CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, setembro 03, 2013

CORPO DE BOMBEIROS: CORONEL ALCANTARA (2)


Coronel Alcântara, no
Senabom, em 2006
Estou ultimando um trabalho literário sobre o Corpo de Bombeiros do Amazonas. Para complementar esta retrospectiva, entrevistei o coronel BM Franz Marinho de Alcântara (1952-) que por mais de seis anos exerceu o comando do CBMAM. A conversa ocorreu em junho de 2006 e, para melhor entendimento, o coronel Alcântara preferiu uma conversa contando com a presença do chefe do Estado-Maior, coronel BM Marcos Antônio Rodrigues Ferreira (1957-). Assim, foram dispensadas perguntas prévias. Em resumo, o ex-comandante dos Bombeiros efetuou um momentâneo relato de seus empreendimentos. Aqui e ali, houve uma intromissão, seja do autor seja do chefe do EM.

 
Quartel central dos Bombeiros,
em Manaus

Franz Marinho de Alcântara – (depois de um telefonema) Onde a gente estava? Sim, no caiaque. Mas, há outro projeto, o do AST (Auto Salvamento Terrestre), de fabricação alemã. Parada, há quase 15 anos, esta viatura, tração 4x4, foi totalmente reparada, inclusive com a novidade do alongamento do chassi. A ideia inicial era conseguir por doação um QT (veículo militar) junto ao Exército, mas as negociações não deram resultado. Então, lembrei-me de nosso AST alemão, que depois de reparado e alongado, recebeu uma carroceria copiada do QT. O objetivo inicial era transportar tropa para combate em incêndio florestal, além de busca de pessoas perdidas na mata. No entanto, na estiagem de 2005 funcionou com sucesso transportando alimentos, cestas básicas e água potável. Tem mais, as motocicletas...

Motocicleta equipada -  lançamento do comando
do coronel Alcântara
Roberto Mendonça – ...como as motocicletas foram empregadas?
FMA – Comecei empregando motocicletas CBX200, no centro da Cidade. Instalamos um PB (Posto Básico) na rua Marechal Deodoro, de 8 às 18h. Sempre que acionados pelo 193, enviávamos a solicitação por rádio para o pessoal do posto, que combatia o incêndio com extintores. O índice de incêndios na área diminuiu bastante, hoje é quase nulo. Mas, não se deve apenas ao trabalho dos motociclistas, em paralelo houve um trabalho preventivo. As motos foram altamente positivas. Mas, as vistorias técnicas, sem cunho punitivo, apenas fiscalizador e orientador, surtiram efeito. Buscamos despertar na sociedade uma consciência preventiva. Ao final, elaborávamos um laudo que indicava as falhas a ser corrigidas, os pontos positivos, tudo isto chegava a custo zero ao proprietário, inquilino ou síndico. 
Também fizemos muitas palestras para o pessoal do comércio, organizamos brigadas de incêndio. As brigadas tinham apoio do CDLM (Centro de Diretores Lojistas de Manaus). A aplicação destas iniciativas levou-nos à redução drástica de incêndios no Centro.

Resolvido o Centro, passamos às estradas, com os Bombeiros na Estrada! E, já no primeiro dia, salvamos uma vida. Tratou-se de um jovem acidentado na estrada Manaus-Itacoatiara, próximo à empresa Brastemp. Como o CBM somente dispõe de duas unidades de salvamento, o comando elegeu, na AM-010, os dois locais onde mais ocorrem acidentes: na entrada da Cidade Nova e entre os quilômetros 27 e 35. Como funciona: de hora em hora as motocicletas se deslocam pela estrada em marcha de patrulhamento. A ação foi positiva.
Certo dia, por pouco os patrulheiros assistiam a um acidente. Um jovem, que dirigia um Pálio (veículo da marca Fiat) chocou-se frontalmente com uma Kombi, no km 32. Os Bombeiros, que ouviram os ruídos da colisão, chegaram prontamente e tomaram as providências para o salvamento. Curado, este jovem, por recomendação do médico assistente, sem entender muito, veio ao Quartel agradecer-nos o milagre.

O governador Eduardo Braga, tomado e estimulado pela eficiência da operação, concedeu ao Corpo de Bombeiros cinco motocicletas de 1.000 cilindradas. Com estes potentes equipamentos, o Corpo de Bombeiros do Amazonas passou em todo o território nacional, quiçá no mundo, a ser o único Bombeiro a prestar escolta de autoridades.
A seguir, veio-me a preocupação com pessoas que se perdem na mata. Para este trabalho, empenhei motocicletas modelo motocross. O primeiro a comandar uma operação deste tipo, usando uma motocross, foi o tenente Sulemar Barroso, oriundo do Exército, por sua experiência na selva. Ao final, em relatório, este oficial me comunicou da acertada escolha da moto, pois que, em apenas três dias, percorrera 550 quilômetros. Suas vantagens: cobre grande área em menor tempo; poupando...

