CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, maio 26, 2014

À SOMBRA DOS IGAPÓS | 03


Avenida Eduardo Ribeiro, em 1928, ao tempo
descrito pelo cronista
Este texto, mais um sacado do livro de Waldir Garcia, descreve outro pedaço da cidade, que o avanço urbanístico soterrou. O igarapé da memória do saudoso cronista existe apenas como esgoto. Lembro que o livro foi editado em 1987, portanto, os citados nele certamente já não podem testemunhar, nem relembrar o passado bucólico de Manaus.
 
POMERÂNIA – BALNEÁRIO PIONEIRO 


A década de 30 transcorria sob a égide do Estado Novo, implantado pelo gaúcho Getúlio Vargas que, rompendo, já àquela época, com a Velha República, trazia com enfáticas promessas de esperança a renovação dos costumes políticos, a austeridade administrativa, combate implacável à corrupção e às ideologias alienígenas, acabando por impingir-nos nova Carta Constitucional – a de 10 de novembro de 1937 – de modelo e inspiração totalitárias.
 
Não obstante o regime discricionário imposto, no Amazonas vivia-se em clima de paz, tendo o Estado como timoneiro a inefável figura de Álvaro Botelho Maia, cuja irradiante bondade, lhaneza de trato e formação acendradamente democrática, permitiu-nos a nós, amazonenses, atravessar o regime então vigente sob a placidez da liberdade, da concórdia, da fraternidade, enfim.

A essa época Manaus era uma cidade bem iluminada e servida por um invejável sistema de transporte urbano – o Bonde –, que, sobre trilhos, oferecia-nos com pontualidade britânica e barato as linhas de Cachoeirinha Circular, Adrianópolis, Pobre-Diabo, Parada Campelo, Fábrica de Cerveja, Parque Amazonense, Flores, Alto-Nazaré, Saudades e Remédios, estas duas últimas preferidas dos jovens, principalmente aos domingos e feriados, para os tradicionais passeios e namoricos.

Bonde na estação da Cachoeirinha,
hoje Manaus Energia
Na Rua Lobo D'Almada, onde hoje pontifica[va] o renomado esculápio Raimundo Moura Tapajós, situava-se o escritório de procuradoria do meu saudoso tio e amigo Francisco Barnabé Gomes, que detinha o serviço de procuradoria de quase todo o funcionalismo público do interior do Estado, bem como da Magistratura e do Ministério Público, havendo ainda em seu escritório afinado serviço de advocacia cível e criminal prestado pelos renomados juristas da época: Waldemar Pedrosa, Leopoldo Carpinteiro Péres e Huascar de Figueiredo.

Nessa década Barnabé Gomes adquiriu um balneário a que denominou de Pomerânia, situado na Av. Constantino Nery, e que tinha um belíssimo pomar, uma casa de madeira coberta de telha tipo "Marselha", e um refrescante igarapé de águas correntes e límpidas, onde se reuniam, aos domingos e feriados, os familiares e amigos, dentre os quais me recordo de Zelmar Bonates da Cunha, Tancredo Moreira Lima, César Ituassú, Lulu Levy, Rubens Sena, Cícero Menezes, Fvio de Castro, Waldemar Pedrosa, Péricles Moraes, Antônio Maia, Carvalinho, diretor dos Correios, José Galvão, Oyama Ituassú e os desportistas Sálvio Corrêa, Almir e Adair Marques da Silva e tantos outros.

Eu era ginasiano e morava na Pomerânia. Às seis da manhã apanhava o bonde de Flôres para, às 6h30, saltar no Canto do Quintela [esquina da avenida Sete com a Joaquim Nabuco] e assistir às aulas no Gymnasio Amazonense Pedro II, a partir das sete horas. Meus primos e companheiros inseparáveis Benjamim e Manoelito participavam comigo dos entretenimentos domingueiros: caça aos tucanos, pesca de acarás e piabas, no igarapé que se dividia em duas partes distintas: uma rasa, de fundo arenoso, limpo e transparente, e outra com perau, de águas escuras, onde moravam acarás, cobras e até jacaretingas, de porte pequeno, que eram por nós eliminados a tiros de rifle.

Aos domingos e feriados Barnabé Gomes estava na Pomerânia com toda a família: tias Mingota, Nenen e Sabá, Dona Maroca, velhinha e afável, os filhos Manoel Antônio, Jurandir, Hindemburgo, Jandira, Jacira, Marília, Glorinha, Elvira, Yolanda, Mário Hindemburgo, Guilherme, Lizandro e Roberto; e o seu afilhado Estácio, que tomava conta do balneário, alimentando as criações e cuidando do "Dox", um belíssimo pastor alemão, que, à noite, guardava o sítio.

Vizinhos da Pomerânia eram os balneários de Armindo de Barros e a Chapada dos Turcos, onde se localiza hoje o Clube Sírio-Libanês [hoje, a única referência do local].

B
arnabé Gomes costumava comunicar-se com seu vizinho Armindo de' Barros dando pranchadas com um “terçado 128” no tronco de uma velha árvore ali existente. Quando Armindo chegava, começava o banho no igarapé, regado a suculentas batidas de maracujá, caju e outras frutas cítricas regionais. Pomerânia tinha ao fundo um imenso areal e ali improvisamos um campo de futebol, onde jogávamos todas as manhãs de domingos e feriados.

Em 1938 Pomerânia foi vendida ao pranteado amigo Jacob Benoliel. Hoje, com suas águas poluídas, como geralmente estão as de todos os balneários vizinhos, Pomerânia traz-nos recordações imorredouras, como de haver sido um dos balneários pioneiros de nossa encantadora Manaus.

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