CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, julho 18, 2022

MORTE DA MATRIARCA (1952)

 São 70 anos sem ela, aconteceu nessa data o falecimento de nossa Mãe (minha e dos manos Antonio e Renato). Durante anos acreditei e honrei o dia 17, até que o Renato com seu espírito vibrante me convenceu de que fora a 18. Apenas um detalhe, passado tantas décadas, sem importância. Dona Francisca, para o registro civil, a dona Chicuta para os familiares, segue presente. Juro! 

Renato, como realiza anualmente, produziu uma página de recordações, nesta ele abraça o nosso Pai, Manuel Mendonça. E conta algumas desventuras causadas pela partida de Dona Chicuta.



A REVELAÇÃO

28.04.2021

 Renato Mendonça

Após um ano que nasceu, a mãe morreu-lhe, e o deixou órfão com mais dois irmãozinhos. O pai não quis se casar. Ainda jovem, aos 36, deviam ter-lhe aparecido bons partidos, mas não quis compromisso. Ou não soube se casar. Essa é uma dúvida que ficou sem ser revelada. O certo é que não lhe faltaram relacionamentos, como jovem que era; é provável que muitos. E num desses, gerou dois filhos: um menino, Raimundo — muito parecido com o pai —, e uma menina, Sonia, num espaço de dois anos. A jovem Lindalva, muito jovem ainda, não se aceitava como esposa, apenas mãe.

Não há nenhuma crítica a esse tipo de comportamento, são desígnios da vida. O homem é intrinsicamente humano, um ser imperfeito, que mesmo compenetrado da sua doutrina religiosa, é movido também por seu instinto masculino a lhe cobrar a satisfação fisiológica, vicissitudes da vida. O certo é que ele cuidou de todos, à sua maneira, e dedicou-lhes atenção como um verdadeiro pai, quando lhe cabe uma missão acompanhada de uma responsabilidade dupla.

Ele só conseguiu aprender a se casar sete anos depois — veja bem, assim como o bíblico Jacó, que teve que esperar esse mesmo tempo para casar-se com Raquel. Talvez seja um presságio religioso fundamentado na mística do número sete, relatado inúmeras vezes no Antigo e Novo Testamento.

    Quando deu por si, o garoto, que ficou órfão com um ano, pedia a Deus que o fizesse sonhar com sua mãe para ouvir a sua voz. Queria uma revelação dos últimos momentos dela aqui na terra, como se ele tivesse adquirido a aptidão mediúnica, ou alguém que tivesse a capacidade de ver uma bola de cristal nos sonhos.

    Porém o momento sempre lhe foi negado pelo Criador, por uma razão óbvia: há situações em que é melhor ficar na imaginação, pois a sofreguidão é cruel. Contudo ele queria demais, queria obter os pensamentos dela na situação de dor, porque o pai sempre se recusou a lhe contar. E por que será? Será que ele teve esse momento diante dos olhos? Provavelmente a doença, altamente contagiosa, a afastava de todos; talvez por isso o pai não pôde testemunhar o momento fatal. E seu trabalho, longe de casa, também o impedia de ficar ao seu lado. Será?!

        Por tudo isso, havia esse conflito de hipóteses na mente do garoto carente dessas revelações. Mas intuiu, com ajuda divina, que a mãe, na sua solidão, afastada da família, vivendo sua dor do corpo e na alma, deitada na sua cama — ou na rede, como costumavam descansar os amazonenses — renovou o seu pedido aos céus: para que Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua santa benevolência olhasse pelos três filhos pequenos, com idade variando entre um e seis anos; que o jovem Manoel soubesse achar, dentro da sua responsabilidade e retidão, forças para cuidar dos três pequenos sem ter que doar algum. E mais, suplicou a Deus que todos fossem irmãos verdadeiros; que se ajudassem entre si, e tivessem uma convivência harmoniosa em seus corações. Que nenhum rancor ou ruído externo pudesse atrapalhar o amor fraternal. Que seus caminhos, embora diferentes, tivessem sempre a Luz Maior a alumiar todos os seus passos. E ainda se lembrou de pedir saúde, muita saúde e muitos anos de vida ao pai.

        Ela foi ouvida, o pai viveu até quase 99 anos, a tempo de tomar coragem e contar a desventura que se abateu sobre a mãe. O garoto ficou incrédulo quando ouviu o pai lhe contar, emocionado e com a voz embargada, que não era exatamente a tuberculose que a consumiu, mas a tão atroz doença infecciosa e ainda hoje temida...

        Agora, que o garoto Renato se encaminha para os setenta anos, sente na alma que a mãe Francisca o quer afagar como antes da doença, para lhe ajudar a extrair do seu íntimo uma intuição pouco comum: a revelação estava no próprio signo em que ele nasceu: signo de Câncer, primeiro decanato.

    Mesmo vivendo à sombra de suas inquietações, não se importou quando a vida teimosamente lhe impunha tantos desafios; para ele eram apenas degraus de uma longa escadaria para se chegar ao topo, ao equilíbrio espiritual, à paz de Deus. Na sua mais salutar inquietação, a partir de então, quis resgatar o conteúdo da história de sua mãe, a simplicidade humana, incluindo seus ancestrais.

 Seja por uma necessidade metafísica, seja pelo simples desejo de experimentar de novo as suas mãos santas, o garoto escreverá um livro para venerá-la; aproveitar-se-á dessa oportunidade de manifestação de mais um ato de amor, para ajudar a nos convencer que a vida absolve as derrotas.

Renato e o pai Manuel, em Barra Mansa/RJ

 

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