídia Grana Ehm; o cronista social Raimundo Nonato Garcia Filho (Nogar); o médico Dr. Ivan Souza; o jornalista Bianor Garcia e tantos outros, no exercício das mais diversas profissões.
E os filhos de Silves, dos mais diversos clãs: Garcia, Almeida, Neves, Farias, Batista, Grana, Teixeira, Pena, Vilaça, conclamam os edis de Manaus e o seu ilustre Prefeito para que, num ato de justiça, restabeleçam o nome primitivo da atual Avenida Costa e Silva, transferindo o nome do ex-presidente para uma artéria urbana digna de nome presidencial.

sexta-feira, janeiro 26, 2018

ASPA: ASSOCIAÇÃO DE SERVIDORES

Conheci a ASPA (Associação dos Servidores Públicos do Amazonas) quando esta atendia na rua Henrique Martins com Lobo D'Almada, em prédio centenário, que acredito pertenceu ao alcaide Adolpho Lisboa. Acredito que fui sócio, por recomendação dos colegas da PMAM. 
GB, um dos agraciados


A proximidade entre estas agremiações era tanta que, em certa ocasião, o Clube dos Oficiais ali realizou uma sessão para eleição de novos dirigentes. Aconteceu ao final dos anos 1960.
Seu dirigente era Aureomar Braz Silva. E esta entidade prosseguiu enquanto seu idealizador existiu. Ao deixar o endereço citado, a ASPA mudou-se para a rua Japurá, onde encerrou melancolicamente seus dias.
O post abaixo compartilho de A Crítica (24 abril 1974).




Um jornalista, um professor, um coronel, o auditor da Polícia Militar, um Procurador-Geral da Justiça e o presidente da Federação Amazonense de Futebol, são desde ontem "sócios honorários" da Associação dos Servidores Públicos do Amazonas.
A razão está num discurso de cinco minutos dedicado aos "homens que muito têm feito pele engrandecimento de nosso país e de nossa gente, significando que tudo aquilo que se faz não pode e não poderá nunca deixar de ser reconhecido".
A solenidade foi realizada no salão nobre da entidade, presentes autoridades civis e militares. Os novos sócios honorários são o professor e jornalista Genesino Braga; o presidente da Celetramazon, coronel Willy Antonio Pereira; o professor e auditor da Polícia Militar, Dr. Waldyr Garcia; o Procurador-Geral da Justiça do Amazonas, Dr. João dos Santos Pereira Braga e o presidente da Federação Amazonense de Futebol, Flaviano Limongi.

UM DISCURSO

Antes da entrega dos títulos de sócio, discursou o presidente da Associação dos Servidores, professor Aureomar Braz da Silva, que depois formou a mesa e presidiu a solenidade com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Lúcio Fonte de Resende, o representante do Comando Militar da Amazônia e da 12ª Região Militar, tenente-coronel João Araripe, o representante do Secretário de Segurança, coronel Neper Antony [correto é Alencar] e outras personalidades. 

sábado, junho 04, 2016

WALDIR GARCIA: HISTÓRIA

O texto aqui postado é de autoria do saudoso mestre da Escola Técnica Federal e juiz da Auditoria Militar do Estado, Waldir Garcia. Nascido em Silves (AM), registrou de sua cidade inúmeras histórias facetas. Esta é mais uma retirada de livro deste "saracaense".


NACIONALISMO À MODA SARACAENSE

A Missão do Saracá, núcleo de colonização portuguesa fundado no Amazonas por Frei Raimundo, da Ordem das Mercês, em 1663, foi palco do maior massacre indígena na América do Sul, tendo por algoz e principal executor o ferocíssimo Pedro da Costa Favela, que acompanhou Pedro Teixeira em sua memorável viagem de penetração até Quito. Ê o que nos revela a História.
A Missão do Saracá cedeu seu nome – graças a Joaquim de Melo e Póvoas, que criou vilas e alusitanou topônimos amazonenses – à atual cidade de Silves, onde ocorreram os fatos narrados a seguir.

