CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, janeiro 30, 2025

CENTENÁRIO DE MANUEL MENDONÇA (1916-2016)

A fim de comemorar o centenário de nascimento de Manuel Mendonça ou Mendoza, em janeiro de 2016, fiz o lançamento de um selo personalizado. Todavia, o livro que havia escrito juntamente com meu irmão Renato Mendonça – Entre duas viagens – para esta celebração, somente viria a público em junho seguinte. O jornalista Evaldo Ferreira, conhecedor do empreendimento escreveu no Jornal do Commercio (26 jan. 2016) o artigo que aqui compartilho. Sem que imaginasse, ocasionou um atrito familiar. Explico: o nome de Henrique Mendonça, autor do prefácio, foi omitido pelo articulista, e essa omissão a família do mano não acolheu, daí a fricção.

Detalhe do artigo de Evaldo Ferreira

 Autor dos livros “Cândido Mariano & Canudos” (1997); “As artes de Genesino Braga”, prêmio literário da Academia Amazonense de Letras (2006); “Administração do coronel Lisboa”, prêmio literário Cidade de Manaus (2008); “Bombeiros do Amazonas” (2013); e organizador de “Cinema e Crítica Literária de L. Ruas” (2010) e “L. Ruas: Poesia Reunida” (2013), o escritor e historiador Roberto Mendonça acaba de concluir aquele que, possivelmente, será o mais importante livro de sua obra, “Entre duas viagens”, no qual relata a história de Manuel Mendonça Malafaya, seu pai.

“Em 2014 a família se preparava para comemorar o centenário do patriarca neste 17 de janeiro de 2016, mas ele resolveu partir antes, em maio daquele ano, então, eu e meu irmão Renato achamos por bem escrever o livro contando a saga do nosso peruano. Foi uma forma de homenageá-lo”, contou. Por mais de um ano Roberto Mendonça seguiu os caminhos do pai em Manaus, Rio de Janeiro, Santos e até em Iquitos e Lima, no Peru, onde Manuel Malafaya nasceu. “Mendoza, mais conhecido por Manuel peruano”, nasceu em Caballococha, uma povoação situada nas vizinhanças da fronteira Brasil-Peru, em “hermosa orilla” à margem esquerda do rio Amazonas”, disse.

Victoria Malafaya, a mãe de Manuel, era uma índia ticuna nascida na mesma localidade, em 1890. Na época do ciclo da borracha, acabou se envolvendo com um caucheiro, possivelmente um homem rude, pois num dia qualquer de 1927, ela fugiu em direção ao Brasil, trazendo os dois filhos: Manuel e Francisco. Em 1939, Manuel retornou ao Peru, visitou Iquitos e se inscreveu no serviço militar, mas logo voltou a Manaus onde obteve o primeiro emprego de carteira assinada, de balconista, depois gerente, na Fábrica Rosas, a padaria da cidade, instalada na avenida Sete de Setembro defronte à praça da Polícia. A ... com a noiva Francisca, viajou para Iquitos, onde se casaram.

“Os dois até pretendiam se fixar na capital de Loreto, pois chegaram a organizar um comércio, porém, no início de 1946 voltaram para Manaus, com dona Francisca gestante. Então, posso garantir que sou “hecho en Perú”, todavia, nascido em Educandos, à rua Inácio Guimarães, onde mais adiante surgiria o Cine Vitória”, relembrou. Manuel frequentou assiduamente a paróquia do padre Antonio Plácido. “Esse vigário colaborou para que eu ingressasse no Seminário São José, instalado à rua Emílio Moreira, onde pretendia me tornar padre, e conclui o curso de humanidades. Mas achei melhor seguir a carreira militar, servindo ao Exército e depois à Polícia Militar, onde cheguei a coronel. Hoje estou na reserva”, explicou o historiador.


Descobertas históricas

“Voltando a falar de meu pai, o mesmo padre Antonio Plácido realizou o casamento dele com Doroteia, em 1958. Minha mãe havia morrido de tuberculose algum tempo antes. A nova união gerou cinco filhos (Zemanoel, Jorge, Luís, Ricardo e Carlinhos). Com minha mãe foram eu e meu irmão, Renato. No ano seguinte, a nova família de Manuel mudou-se para o Morro da Liberdade e, mais adiante, migrava para Santos”, recordou.

