São 70 anos sem ela, aconteceu nessa data o falecimento de nossa Mãe (minha e dos manos Antonio e Renato). Durante anos acreditei e honrei o dia 17, até que o Renato com seu espírito vibrante me convenceu de que fora a 18. Apenas um detalhe, passado tantas décadas, sem importância. Dona Francisca, para o registro civil, a dona Chicuta para os familiares, segue presente. Juro!
Renato, como realiza anualmente, produziu uma página de recordações, nesta ele abraça o nosso Pai, Manuel Mendonça. E conta algumas desventuras causadas pela partida de Dona Chicuta.
A REVELAÇÃO
28.04.2021
Após um ano que nasceu, a mãe
morreu-lhe, e o deixou órfão com mais dois irmãozinhos. O pai não quis se
casar. Ainda jovem, aos 36, deviam ter-lhe aparecido bons partidos, mas não
quis compromisso. Ou não soube se casar. Essa é uma dúvida que ficou sem ser
revelada. O certo é que não lhe faltaram relacionamentos, como jovem que era; é
provável que muitos. E num desses, gerou dois filhos: um menino, Raimundo —
muito parecido com o pai —, e uma menina, Sonia, num espaço de dois anos. A
jovem Lindalva, muito jovem ainda, não se aceitava como esposa, apenas mãe.
Não há nenhuma crítica a esse tipo de
comportamento, são desígnios da vida. O homem é intrinsicamente humano, um ser
imperfeito, que mesmo compenetrado da sua doutrina religiosa, é movido também
por seu instinto masculino a lhe cobrar a satisfação fisiológica, vicissitudes
da vida. O certo é que ele cuidou de todos, à sua maneira, e dedicou-lhes
atenção como um verdadeiro pai, quando lhe cabe uma missão acompanhada de uma
responsabilidade dupla.
Ele só conseguiu aprender a se casar
sete anos depois — veja bem, assim como o bíblico Jacó, que teve que esperar esse
mesmo tempo para casar-se com Raquel. Talvez seja um presságio religioso
fundamentado na mística do número sete, relatado inúmeras vezes no Antigo e
Novo Testamento.
Quando deu por si, o garoto, que ficou órfão com um ano,
pedia a Deus que o fizesse sonhar com sua mãe para ouvir a sua voz. Queria uma
revelação dos últimos momentos dela aqui na terra, como se ele tivesse adquirido
a aptidão mediúnica, ou alguém que tivesse a capacidade de ver uma bola de
cristal nos sonhos.
Porém o momento sempre lhe foi negado
pelo Criador, por uma razão óbvia: há situações em que é melhor ficar na
imaginação, pois a sofreguidão é cruel. Contudo ele queria demais, queria obter
os pensamentos dela na situação de dor, porque o pai sempre se recusou a lhe
contar. E por que será? Será que ele teve esse momento diante dos olhos?
Provavelmente a doença, altamente contagiosa, a afastava de todos; talvez por
isso o pai não pôde testemunhar o momento fatal. E seu trabalho, longe de casa,
também o impedia de ficar ao seu lado. Será?!
Por
tudo isso, havia esse conflito de hipóteses na mente do garoto carente dessas
revelações. Mas intuiu, com ajuda divina, que a mãe, na sua solidão, afastada
da família, vivendo sua dor do corpo e na alma, deitada na sua cama — ou na
rede, como costumavam descansar os amazonenses — renovou o seu pedido aos céus:
para que Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua santa benevolência olhasse pelos
três filhos pequenos, com idade variando entre um e seis anos; que o jovem
Manoel soubesse achar, dentro da sua responsabilidade e retidão, forças para
cuidar dos três pequenos sem ter que doar algum. E mais, suplicou a Deus que
todos fossem irmãos verdadeiros; que se ajudassem entre si, e tivessem uma
convivência harmoniosa em seus corações. Que nenhum rancor ou ruído externo
pudesse atrapalhar o amor fraternal. Que seus caminhos, embora diferentes,
tivessem sempre a Luz Maior a alumiar todos os seus passos. E ainda se
lembrou de pedir saúde, muita saúde e muitos anos de vida ao pai.
Ela foi ouvida, o
pai viveu até quase 99 anos, a tempo de tomar coragem e contar a desventura
que se abateu sobre a mãe. O garoto ficou incrédulo quando ouviu o pai lhe
contar, emocionado e com a voz embargada, que não era exatamente a tuberculose
que a consumiu, mas a tão atroz doença infecciosa e ainda hoje temida...
Agora, que o
garoto Renato se encaminha para os setenta anos, sente na alma que a mãe
Francisca o quer afagar como antes da doença, para lhe ajudar a extrair do seu
íntimo uma intuição pouco comum: a revelação estava no próprio signo em
que ele nasceu: signo de Câncer, primeiro decanato.
Mesmo vivendo à sombra de suas inquietações, não se importou
quando a vida teimosamente lhe impunha tantos desafios; para ele eram apenas
degraus de uma longa escadaria para se chegar ao topo, ao equilíbrio espiritual,
à paz de Deus. Na sua mais salutar inquietação, a partir de então, quis
resgatar o conteúdo da história de sua mãe, a simplicidade humana, incluindo
seus ancestrais.
Seja por uma necessidade
metafísica, seja pelo simples desejo de experimentar de novo as suas mãos
santas, o garoto escreverá um livro para venerá-la; aproveitar-se-á dessa
oportunidade de manifestação de mais um ato de amor, para ajudar a nos convencer
que a vida absolve as derrotas.
Renato e o pai Manuel, em Barra Mansa/RJ
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