É que a extinção das tribos dos Caboquenas, Bararurus e Guanavenas pelo famigerado genocida Pedro da Costa Favela, pela maneira desumana e cruel como foi feita, deixou mágoas perenes nos descendentes dessas tribos, a revolta interior transmitiu-se por herança, criando-se-lhes, enfim, cesuras incuráveis em seus sentimentos nativistas e telúricos.

No decorrer da segunda Guerra Mundial, os submarinos alemães e italianos, aliados fanáticos e que tinham Mussolini e Hitler a comandar as ações belicosas, afundaram vários navios nossos na costa atlântica brasileira, e, dentre eles, o Baipendy, do Loide Brasileiro, que costumava fazer a linha regular entre o Rio de Janeiro e Manaus. A notícia do afundamento do Baipendy revoltou Manaus: atearam fogo e saquearam casas de estrangeiros alemães e italianos, que se supunham mais chegados ao nazismo e ao fascismo, havendo verdadeira explosão de sentimento xenófobo.

A notícia de incêndios, saques e agressões a casas de alemães, italianos e japoneses chegou logo a Silves, onde, fazia anos, se estabelecera um italiano ainda moço, o comerciante Alberto Ianuzzi, que comprou de meu pai uma fazendola em frente à cidade: a Demanda. Ali Alberto fez progredir seu comércio, e era um tipo alegre, bonitão e conquistador pávulo das cunhantãs saracaenses. Vendia caro e praticava o escambo com sucesso, enriquecendo dia a dia. Por isso, os caboclos não o viam com bons olhos, porque: marupiara nos anos, estúrdio no comércio e soberbo nas reuniões sociais de que participava, era sempre o mais notado. Não gostava de vender fiado, e isso irritava ainda mais sua arisca freguesia.

A notícia da revolta ocorrida em Manaus contra alemães e italianos despertou, em Silves, nos descendentes dos Guanavenas, a hora da vingança. Vários elementos se reuniram e tramaram a ação de cunho nacionalista: Joaquim Turra e Bonrana, e outros mais, aliciaram companheiros para uma ação rápida e destruidora, verdadeiro golpe-de-mão recentemente aprendido em Manaus pelos últimos reservistas saracaenses egressos do 27º B.C.

Alberto foi avisado da trama preparada e prudentemente retirou-se para a casa de seu irmão Carlos Ianuzzi, residente no município de Itapiranga. Numa manhã de agosto de 1942, muito cedo, dezenas de montarias conduzindo os revoltosos armados de arpão, flechas, espingardas que funcionavam com espoletas "Pica-Pau" e rifles "papo amarelo", rumaram para a Demanda.

Em ali chegando, não encontraram Alberto e sua família e passaram à ação: mataram bois, carneiros, porcos, galinhas, fizeram churrascos, comeram. Beberam o estoque de cachaça "Jararaca" deixada na última viagem do Barão de Cametá. Saquearam o comércio e tocaram fogo na casa. Foi uma destruição total.

Chega a Manaus a notícia do saqueio e destruição da casa comercial de Alberto Ianuzzi. O Chefe de Polícia, Dr. Antônio Cavalcante de Oliveira Lima, credenciou o advogado Dr. Teves de Alencar Dias Pinto para investigar os fatos e instaurar inquérito policial. O advogado chega a Silves e inicia a investigação sumária. Vai indagando de um a um corno os fatos aconteceram, e depois de ouvir muitas evasivas, defronta-se com o caboclo Joaquim Turra, que lhe fez estas indicações.

Pergunta o advogado Teves: Quem foi que iniciou o ataque à casa do Sr. Alberto Ianuzzi e quem tomou parte nele? a que Turra responde: Sei que tomaram parte no ataque: o Sr. Tapiú e seus filhos Walter e Diquinho; o Sr. Benedito Mucuim; o Sr. Raimundo Macaco; o Sr. Manoel Boto e seu filho Tote Boto; o Sr. Bento Jabuti; o Sr. Manoel Socó; o Sr. Dico Jacaré; o Sr. Daniel Capivara e seu filho Zito Capivara; os filhos do Sr. André Guaríba; o Sr. Manoel Garça; o Sr. Armínio Onça; o Sr. José Pacu; o Sr. Manoel Suçuarana; o Sr. Joaquim Peixe-Boi; os netos do Sr. Chico Padre e outros.