Novamente viúvo, Manuel passou os derradeiros anos de sua vida entre Manaus e São Paulo, visitando os filhos e netos, até morrer, em maio de 2014. “Para marcar o centenário do peruano, no último 17 de janeiro, mandei confeccionar dois selos personalizados. Dois selos porque o homenageado possuiu dois sobrenomes: a certidão de nascimento registra — José Manuel Mendoza; todavia, ao desembarcar em Manaus, aportuguesou o sobrenome, refez o nome, incluindo o sobrenome materno. Desse modo, con mucho orgullo, sou filho de Manuel Mendonça Malafaya”, comentou.

Roberto Mendonça contou que começou a escrever “Entre duas viagens”, junto com o irmão Renato, em janeiro do ano passado. Realizou pesquisas, conversou com parentes mais antigos, viajou pelas cidades onde Manuel vivera e vasculhou fotos. “Conseguimos garimpar algumas raridades, como a da casa onde minha avó, mãe de Manuel, vivera no Peru, ainda no século 19. Acredito que o livro terá umas 50 fotos. A ideia era colocar mais imagens e menos texto, tipo uma linha do tempo. Esse trabalho me rendeu mais algumas descobertas históricas, como o racionamento de produtos, na época da Segunda Guerra, na padaria onde ele trabalhou. O racionamento era rigidamente controlado pelos militares, mas, por baixo dos panos, o dono da padaria sempre conseguia liberar alguma coisa a mais para os seus amigos", entregou.

O livro só será lançado em junho, mas os dois selos o serão no próximo dia 30, sábado, na Agência Filatélica Ajuricaba.

domingo, janeiro 26, 2025

DJALMA BATISTA (1916-79)

 A postagem nos foi disponibilizada pelo amigo Ed Lincon, catador de notícias históricas expostas em jornais manauaras. Trata-se de uma singela recordação da morte do cientista Djalma Batista, que ocorreu em 1979. É obvio que muitas outras memórias sobre este ilustre homem de ciências já se encontram disponíveis. O texto foi extraído do matutino A Crítica (8 e 9 ago. 1999), cabendo
esclarecer que ao tempo este jornal não circulava na segunda-feira (9), por isso, a edição de domingo (8) serviu ao dia imediato.

 

Título da matéria

 Nascido em Tarauacá - Acre, em [20 fev.] 1916, Djalma Batista, importante cientista, completa nesta segunda-feira, 20 anos de sua morte [20 ago. 1979]. Menino ainda, ele veio para Manaus, onde terminou o curso secundário e, após o ter concluído, seguiu o rumo de retirante na direção de Salvador (BA) para formar-se em Medicina, na conceituada Faculdade da Bahia. Djalma voltou diplomado e cheio de sonhos. Aqui desempenhou importantes funções públicas, sobretudo na área da saúde pública e, sobretudo para a população mais carente. A grande maioria dos escritos sobre tuberculose no Amazonas tem a assinatura de Djalma Batista. Muitas vidas foram salvas em virtude do seu trabalho dedicado e incessante.

O cientista foi responsável também pelo desenvolvimento da cultura, sempre valorizando a região amazônica. De 1959 a 1968, ele presidiu o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), voltado, de forma obstinada, para as causas humanistas. É muito comum, cientistas brasileiros batizarem suas descobertas com o nome de Djalma Batista. Muitos brasileiros e, principalmente os amazonenses desconhecem o fato de que há um fóssil gastrópode denominado “euomphalus batistai”.

 

HUMANISTA

Qualquer pessoa que possa, de forma precipitada deparar-se com a obra de Djalma Batista pode ser levada a pensar apenas em sua relevante contribuição para as ciências biológicas. À primeira vista, é mesmo este o pensamento dominante. Mas os que pensam desta maneira enganam-se redondamente. É notório que ele tanto poderia ser encontrado entre pipetas e tubos de-ensaio quanto debruçado sobre originais de artigos que a revista Centro Médico Amazonense viria a publicar. Um lado altruísta de Djalma era também desconhecido. Era comum ele tirar dinheiro do próprio bolso para impedir que se parasse ou mesmo que se atrasasse uma ação pública que beneficiasse a população.

Mais conhecido livro 
de Djalma Batista

Escritor de vários livros - sua obra mais conhecida é “O Complexo da Amazônia”, que já se tornou um clássico sobre a região, Djalma tem uma fundação com seu nome que, preocupada, executa várias atividades para reverenciar sua memória, dentre elas, um ciclo de palestras sobre vários aspectos da personalidade e da vida profissional do cientista. Num país de memória curta é importante ressaltar o caráter e a qualidade dos seus melhores homens.