RM - ... e a comunicação?
FMA -- Sim, na selva fechada não funciona, precisa se deslocar para área aberta. Mas, trabalhamos com o sistema Globosat. Poupando a energia da tropa. Circula pelos ramais distribuindo informação e colhendo informes dos moradores. Na sua circulação, a motocross deixa marcas de pneus na selva, com isso, há chances do motorista e do elemento perdido acompanhá-las. Outra vantagem é o ruído do motor que, já testado, alcança quatro quilômetros. Estes são os projetos alternativos, mas no Senabom...

RM -  ... quando será o próximo Senabom?
FMA – O organizador do Senabom exige minha presença com o projeto das motocicletas. Apesar de tê-lo apresentado ano passado, o organizador, como disse, exige que o apresente ao Brasil, pois ele é o marco para nós, Bombeiros! É preciso que ele venha para abrilhantar nosso...

(O Senabom mencionado aconteceu no Rio de Janeiro, em julho de 2006, coordenado pelo Corpo de Bombeiros daquele Estado. Estive presente e assisti a desenvoltura das motos e outra "máquina" conduzida pelo coronel Alcântara).

RM – ... este projeto já foi copiado?
FMA – Já. Os Bombeiros do Rio e de São Paulo, por exemplo. E mais, Roberto, este projeto me deixa satisfeito, muito satisfeito. Em função dele, já fui entrevistado pelas TVs da Alemanha, do Japão e da Itália... e, veja, os jornalistas viram a ação dos Bombeiros na rua Marechal Deodoro e perguntaram sobre. Como os soldados informaram que a ideia fora do comandante, as TVs estiveram comigo.

Há outro detalhe: em uma reunião do Conselho Nacional de Comandantes de PMs e Bombeiros, em São Paulo, pude desfrutar o sucesso da minha criação. Coronel Jair Pacca, comandante dos Bombeiros/SP, estava presente. Os comandantes e eu viajávamos em um ônibus do CB por uma avenida de São Paulo, quando deparamos com uma moto acidentada e o motoqueiro no chão. O ônibus parou. O coronel Cristian, comandante dos Bombeiros/RS, prontamente desceu e deu assistência ao ferido. O motorista do ônibus informou ao 193. Em três minutos (!) chegaram as motocicletas do CB. Solicitei, então, ao coronel Cristian que deixasse o atendimento para os Bombeiros.

Diante de uma plateia de comandantes gerais, nem assim os Bombeiros intimidaram-se. Em dez minutos, a unidade de resgate começou a ser ouvida. Chegou em 14 minutos. Bastou 30 segundos para colocar o ferido no interior e sair. Meu projeto estava aprovado e mais, salvando vidas em São Paulo e outros estados do País. Orgulhoso, perguntei-lhes a opinião sobre o projeto. O coronel Cristian confessou ter desacreditado de sua eficiência, porém agora se declarava entusiasmado. Iria ao governador, tão logo regressasse para solicitar a compra de motos e, assim, implantá-lo em Porto Alegre. Eu estava recompensado.

Tem mais: o projeto das motocicletas está patenteado, patenteado em meu próprio nome. E por ele recebi inúmeras e vantajosas ofertas. Sigo convicto de que o que executei não foi para angariar fortuna, mas para salvar vidas, como já acontece pelo Brasil a fora. A força empresarial vem atuando.
Neste sentido, o coronel Sampaio, ex-comandante dos Bombeiros/SP, editor da revista Incêndio, pediu-me notícias sobre o projeto. Enviei-lhe vários recortes de jornais. Ele os tomou e com eles elaborou uma entrevista, apenas, contou-me depois, os empresários não querem ver a revista circulando com a matéria.

RM – E a revista circulou?
FMA – Circulou. Quando peguei a revista, fiquei surpreso com minha foto na capa e três ou quatro páginas de entrevista.