E quem deu armas a essa gente toda, inquiriu o advogado-policial. Responde Joaquim Turra: Foi o Sr. João Rola...

Sabe-se que o advogado em missão policial, à míngua de maiores informes nominais para identificar os saqueadores, concluiu o inquérito sem poder indiciar os culpados em seus verdadeiros nomes, e o inquérito encaminhado à autoridade judiciária competente, por falta de base para a denúncia, foi arquivado, sem prejuízo do que dispõe o artigo 18 do Código de Processo Penal.

segunda-feira, setembro 28, 2015

NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PMAM (2)


Coronel Lucy entrega prêmio a Waldir
Garcia, ao fundo, coronel Câmara.
Jornal A Crítica, 12 março 1975
Em março de 1975, José Bernardino Lindoso tomou posse no Governo Estadual, sequenciando a Henoch da Silva Reis. Para compor seu secretariado, escolheu a Waldir Garcia para a Secretaria de Educação e Cultura. 
Exercendo a função de Juiz Auditor Militar, funcionando na Polícia Militar do Amazonas (PMAM), Garcia possuía experiência na área, pois fora professor e diretor da então Escola Técnica de Manaus. já havia publicado um livro em que deixa bem patenteado seu trabalho como mestre de sala de aula.

A corporação da Praça da Polícia organizou, para tanto, uma manifestação a fim de expressar o apreço e a admiração com que se despedia desse magistrado. À despedida, compareceu o comandante-geral, coronel Lucy Coutinho de Castro, acompanhado do coronel Pedro Câmara e demais oficiais e outros servidores daquela repartição. 

O registro abaixo, pertence ao jornal A Crítica, de 16 março, mostra (na fileira de cima, a partir da esquerda) os oficiais: Manoel Freire, Nathan Lamego, Romeu Medeiros, Ilmar Faria, Nestor Arnaud, Silva Santos, (?), Celio Silva e Franz Alcantara.  
(Na fileira de baixo) Ivens Carreira, Gonzaga Pinheiro, Simonetti Filho, Pedro Câmara, Waldir Garcia (homenageado), Gebes Medeiros, Edval Fonseca, Osias Lopes, Cavalcanti Campos e Ruy Freire.






sábado, setembro 06, 2014

MISSÃO DO SACARÁ OU SILVES





Volto a explorar o livro do falecido mestre e jurista Waldir Garcia, que nos legou uma coletânea de histórias de sua cidade natal – Silves. Esta, transcrita abaixo, envolve um conhecido vigário da paróquia de Nossa Senhora da Conceição local. Padre Daniel Oliveira, além da atuação religiosa, exerceu o mandato de deputado provincial e outro mister não muito digno, segundo as palavras do saudoso silvense.


CHICO PADRE

Waldir Garcia

Igreja de Silves
A igreja de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Silves, guarda em seu corpo os restos mortais do Padre Daniel Marques d'Oliveira, pároco daquela cidade e que foi deputado estadual no Amazonas, em cuja atividade legislativa, segundo pesquisa publicada pelo inefável escritor Genesino Braga, foi autor da lei que concedeu os primeiros recursos financeiros para a construção da igreja de São Sebastião, desta Capital.
Acontece que o Padre Daniel não fora um sacerdote casto, até certo tempo, como foi o Padre Antonio de Morais, figura central do romance O Missionário, de Inglez de Sousa, o qual, afinal, apaixonara-se por Clarinha, vindo, finalmente, a fazer amor com ela "sobre o tapete de folhas úmidas do orvalho, douradas pelo sol", num cacaueiro aí na velha Mundurucânia. Ao contrário dele, Padre Daniel parecia-se
com o Padre José, que antecedera ao Padre Antonio de Morais, na mesma paróquia de Silves e que, segundo ainda Inglez de Sousa, “era um pândego que passava meses nos lagos, tocando violão e namorando as mulatas e as caboclas dos arredores...” 
Em que pese o grandioso trabalho missionário desempenhado por Padre Daniel à comunidade silvense, o certo é que prevaricou no cumprimento dos deveres sacerdotais, no que tange ao celibato e à castidade, por isso que deixou alguns filhos havidos com as caboclas saracaenses, dentre eles, Francisco Ferreira Neves, mais conhecido por Chico Padre, sobre quem iremos transmitir algumas estórias que, à moda folclórica, correm de boca em boca.
 