 

Manaus, domingo, 8 e segunda-feira, 9 de agosto de 1999

 

sábado, janeiro 25, 2025

CONGRAÇAMENTO DOS NERY (1906)

Constantino Nery estava na metade de seu governo (1904-08), quando subsidiou na sede do governo (que ainda não se encontrava no Palácio Rio Negro) um banquete com os principais membros do Partido Republicano para homenagear o senador Silvério Nery, seu irmão e antecessor no Executivo.
Silverio Nery

O objetivo era ouvir a palavra do senador sobre a Questão do Acre, que se consolidara durante seu governo (1900-04), portanto, muito interessava ao Amazonas.
A postagem foi recolhida do jornal Amazonas (de 23 março 1906), pertencente ao Partido, pelo visto, compareceu a “nata da sociedade” dirigente, como diria o colunista contemporâneo.

  

Recorte do diário Amazonas, 23 mar. 1906

 

Realizou-se, ontem, em Palácio, o banquete político oferecido pelo dr. Constantino Nery, digno governador do Estado, ao nosso preclaro chefe, senador Silvério Nery.

O banquete começou às 7:30h da noite, sentando-se no lugar de honra o senador Silvério Nery, a quem foi dedicado o ágape, e à direita dele os coronéis Antonio Bittencourt, vice-governador do Estado, Hidelbrando Antony, secretário do Congresso, Raphael Machado, Cordeiro Junior e Públio Bittencourt, deputados; dr. Arthur Araújo, superintendente da Viação, e Carlos Figueredo; e à esquerda, drs. Sá Antunes, secretário de Estado, Victor de Souza, Alvares Pereira, major Raul de Azevedo, dr. Pedro Botelho, coronel José Gonçalves Dias, deputados, e dr. Ignacio Moerberch.

Em frente ao senador sentou-se o dr. Constantino Nery, governador do Estado, tendo à sua direita os dr. Jorge de Moraes, deputado federal, coronel Emídio Pinheiro, comandante do Regimento do Estado, drs. Paes de Andrade, inspetor do Tesouro, Porfirio Nogueira, Coriolano de Carvalho, diretor das Obras Públicas, e major Júlio Nogueira, diretor da Escola Normal; e à esquerda, coronel Ferreira Pena, desembargador Assumpção de Menezes, chefe de Segurança Pública, coronel Adolpho Lisboa, superintendente municipal, general Jacques Ourique, coronel João Batista de Faria e Souza, administrador  da Recebedoria, dr. Epaminondas de Albuquerque, procurador fiscal da Fazenda. Nas extremidades da mesa sentaram-se os drs. José Gayoso, diretor-geral da Instrução Pública e representante desta Folha, e Luiz Barreiros, diretor do Diário Oficial.

Justificaram suas não comparência ao banquete o desembargador presidente do Superior Tribunal de Justiça, o diretor do Serviço Sanitário e o diretor do Ginásio Amazonense.

(...) Em seguida, o ilustre senador Silvério Nery usou da palavra, pronunciando este brinde:

Sr. Governador, meus Senhores:

A benevolência de V. Exas. e a extrema gentileza dos meus amigos cativam-me sobremaneira com esta brilhante festa em que vejo representado aquilo que o nosso Partido tem de mais distinto e mais seleto: o chefe do Poder Executivo, membros do Poder Legislativo, chefes do serviço público, a imprensa, o comércio, as finanças.

Sinto-me feliz e satisfeito no meio de todos vós, senhores.

Feliz, porque vindo de longe, desde a primeira praça, a trabalhar nesta agitada política pelo progredir do Amazonas, conquistando pouco a pouco os acessos, cheguei à posição imerecida de comandar um partido forte e disciplinado; satisfeito, porque se me oferece oportunidade para dizer o que pensa e o que quer o Partido Republicano Federal do Amazonas, relativamente ao Acre.

 

E seguiu descrevendo aos comensais sua luta pelo direito do Amazonas ao território do Acre, sua luta por uma indenização que, não obstante o empenho do notável advogado Rui Barbosa pelo Amazonas, esta somente foi creditada décadas depois.

quinta-feira, janeiro 02, 2025

MANAUS: O JORNAL & DIÁRIO DA TARDE

Em 30 de outubro de 1930, surgiu em Manaus O Jornal (conhecido pelas iniciais OJ), matutino que liderou a imprensa amazonense durante décadas. Fundado por Henrique Archer Pinto, funcionava em prédio próprio na avenida Eduardo Ribeiro. Rivalizando com o Jornal do Comércio, do velho Vicente Reis, cuja redação ficava praticamente ao lado do OJ na mesma avenida. Segundo o saudoso professor Mário Ypiranga, Henrique e Vicente não se davam bem. O Jornal, no entanto, detinha a maior tiragem, disponho dos melhores jornalistas e a melhor impressão - à rotativa.

