Em 1948, a capital do
Amazonas comemorou seu primeiro centenário – 24 de outubro. A festança foi esfuziante,
com manifestações gerais, para ilustrar, reproduzo o discurso
comemorativo lido na Assembleia Legislativa. E lembro que um marco bem mais sólido
foi inaugurado, trata-se do obelisco plantado na Praça da Matriz, que começa a
ser revista e o monumento melhor resguardado.
Na ALE, foi ouvida a “oração
que o deputado Paulo Pinto Nery, em nome da União Democrática Nacional (UDN), o
partido majoritário, proferiu na Assembleia Legislativa do Estado", na sessão especial
de 23 de outubro de 1948, homenageando o centenário de Manaus.
Curiosa e
desastradamente, em 1969, o mesmo político, na ocasião investido na chefia da
Prefeitura de Manaus (1967-72), preside as comemorações pelo Tricentenário de
Manaus. Apenas 20 anos depois, o município saltou do primeiro para o terceiro
centenário. Quais argumentos levaram o
saudoso prefeito a inventar esta data? Foram somente os estudos de seu assessor? Houve
estudo e comprovação do IGHA, que somente se pronunciou em 2002? Não sei.
Recorte de O Jornal, 24 de outubro de 1948 |
Senhor Presidente e
demais autoridades
As páginas
vivas da história, recordadas nesta semana de eloquente alegria e satisfação
para quantos tiveram a ventura de aqui nascer ou aqui empregar as suas
atividades, oferecem-nos passagens maravilhosas que bem dizem da grandiosidade
de espírito e dos propósitos sadios e patrióticos dos nossos maiores.
Os
colonizadores portugueses e espanhóis, sedentos pelas grandes conquistas e
sonhadores no desbravar os mundos lendários, voltaram as suas vistas para as
terras selváticas, fabulosas e misteriosas, na esperança de satisfazerem as
suas curiosidades, aumentarem os seus domínios com anexação de novas faixas de
terras, transportarem para as suas metrópoles as riquezas formidáveis,
inesgotáveis e cobiçadas por todos.
A
efetivação desta conquista foi feita a troco de vidas preciosas e sofrimentos
indescritíveis, onde a coragem do homem foi posta à prova, face às intempéries da
região, à ferocidade dos selvícolas, senhores absolutos da terra, à temebilidade
das feras, às dificuldades de transportes, à ambição descomedida e sempre
insaciável dos próprios companheiros de jornada.
Cada
palmo de terra conquistada recebia o sinete de sangue derramado por aqueles
heróis desconhecidos, que impulsionados pela miragem de tudo vencer, de pigmeus
insignificantes, transformavam-se em gigantes indomáveis, levando de roldão a
quase invencibilidade da natureza agreste.Lendas
e mais lendas atravessam as fronteiras do território ainda inexplorado,
aumentando o entusiasmo e a ânsia de conquista de quantos ouviam falar no El
Dorado e no país dos Omáguas.
O
festejado historiador amazonense Arthur Cesar Ferreira Reis, nas páginas
lapidares de sua “História do Amazonas”, apresenta-nos em cores emocionantes
essas lendas: “Para o Oriente, como o país da canela, fora também do domínio
incaico, reinava um príncipe, El Dorado, cujas riquezas não eram possível
medir. Os templos, os palácios, a pavimentação das ruas da cidade de Manoa,
onde vivia, tudo nessa região encantada se construíra em ouro, ouro puro, só
ouro. O monarca, pelas manhãs, banhava-se num lago de águas perfumadas, sob as
quais lançavam ouro em pó”. “O país dos Omáguas, confundindo-se com o do El
Dorado, fazia crer que nessa nação também uma cidade resplandecia pela
magnificência de seus edifícios suntuosos, e seus templos edificantes, onde os
ídolos eram de ouro maciço, nação de muitos milhares de indivíduos, governada
pelo poderoso cacique Guarica”.
O
certo, porem, é que a preocupação dominava os espíritos dos homens civilizados
além-fronteiras, forçando-os a projetarem expedições que, de escalada em
escalada, iam varando a selva densa que escondia as paragens buscadas,
plantando aqui e ali um povoado. Com o
transcorrer dos anos, com a vinda de novas expedições, com a catequese dos
selvícolas, ora pela imposição da garrucha, ora pelos meios convincentes, com a
organização de novas povoações, com a implantação nestas regiões de uma
civilização com características já definidas, a história, afinal, oferece-nos o
quadro soberbo da Assembleia Provincial paraense, votando a lei n.º 147, de 24
de outubro de 1848, que eleva a vila de Manaus à cidade, com o nome de cidade
da Barra do Rio Negro.