Chico Padre era comerciante, estabelecido no lugar denominado Conceição, situado num igarapé à margem direita do rio Urubu, atrás da cidade de Silves. Costumava regatear em todo o município, praticando o escambo, forma primitiva do comércio local: comprava castanha, pirarucu, couros e peles, madeiras, farinha, balatas, óleo de copaíba e de andiroba, breu, cacau, enfim, os produtos agrícolas ou os extraídos das matas, e os trocava por fazendas, cachaça, sabão, café, arroz, açúcar, querosene etc...

Seu regatão, puxado a faia, tinha tolda dupla: uma atrás e outra na frente. Na de trás estavam os armarinhos, as prateleiras sortidas e a cama de Chico Padre. Era um caboclo bem apessoado e metido a conquistador. Usava olho de boto.
 

Gostava que exaltassem suas aventuras amorosas, e isso muito o envaidecia e o tornava dócil e acessível mesmo aos fregueses mais recalcitrantes no pagamento de suas dívidas.

Havia em Silves, residente no bairro de Mucajatuba, um dos tipos mais estúrdios que ali pontificara: Angélico Neves, que atendia pelo apelido de Poronga. Inteligente, sagadíssimo, cordial e afável, sabendo que Chico Padre gostava que gabassem suas aventuras amorosas, aproveitava-se da fraqueza do comerciante para conquistar-lhe a simpatia, embora seu nome constasse da lista negra de Chico Padre, porque mau pagador.

Aos domingos o regatão de Chico Padre estacionava no porto de sua casa comercial, em Conceição. Desde cedo a freguesia começava a chegar para fazer compras e bebericar. As montarias se aproximavam, uma a uma, e o regatão ficava rodeado de canoas. Raimundo Tapiú era o caixeiro de Chico Padre, isto é, a pessoa que atendia a freguesia, enquanto Chico Padre embalava-se numa rede sob o toldo do regatão, refrescado pela brisa agreste que vinha das matas do Sanabani.
 
Vista aérea de Silves
A freguesia começava a contar estórias e a bebericar. No meio do regatão, sobre um banco largo de itaúba, um garrafão de cachaça estava disponível para atender aos fregueses em sua sede etílica.

Onze horas da manhã desponta, ao longe, uma canoa com um só tripulante, que se aproxima do regatão. Pelo tipo de remada cadenciada, Tapiú identificou o tripulante, dizendo:  "Seu Chico, lá vem o Poronga!" Chico Padre contrariou-se e disse logo: "Seu Tapiú, esse miserável não leva um tostão fiado! Veja bem, não se vende fiado ao Poronga! Ele não paga as contas, é um refinado caloteiro!"...

Aproxima-se a montaria. Era mesmo o Poronga, que amarra a canoa ao regatão e saúda os presentes: "Bom dia a todos!", a que os presentes respondem com alegria e um sorriso sarcástico nos lábios. Dirige-se ao Chico Padre e o saúda assim: "Bom dia, seu Padre!", a que Chico Padre responde com a cara fechada de mau humor: "Bom dia, seu Poronga!"

Poronga não se perturba. Puxa do bolso da calça uma moeda de um cruzado – que àquela época valia quatrocentos réis – e pede: "Seu Tapiú, dê-me duzentos réis de cachaça, um mata-bicho bem dosado!" Tapiú o atende prontamente, Poronga, num gesto de elegância, oferece aos presentes, que agradecem, e gentilmente vira-se para Chico Padre e lhe oferece a pinga também, e tem resposta negativa de aceitação. 