Reprodução de foto realizada pelo
autor do post - Ed Lincon

Essa liderança era conhecida por um jingle que rodava nas rádios de Manaus nos anos 1940 e 50: “Só acredito, só posso acreditar, se O Jornal de Manaus confirmar. Olha O Jornal!... O Jornal de Manaus…” Esse matutino detinha uma força junto ao público, permitindo eleger políticos e influenciar os governantes. Promovia concursos públicos, tal como uma espécie de loteria intitulada “Concurso de Palpites”, e também as sensacionais corridas ciclistas e pedestres, além do Festival Folclórico e os concursos de Rainha do Carnaval.

Em 1932, Henrique criou o vespertino intitulado Diário da Tarde, com seis páginas diárias e oito aos domingos, enquanto o OJ circulava com oito páginas diárias e doze ou dezesseis aos domingos. Por sua redação passaram jornalistas como Philippe Daou, Milton Cordeiro, Almir Diniz, Ajuricaba de Menezes, Irisaldo Godot, Ulisses Paes de Azevedo, Ana Maria, Heliandro Maia e tantos outros.

Recorte da primeira página do vespertino

Com o falecimento de Henrique Archer Pinto, assumiu a direção do OJ seu filho Aguinaldo, com a morte deste em 1956, e¸ posteriormente do seu irmão Aloisio, assume a viúva de Aguinaldo, dona Maria de Lourdes Archer Pinto, em 1961, que ascendeu ao cargo após ganhar a questão na Justiça.

Todavia, a derrocada se acentuava, em particular com o episódio que ocorreu no início da década de 1970, em função da saída dos jornalistas de Daou e Milton (para cuidar da instalação da TV Amazonas em 1972), e Ulisses Paes e outros, autênticos esteios do matutino. Maria de Lourdes (Betina) restou praticamente isolada no comando e direção do OJ. Era muita atividade para ela realizar, devido sua inexperiência. As dificuldades acumularam-se e não havia solução nenhuma. A redação e a oficina foram esvaziando aos poucos. O material usado prejudicava a impressão devido ao uso intenso e o desgaste, devido a inexistência de manutenção ou renovação. Mais grave, começou a atrasar o pagamento dos funcionários. De outro modo, os concorrentes melhoravam as suas redações e oficinas com impressão no sistema “Off Set”. assim, o OJ foi aos poucos perdendo a liderança da imprensa amazonense.

Breve melhoria ainda aconteceu em 1972, quando o Grupo TAA assumiu a direção de OJ, realizando enorme investimento que permitiu contratar novos profissionais e adquirir novos materiais. Desse modo, a tiragem aumentou, os anunciantes, que haviam abandonado as páginas, voltaram, e o pagamento dos funcionários foi normalizado. Todavia, menos de um ano depois, o grupo se desfez e a direção voltou a Lourdes Archer Pinto, que se viu novamente em “maus lençóis”, fazendo extremo esforço para manter O Jornal em circulação. O então INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) cobrava uma dívida vultosa, acumulada durante muitos anos. Na tentativa de quitar o débito, alguns bens foram penhorados. E mais uma ruína: em outubro de 1975, o Diário da Tarde do grupo deixa de circular definitivamente.

A redação ficou reduzida a três funcionários: o secretário, o subsecretário e um repórter esportivo, que se desdobravam para gerenciar O Jornal. Dos dez linotipistas restaram seis, e de cinco máquinas de impressão funcionavam apenas duas, depois, uma, a outra parou por falta de manutenção. Os anunciantes simplesmente sumiram e os poucos exemplares eram destinados aos órgãos oficiais. E o desastre foi se acumulando: o material para impressão começou a faltar, o papel era conseguido utilizando tocos de bobina; o pagamento era realizado através de vales; e os poucos funcionários decidiram faltar ao trabalho. Por fim, os anúncios pertenciam aos amigos que apenas desejavam ajudar.

Contudo, o dia fatídico chegou: em 14 de fevereiro de 1977, às vésperas do Carnaval, a então CEM (Companhia de Eletricidade de Manaus), cortou o fornecimento de energia. Findava assim, triste e melancólico O Jornal, definitivamente fora de circulação. O prédio e os equipamentos foram penhorados para pagamentos de dívidas. Enfim, o prédio foi demolido em outubro de 1980, e, em nossos dias, no local funciona uma agência do banco Santander.

(*) A postagem e a ilustração pertencem ao Ed Lincon, estudioso da história de Manaus, tendo no prelo uma viagem pelos cinemas da Capital. Segue copiando com sua aptidão artística as fotos mais representativas de Manaus.