Descrever
os pormenores do evoluir daquela vila, com foros de cidade, por força legal,
gravando páginas resplandecentes de heroísmo e de trabalho, os nomes de todos
aqueles que como chefes ou como parcelas ínfimas de uma coletividade, que nos presentearam
esta encantadora e risonha Manaus, seria empresa ciclópica, privilégio dos
espíritos amadurecidos no manusear cotidiano dos documentos que a História nos
legou, e não para um espirito curioso, como o do orador que vos fala, que só
agradecimentos tem para com o Grande Deus por lhe ter dado como pátria essa
terra abençoada e dadivosa.
Todavia,
o que não nos foge à imaginação é a imprecisão das primeiras linhas urbânicas,
a insignificante e disseminada população, o mando absoluto como lei suprema, o
trabalho forçado e escravo do nativo, a ganância como bússola de todos os
sentimentos. Crescia,
portanto, caldeada neste ambiente de entrechoque de sofrimentos, de jugo e
liberdade, uma raça forte e destemida, que pela sua perseverança e paciência,
havia de se tornar um povo hospitaleiro e reconhecido, altivo e nobre.
Como
todas as grandes cidades, Manaus teve os seus dias de apogeu. Agigantou-se na
senda do progresso às suas demais irmãs da Federação. Começaram os traçados das
grandes avenidas. As construções dos edifícios suntuosos, que tanto nos
orgulhecem. A organização do porto fluvial, que é a admiração para todos
aqueles que aqui aportam pela primeira vez. O aterramento dos igarapés. As
ligações dos bairros pelas pontes metálicas. A instalação de luz elétrica e água
encanada. A inauguração dos serviços de bondes elétricos. O pronunciamento de uma
vida comercial movimentada e irrequieta, atraindo as atenções dos brasileiros e
estrangeiros, que impulsionados pelas ideias dos lucros fabulosos e fáceis,
transportavam-se em massa para a nossa capital, tornando-a o centro das grandes
transações, colocando numa situação privilegiada a sua balança
econômica-financeira, onde o Ouro Negro, como majestade, era reverenciado por
todos.
Aquela
minúscula cidadela, pontilhada de barracas e tapirís, de um momento para o
outro, como num sonho maravilhoso de mil e uma noites, transformou-se numa
capital elegante, exuberante de alegria, onde os salões e os teatros, as ruas e
os cabarés, feericamente iluminados, acolhiam prazerosamente uma população
feliz e despreocupada, que dava expansão a uma prodigalidade sem medida, numa
demonstração edificante de riqueza e abundância.
Num
trabalho ritmado e coordenado, os seus administradores iam imprimindo um cunho
de grande metrópole a esta capital que tanto nos envaidece. Figuras de homens
públicos exalçaram-se as cumeadas mais elevadas do dever de bem cumprir a árdua
e dedicada missão de que se achavam investidos. Exemplos marcantes nos foram
deixados. Encobrir, porém, os inúmeros colapsos de que fomos vítimas, seria
crime imperdoável. Tivemos momentos de verdadeiro estado pré-agônico. Manaus,
como um moribundo apelava para todos os recursos. Anêmica e depauperada, moral
e financeiramente, sentia faltar-lhe as últimas forças. O espetro da
desmoralização administrativa sobrevoava como um corvo os nossos céus. Manaus,
de decadência em decadência, despida dos dias festivos de grandeza e pompa, quedava-se
abandonada e triste à margem do grande rio Negro.
Talvez
a curiosidade esteja palpitante em cada um dos dignos cidadãos que ora me
ouvem, na expectativa de saber os nomes dos bons ou maus administradores.
Acontece, porém, que por princípio somos adeptos da corrente que aceita os
grandes males como encorajamento para a renovação das grandes empresas. Era
preciso que Manaus pagasse o seu tributo dos dias negros e incertos, a fim de
despertar em seus filhos o amor próprio, e colocá-la novamente no lugar em que
sempre esteve como “Cidade Risonha”.
Para a
glória de Manaus e contentamento de todos que aqui mourejam, vemos que a sua
trajetória ao alcançar o seu centenário, indica-nos uma curvatura ascensional,
prometendo-nos que em dias não muito longe readquirirá, por justo título, o seu
galardão de “Cidade Risonha”.
A União
Democrática Nacional, com a responsabilidade que lhe é inerente na atual
administração, sente-se no dever irrestrito de envidar todos os esforços no
sentido de reafirmar os seus propósitos de bem cumprir a sua finalidade de
partido político genuinamente democrático e progressista, transformando a nossa
Manaus na CATEDRAL AMAZÔNICA, de onde irradiarão beleza, opulência e
hospitalidade.
Salve
Manaus.
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