Depois de ingerir a bebida de um só trago, Poronga dá uma cuspalhada para dentro d'água, conserta a garganta e virando-se para o Chico Padre, que continuava a embalar-se na rede, e diz: "Ah! meus amigos, se aquela rede falasse certamente contaria as grandes aventuras amorosas do Padre. Quantas caboclas ele já amassado no fundo dessa rede ou sobre as tábuas do soalho! A fama do Padre vai longe, minha gente! Dizem que no paraná de Boa Esperança, na costa do Rebojão, na costa do Cucuiari e no paraná do Pai Tomás, em cada um desses lugares ele tem duas ou três fêmeas à espera dele. Basta o regatão dele buzinar, que elas já vêm para o barranco, esperá-lo!  É um felizardo! É o homem que tem mais cutubas nestas paragens!"...

Chico diz: "Deixa disso, Poronga, sabes que não sou tão marupiara para as garotas, não é?” Poronga continua: "É, pessoal, a continuar assim, daqui a alguns anos, em cada um desses pontos referidos vão construir uma capelinha para abrigar os filhos do Chico Padre!” Os fregueses riam a valer, enquanto Chico Padre ficava cada vez mais vaidoso e regozijado com os elogios que Poronga fazia de sua macheza.
Poronga pede mais duzentos réis de cachaça e Tapiú o serve. Ele oferece a Chico Padre, que aceita e bebe toda a tiquira. Chico Padre passa a contar, ele mesmo, as suas aventuras de amor e, dar a momentos, é o próprio Chico Padre quem oferece a bebida a Poronga. Bebem à farta, e lá pelas quatro da tarde, Chico Padre já está meio bêbado, eufórico, palrador, coração mole, do que se aproveita Poronga para dar o golpe fatal, dizendo: "Seu Padre, quero fazer um ranchinho para a família, posso?" Chico Padre ordena: "Seu Tapiú, atende o Poronga no que ele quiser!"
Poronga faz a lista das mercadorias de que precisa: sabão, cachaça, arroz, querosene, tabaco, papelinho zig-zag, tauari, isqueiro de rabo, anzóis ingleses, linha para arpoeira, dois pares de tamanco, duas redes, uma saca de sal, um alqueire de farinha. Coloca tudo na Cornicha, sua canoa, e cobre a mercadoria com um japá.

Poronga bebe mais alguns goles e se despede dos presentes, especialmente de Chico Padre: "Bem, seu Padre, até o próximo domingo. Deus o proteja, conserve e guarde!" Chico Padre diz: "Amém!", e já embriagado, volta à rede a delirar, vivendo as emoções amorosas postas em destaque por Poronga e fazendo planos para novas aventuras, enquanto Poronga, distanciando-se do regatão, deixa mais um fiado a fundo perdido, no alegre regatão do Chico Padre.

segunda-feira, maio 26, 2014

À SOMBRA DOS IGAPÓS | 03


Avenida Eduardo Ribeiro, em 1928, ao tempo
descrito pelo cronista
Este texto, mais um sacado do livro de Waldir Garcia, descreve outro pedaço da cidade, que o avanço urbanístico soterrou. O igarapé da memória do saudoso cronista existe apenas como esgoto. Lembro que o livro foi editado em 1987, portanto, os citados nele certamente já não podem testemunhar, nem relembrar o passado bucólico de Manaus.
 
POMERÂNIA – BALNEÁRIO PIONEIRO 


A década de 30 transcorria sob a égide do Estado Novo, implantado pelo gaúcho Getúlio Vargas que, rompendo, já àquela época, com a Velha República, trazia com enfáticas promessas de esperança a renovação dos costumes políticos, a austeridade administrativa, combate implacável à corrupção e às ideologias alienígenas, acabando por impingir-nos nova Carta Constitucional – a de 10 de novembro de 1937 – de modelo e inspiração totalitárias.
 
Não obstante o regime discricionário imposto, no Amazonas vivia-se em clima de paz, tendo o Estado como timoneiro a inefável figura de Álvaro Botelho Maia, cuja irradiante bondade, lhaneza de trato e formação acendradamente democrática, permitiu-nos a nós, amazonenses, atravessar o regime então vigente sob a placidez da liberdade, da concórdia, da fraternidade, enfim.