RM – Vamos conversar sobre a expansão dos Bombeiros.
FMA – Quando cheguei, encontrei 392 homens e três viaturas de combate a incêndios operando. Detalhe: as duas escadas (AE) com defeitos mecânicos. Uma escada é de fabricação de 1974 e a outra, de 1986. Tínhamos o comando-geral aqui em Petrópolis, e mais, o 1.º Batalhão de Incêndio, que depois foi transformado em 1.º BIF/MA, de Florestal e Meio Ambiente, interessado em recolher cooperação de órgãos preocupados com o meio ambiente. Nada consegui. Funciona no Distrito Industrial. Com esta unidade combatemos dois grandes incêndios, em Barcelos: em 2003, com 220 km2 de floresta queimada, sob o comando do tenente-coronel Max; em 2004, foram 312 km2 consumidos, sob o comando do tenente-coronel Almeida.
Também encontrei o Batalhão de Bombeiros Especial (BBE), que hoje funciona em aquartelamento situado na Manaus Moderna. (este quartel, a fim de permitir a implantação do Parque Jefferson Péres, foi transferido para as proximidades do elevado de Flores). Outros locais de atendimento: no próprio Aeroporto Eduardo Gomes, que cuida da segurança de aeronaves; Posto da Rodoviária, onde existiu esta unidade da PMAM, no complexo de Flores. No interior: em Itacoatiara e Manacapuru, com unidades de bombeiros urbanos. Além disso, o convênio com os aeroportos de Tefé e Tabatinga.

Hoje, que tem o CBMAM? Além do encontrado, instalei o Posto Soldado Sobrinho, na entrada do aeroporto, como usualmente se diz; o Posto do Zumbi, bairro da Zona Leste, onde funcionava uma base da Cosama; e mais dois Postos do CIS, um na feira da Panair, em Educandos, e outro, na Grande Circular, também Zona Leste.
E, no interior, a unidade de Parintins. Em resumo: temos 695 homens para atender em nove pontos na capital e três, no interior. As viaturas de combate são em número de 14, mais a AEM 17. Ainda há a AEM 01, como não funciona a escada, serve apenas para condução de personagens diversos. É preciso assinalar que também adquiri botes de alumínio e infláveis e motores de popa. Também os jet sky...

RM - ... esse material era empregado em salvamento em praia, que agora será empregado o caiaque...
FMA – ... o Jetsky é muito bom, só que por seu tamanho, 1200 cil., ele bebe demais, ficou muito custoso. Devo comprar um de menor capacidade, de 550 cil., pois atende perfeitamente ao serviço e com um tanque de combustível passa um dia na praia.

RM – Fale para nós acerca dos mergulhadores.
FMA – Os mergulhadores do Corpo são, para nossas águas, os melhores do mundo! Já vi mergulhadores especializados europeus recusarem mergulhar no Amazonas. E os mergulhadores do CBM fazem este serviço. Alguns fatos para ilustrar: uma senhora do interior nos procurou implorando que os Bombeiros encontrassem o corpo de seu filho, que havia se afogado. Pelas informações, vi que era quase impossível. Mas, diante dos apelos maternos, os mergulhadores seguiram para o local. Antes de sair do meu gabinete, presente o coronel Marcos, a senhora afirmou com total convicção: “Eles vão achar!”

Cinco dias depois, nada. Mas, um sargento da equipe à noite sonhou o local do acidente. Para os colegas do serviço, isto se tornou motivo de chacota. Contudo, seguiram o sonhador e, quando este indicou o local, foi obrigado a mergulhar. Lá estava apenas a ossada, pois a quantidade de piranhas e outros peixes haviam descarnado o cadáver. A mãe voltou a este quartel e, entre lágrimas, deixou em uma placa seu reconhecimento.
Outro fato envolve o prefeito de Novo Aripuanã e o governador Eduardo Braga. Certo dia, esse prefeito pediu-me desesperadamente que os mergulhadores fossem ao município, a fim de encontrar o corpo de um afogado. Ponderei de diversas formas, mas tive que ceder. Mandei a equipe. Lá, ela foi levada ao local, onde se empenhou ao máximo. Ao final da tarde, o cadáver foi encontrado.

À noite, o governador Eduardo Braga chegou à sede do município e, em plena praça pública, elogiou aos mergulhadores, mas os desafiou para nova missão. É que sua equipe perdera vários e preciosos equipamentos no naufrágio de uma canoa. Levados ao local, os Bombeiros voltaram ao trabalho e, no dia seguinte, apesar dos 20 metros de profundidade, encontraram o material submerso. Em contato comigo, o governador não mediu elogios aos mergulhadores.
RM – Uma palavra final.
FMA – Lembro somente o que foi realizado de positivo, somente recordo as boas realizações. Tenho o maior respeito pela tropa que comando, toda ela empenhada na realização de nossos projetos.

Nota – coronel Marinho de Alcântara deixou o comando do CBMAM em 2007, depois de mais de seis anos à frente desta corporação.

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