Os Bombeiros do Amazonas foram comandados, entre fevereiro
de 1978-79, pelo então tenente-coronel
Osório Fonseca Neto. Leia o final da entrevista que este concedeu para
o livro sobre a corporação. As indagações (em azul) são de minha autoria.
Viatura APQ (Auto Pó Químico) em desfile do Sete de Setembro, na av. Eduardo Ribeiro (1975) |
Como você conheceu o serviço dos Bombeiros? Eu não conhecia os bombeiros. Assim, qual foi a
minha atitude? Não palpitar em ações próprias de bombeiros. Comandar como
militar, sem me envolver tecnicamente, por entender que eu não possuía
competência para tanto. Aprendia com eles. Tanto que após cada atuação reunia o
grupo envolvido, o comandante da operação e os demais. A equipe explanava as
medidas tomadas e dava aula sobre os resultados.
Lá pelas tantas, em Manaus despontou o problema
de abelhas africanas. O primeiro ataque que tive conhecimento ocorreu na Vila
Militar da Cachoeirinha, perto do Hospital Militar do Exército.
Em que ano ocorreu? Em 1978. As abelhas “africanas” atacaram dois
cachorros na residência de um oficial do Exército. Mataram os cães por asfixia.
(...) os bombeiros foram acionados. Ninguém tinha experiência alguma com
abelhas, ninguém sabia que fazer. Acreditando que já podia palpitar, opinei:
“Vamos vestir um homem-rã ou o bombeiro que efetuar a operação com a roupa de
mergulho”. Quero dizer, roupa de neoprene preta, a máscara contra gases, assim
podia melhor respirar. A estratégia: o operador sobe a escada, tira parte do
telhado onde as abelhas se aninham e, então, a gente acaba com elas!
Aconteceu, entretanto, verdadeiro desastre: as
abelhas revestiram o corpo do bombeiro, milhares delas. Assim, ele virou enorme
gorila. E pior, elas atacaram aos que
apreciavam a operação, e todos foram atingidos. Por sorte, eu sofri duas ou
três picadas, mesmo assim, fui acometido de enjoo, com febre e mal-estar. Quem
estava lá sofreu com o veneno das “africanas”. Portanto, o meu palpite foi
desastroso, porque a abelha africana é peçonhenta, venenosa e, dependendo da
intensidade de picadas, pode matar.
Também isso é ser bombeiro. Nos quase dois anos
que comandei a instituição, tive emoções fortíssimas. Meu coração bateu forte
inúmeras vezes, quando vi, quando presenciei e, usando uma expressão atual,
quando saquei o que esse povo fazia. Não era só apagar incêndio, ou como
se dizia: “Pra apagar incêndio, basta chamar os bombeiros!”.
Alguma história peculiar? Houve, sim, uma história inesquecível. Ao lado da
padaria Santo Antonio (hoje Cintia), próximo ao Hospital Militar, existem umas casas
geminadas, em uma delas morava uma senhora obesa, bem gorda mesmo, acompanhada
da filha. Quando saiam para compras na padaria, frequentemente esqueciam a
chave da entrada, ora pelo lado de dentro, ora o vento batia a porta.
Resultado: ficavam “presas” do lado de fora. Chamavam os bombeiros, que
repetiam a mesma operação: armavam uma escada, subiam, passavam pela janela,
abriam a porta e libertavam as “presas”. Ora, isso exigia levar a escada e
repetir toda aquela manobra.
Decisão: fez-se uma cópia da chave da casa
e, quando chamado, o bombeiro ia de motocicleta abrir a porta, claro, trazer a
chave. Assim se resolveu parcialmente o problema das senhoras trancadas por
fora, às vezes, trancadas em "trajes menores".
Lembra algum grande acidente de que, sendo comandante, participou? O maior acontecimento foi, sem dúvida, o incêndio
da fábrica Potência, no Distrito Industrial. Para nós, o incêndio foi
classificado de grandes proporções, em razão da perda total da indústria, que
operava material sintético. Além deste, armazenava no interior do prédio,
lubrificantes e combustíveis; inflamáveis que contribuíram fartamente para o
resultado.
Nesse combate, assisti um grave acidente com um
soldado e um sargento. Um desses heróis anônimos, tentando remover um tambor de
óleo lubrificante, e como a tampa se desprendesse, foi atingido pelo material
efervescente. Teve baixa hospitalar, com queimaduras graves. Outros apenas se
feriram. Sofri queimaduras leves nos pés, apesar do calçado, porque a fibra
sintética derretia-se, espalhando-se pelo solo.
A intensidade do fogo obrigou-nos a usar água de
piscinas de clubes ao redor. Enfim, eu olhava para aquelas estruturas de ferro
retorcidas, ou que se retorciam ao fogo, pingando como lágrimas altamente
incandescentes. Como era assustador sentir as temperaturas elevadíssimas.
Confesso, foi uma visão terrível!
Então, recorde as
alegrias que teve. O reconhecimento da população aos serviços
prestados pelo Corpo de Bombeiros. Aquele “muito obrigado”, ou aquele gesto que
chegava no dia seguinte, ou aquela visita ao quartel, para dizer: “Olha, muito
obrigado pra vocês, porque vocês fizeram isso”. “Nós perdemos o nosso filho...
ou “Perdemos o nosso motor, mas se não fossem vocês...”. Esse retorno, nessas
condições, muito nos reconforta. Para quem aqui trabalha, é deveras reconfortante.
Esses gestos enterneciam a você? Certamente. Vem-me outra alegria. O Corpo de Bombeiros tem grande
orgulho de seus mergulhadores. Mergulhar no Amazonas não é como mergulhar em
águas claras, em águas oceânicas. Eu tentei me exercitar nas águas amazônicas e
me desesperei, porque não enxergava nada. Não há lanterna, não há meios que ilumine
a lama do rio Solimões ou as águas do rio Negro. Nossos homens mergulham em
profundidades, vão lá, retiram o que buscam. Possuem uma noção
espacial-submarina incrível, própria deles. Por isso, quando olho para eles,
primeiro os vejo com enorme inveja, porque poucos são capazes de realizar o que
eles realizam. Depois, repleto de orgulho, pois eles são do Corpo de Bombeiros.
Renato, atual sargento da reserva, recebe medalha |
Nota: Os feridos mais graves no incêndio da Potência foram o soldado 2101, João Istanilau
da Silva Pedrosa, recolhido ao Pronto
Socorro e Hospital dos Acidentados (av. Joaquim Nabuco) com “queimaduras nos
membros inferiores direito e esquerdo de 1º e 2º graus, sobre 15% da superfície
corporal”. Recebeu alta hospitalar em 4 de dezembro, e seguiu sob os cuidados
do Serviço de Saúde da corporação. Seis meses depois estava de volta ao serviço
e, em 2011, subtenente PM aguardava a transferência para a reserva. O outro foi
o 3º sargento 0265, Eunesimo Batista
Serra, com ferimentos leves, medicado no pronto atendimento. Todavia, sua sorte tem nome e graduação: soldado
Renato José Monteiro Rola que o socorreu, evitando o pior.
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