Às voltas com a revisão do livro Ronda dos Fatos, que organizo com os textos do padre-poeta L. Ruas publicados em sua coluna de mesmo nome, esbarrei com a página aqui compartilhada. Escreveu ele sobre o trânsito de Manaus, em setembro de 1963, no extinto matutino A Gazeta. Há quase 60 anos. Imagino sua angústia em nossos dias.
L. Ruas, em sua RG |
A Ronda da Morte
CONTINUAMOS
a sofrer, diariamente, o impacto de acidentes de trânsito que arrastam atrás de
si os despojos trágicos de uma vitória macabra. Em que pesem as medidas
tomadas, inclusive e principalmente, pelo Excelentíssimo Senhor Governador do
Estado, salientando-se a colaboração valiosa da Polícia Militar do Estado, os
desastres se sucedem quase sem interrupção. Parece-me que só há uma solução:
intensificar a fiscalização estendendo as medidas de fiscalização aos
pedestres.
Não
há quem não fique chocado com a brutalidade de um desastre como o ocorrido na
manhã de ontem. Um verdadeiro absurdo! Mal se pode calcular a violência do
baque sofrido pela Rural tamanha foi a consequência. E o saldo? Um jovem pai de
família, contando apenas trinta e sete anos de idade, estendido no asfalto,
banhado em sangue, morto, deixando doze crianças na orfandade...
Diante da morte não há mais solução. Resta-nos pensar nos que estão vivos. Vamos pensar nas crianças que vão para a escola ou que estão voltando para casa. Que os pais tenham mais cuidado com seus filhinhos. Evitem o mais que puderem deixá-los à solta no meio das ruas e das estradas. Se puderem, acompanhem-nos na ida e na volta da escola. Pensemos nos pais de família que vão ou voltam de seus trabalhos preocupados com o sustento dos seus lares. E que os pais de família, motoristas ou pedestres, pensem nas suas famílias e nas famílias dos outros. Os primeiros dirigindo com mais cuidado, não querendo bancar os ases do volante, fazendo acrobacias desnecessárias quando não fatídicas.
É sempre melhor e mais humano perder um minuto na vida do que a vida num minuto. Ou fazer com que os outros a percam. Os pedestres, por sua vez, se convençam de que as ruas e as estradas foram feitas para os veículos. O pedestre deve andar nas calçadas e quando é obrigado a atravessar a rua que o faça com cuidado, observando os sinais de trânsito onde os houver e onde não, observando cuidadosamente. Olhe para um lado e para o outro. Veja se vem algum carro. E só então atravesse. E atravesse o mais depressa que puder.
Pensemos
nas mães de família que são obrigadas a deixarem o interior de suas casas, às vezes,
para cuidarem de problemas ou da saúde de um filho ou mesmo para se distraírem.
Pensemos nos jovens. Nas moças e nos rapazes em pleno esplendor da vida. Que
coisa bela a vida! E a vida dos jovens, então! E as moças e os rapazes pensem
também, no futuro. Em tudo o que a existência lhes reserva e não se deixem
massacrar pelas rodas traiçoeiras dirigidas pela morte.
Burlemos
a morte. Façamos uma campanha de consciência simultânea à campanha de
fiscalização. Não é possível que não nos perturbemos vendo e sabendo a morte,
todos os dias, de pessoas conhecidas, de amigos, de parentes. Façamos uma
campanha contra a morte em favor da vida. Não consintamos que a morte nos
surpreenda na sua ronda fatídica e traiçoeira. E estupida. Mas não basta que os
soldados da PM multem, apreendam carteiras, prendam motoristas. Isto é necessário,
mas não é tudo. É preciso que saibamos respeitar os outros, o nosso próximo, e
respeitá-lo, principalmente, naquilo que é a sua maior riqueza: a vida. Mas,
para que saibamos respeitar os outros é preciso que nos saibamos respeitar. Respeitemos
os nossos direitos. Respeitemos a nossa vida.
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