CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, junho 23, 2021

ENCONTROS & DESENCONTROS

De retorno ao livro Com a Cara e a Coragem, de Hilton Rego, para mostrar dois fatos que nos baliza, sem nos permitir conhecer. Hilton nasceu em Manaus e migrou com a família para o Rio de Janeiro, onde consolidou sua vida. Nascido em 1936, chegou ao Rio na casa de tios em 1947. No ano seguinte, chegaram seus pais, indo residir em Irajá, onde a família permaneceu por quatro anos.

Capa do livro do Hilton

Assim descreveu ele aquele bairro:

Meu pai conhecia diversos marítimos, entre oficiais e subalternos que moravam no Rio de Janeiro há muito tempo. A maior parte era oriunda do Nordeste. E eu não sei quem deu a ele a infeliz ideia de alugar uma casa na Rua Calmon Cabral em Irajá. Era uma rua sem asfalto com esgoto a céu aberto. Uma coisa horrível a qual não estávamos acostumados.

Irajá naquele tempo não tinha nenhuma rua asfaltada a não ser a Estrada Monsenhor Félix, hoje denominada avenida por onde circulava o bonde em mão dupla em alguns trechos, e em outros havia desvios dos trilhos e os lotações. Na maioria das vezes as pessoas ficavam muito tempo esperando o bonde chegar.

O outro logradouro principal era a Avenida Automóvel Clube, também sem calçamento, por onde transitava o trem maria-fumaça da Estrada de Ferro Rio D'Ouro, também com trilhos que tinham desvios em diversos trechos e terminava na Pavuna.

No leito desta ferrovia atualmente circulam os trens da linha dois do Metrô do Rio de Janeiro. O trem naquela época demorava tanto a chegar em Irajá que os moleques tinham tempo de jogar futebol em cima dos trilhos diariamente.

Junto com a família, eu desembarquei no Rio no Carnaval de 1950. E fomos morar em Irajá na residência do tio Francisco, irmão de meu pai, rua Cláudio da Costa, em tudo igual a descrição acima. Não durou muito a aventura carioca de minha família, pois, em janeiro do ano seguinte, estava de retorno.

Família Mendonça, ao 
embarcar em 1950

Dez anos velho que eu, e por ter frequentado a escola local e residido por mais tempo, Hilton pode descrever melhor as deficiências daquele subúrbio. Todavia, foi essa a impressão da localidade em que morei um ano. Era um “fim de mundo”, tanto que meu pai que trabalhou na construção do Maracanã, reclamava de que somente via os filhos acordados no final de semana, pois saia de madrugada e retornava à noite.

***

Outro fato narrado pelo Hilton diz respeito a um prédio que existiu no cruzamento da rua Duque de Caxias com a Santa Isabel, na Praça 14 de Janeiro, onde hoje funciona a Escola Estadual Farias Brito. Ao tempo da Segunda Guerra ali funcionou um quartel, e dele é lembrado um fato inusitado. Conheci este prédio, mas o detalhe é que, em 1982, adquiri uma casa ao lado deste educandário pela rua Santa Isabel. Leiamos o que nos conta o Hilton:

Assim como no Brasil todo, no Amazonas havia uma campanha para ajudar no esforço de guerra. (...)

 

Em frente à nossa casa na rua Santa Isabel havia uma parede lateral do quartel do Regimento Brasília, unidade de infantaria do exército brasileiro, no qual estavam aquartelados centenas de soldados que diariamente saiam para treinamento e aguardando ordens para embarcar para Recife para se juntar a outras tropas que iam para a Itália.

Certo dia, a parede do quartel do exército que ficava em frente à nossa casa, amanheceu toda pichada com letras garrafais escrita CAGÃO. Era produto dos moleques da rua que souberam que um sargento que havia embarcado não aguentou e teve uma diarreia emocional, desembarcando na cidade de Itacoatiara, no rio Amazonas, voltando para Manaus em outro barco, se internado no hospital, escapando dessa forma de ir para a guerra.

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