A essa época Manaus era uma cidade bem iluminada e servida por um invejável sistema de transporte urbano – o Bonde –, que, sobre trilhos, oferecia-nos com pontualidade britânica e barato as linhas de Cachoeirinha Circular, Adrianópolis, Pobre-Diabo, Parada Campelo, Fábrica de Cerveja, Parque Amazonense, Flores, Alto-Nazaré, Saudades e Remédios, estas duas últimas preferidas dos jovens, principalmente aos domingos e feriados, para os tradicionais passeios e namoricos.

Bonde na estação da Cachoeirinha,
hoje Manaus Energia
Na Rua Lobo D'Almada, onde hoje pontifica[va] o renomado esculápio Raimundo Moura Tapajós, situava-se o escritório de procuradoria do meu saudoso tio e amigo Francisco Barnabé Gomes, que detinha o serviço de procuradoria de quase todo o funcionalismo público do interior do Estado, bem como da Magistratura e do Ministério Público, havendo ainda em seu escritório afinado serviço de advocacia cível e criminal prestado pelos renomados juristas da época: Waldemar Pedrosa, Leopoldo Carpinteiro Péres e Huascar de Figueiredo.

Nessa década Barnabé Gomes adquiriu um balneário a que denominou de Pomerânia, situado na Av. Constantino Nery, e que tinha um belíssimo pomar, uma casa de madeira coberta de telha tipo "Marselha", e um refrescante igarapé de águas correntes e límpidas, onde se reuniam, aos domingos e feriados, os familiares e amigos, dentre os quais me recordo de Zelmar Bonates da Cunha, Tancredo Moreira Lima, César Ituassú, Lulu Levy, Rubens Sena, Cícero Menezes, Fvio de Castro, Waldemar Pedrosa, Péricles Moraes, Antônio Maia, Carvalinho, diretor dos Correios, José Galvão, Oyama Ituassú e os desportistas Sálvio Corrêa, Almir e Adair Marques da Silva e tantos outros.

Eu era ginasiano e morava na Pomerânia. Às seis da manhã apanhava o bonde de Flôres para, às 6h30, saltar no Canto do Quintela [esquina da avenida Sete com a Joaquim Nabuco] e assistir às aulas no Gymnasio Amazonense Pedro II, a partir das sete horas. Meus primos e companheiros inseparáveis Benjamim e Manoelito participavam comigo dos entretenimentos domingueiros: caça aos tucanos, pesca de acarás e piabas, no igarapé que se dividia em duas partes distintas: uma rasa, de fundo arenoso, limpo e transparente, e outra com perau, de águas escuras, onde moravam acarás, cobras e até jacaretingas, de porte pequeno, que eram por nós eliminados a tiros de rifle.

Aos domingos e feriados Barnabé Gomes estava na Pomerânia com toda a família: tias Mingota, Nenen e Sabá, Dona Maroca, velhinha e afável, os filhos Manoel Antônio, Jurandir, Hindemburgo, Jandira, Jacira, Marília, Glorinha, Elvira, Yolanda, Mário Hindemburgo, Guilherme, Lizandro e Roberto; e o seu afilhado Estácio, que tomava conta do balneário, alimentando as criações e cuidando do "Dox", um belíssimo pastor alemão, que, à noite, guardava o sítio.

Vizinhos da Pomerânia eram os balneários de Armindo de Barros e a Chapada dos Turcos, onde se localiza hoje o Clube Sírio-Libanês [hoje, a única referência do local].

B
arnabé Gomes costumava comunicar-se com seu vizinho Armindo de' Barros dando pranchadas com um “terçado 128” no tronco de uma velha árvore ali existente. Quando Armindo chegava, começava o banho no igarapé, regado a suculentas batidas de maracujá, caju e outras frutas cítricas regionais. Pomerânia tinha ao fundo um imenso areal e ali improvisamos um campo de futebol, onde jogávamos todas as manhãs de domingos e feriados.

Em 1938 Pomerânia foi vendida ao pranteado amigo Jacob Benoliel. Hoje, com suas águas poluídas, como geralmente estão as de todos os balneários vizinhos, Pomerânia traz-nos recordações imorredouras, como de haver sido um dos balneários pioneiros de nossa encantadora Manaus.