CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, setembro 26, 2017

REBELIÃO DE RIBEIRO JUNIOR (2ª parte)

Capa do livro da 2ª edição, 2006
A Rebelião liderada por Ribeiro Junior, em 24 de julho de 1924, marcou em especial Manaus. Durante décadas foi festejada por aqueles que vivenciaram os dias de entusiasmo e de ardor cívico. 
Nos últimos anos, ninguém mais fala do episódio, não mais se ouve o foguetório que festejava a data.

Próximo do centenário, ainda se encontram duas ruas com a denominação de Ribeiro Junior, uma, no bairro de São Francisco (69063-150), e outra, em Flores (69028-290). Além dessas homenagens, temos o Conjunto residencial situado na Cidade Nova.

Por óbvio, restam as lembranças da família Ribeiro Junior. As últimas ocorreram em 1998, quando sua filha Eneida Ribeiro publicou o livro Ribeiro Junior: redentor do Amazonas; posteriormente, em 2006, foi a vez da neta Beatriz Ribeiro, com a 2ª edição da obra (foto), ambos com o suporte do Governo do Amazonas.

Participei da primeira festa com o texto paralelo, que narra a refrega perdida pela PMAM. No post anterior, encontra-se a primeira parte.

A Força Policial e a Rebelião de 1924

O ataque

No início da noite de 23 de julho, o capitão José Carlos Dubois, comandante do 27° BC, aquartelado na Praça General Osório (hoje Colégio Militar de Manaus), apetrechou o trem de guerra e marchou sobre o Palácio Rio Negro. Para tanto, desceu a avenida Eduardo Ribeiro, tomou à esquerda na rua Henrique Martins e assim alcançou a avenida Treze de Maio (em nossos dias, Getúlio Vargas), estacionando atrás do Colégio Estadual. Havia, porém, uma pedra no caminho a suplantar, a Força Policial instalada logo adiante no quartel da conhecida Praça da Polícia.

Houve então o ataque. Acerca desta ofensiva translado a Parte Especial do oficial de dia, extraída do Boletim Regimental n° 173 (25/VII/924):

Ontem, cerca de 19 horas, foi este quartel, inopinadamente atacado por forças do vinte e sete Batalhão de Caçadores, havendo forte tiroteio que durou mais ou menos trinta minutos; quando depois de se encontrarem feridos o coronel comandante Pedro José de Souza e o primeiro tenente Manoel Correa da Silva, combinamos parlamentar com os adversários, o fazendo por considerar imprudência uma resistência com forças bastante superior, pois, apenas contávamos com dezesseis homens contra duas companhias; resultando esta Corporação entregar-se em virtude dos motivos acima, pelo que aderimos, coagidos, ao movimento revolucionário, como nos ditou as circunstâncias do momento.
Quartel em Manaus, vinte e quatro de julho de mil novecentos e vinte e quatro. (a) Augusto Vaz Sodré da Costa, Capitão Oficial de Dia.  

Algumas digressões em torno deste prefalado documento. A Força Policial possuía o efetivo previsto de 344 policiais. Como existia o claro de 115 praças, "por não comportarem as finanças estaduais a integração do efetivo", segundo registra a Mensagem governamental, e subtraindo-se os destacados no interior do Estado, cerca de 160 policiais guarneciam a capital. Desse resultado, menos de duas dezenas deles encontravam-se no Quartel na hora do assalto.

Quartel e Praça da Polícia, ainda o Colégio Estadual, em foto de 1950 

Quanto era ridículo esse quantitativo, confrontado com o efetivo do Regimento estadual ao final do século XIX. Para conhecer a história amazonense, foi essa força do Regimento que assegurou ao governador Eduardo Ribeiro (1892-96) se contrapor à Guarnição federal, assegurando-lhe a manutenção do cargo injustamente exigido.

Em julho de 1924, com o Amazonas demonstrando sinais de decadência, o pessoal da Força Policial apresentava-se, além de depauperado, desestimulado por uma razão simples: o soldo aviltado e sem recebê-lo desde fevereiro! A lealdade ao comandante em momento tão crucial estava comprometida, quanto mais ao governador, que cuidava da saúde própria na Europa.

Outro pormenor: duas companhias de fuzileiros do 27° BC correspondiam a cerca de 180 homens, apoiadas por fração de material bélico de porte. A prudência aconselhava não se contrapor, como assentiu o oficial de dia.

Enfim, a presença no quartel do comandante da Força no horário do assalto, reforça-me a convicção de que os policiais conheciam da sublevação. Posto que, "desde o início de julho, corriam em Manaus boatos sobre um levante militar". Apenas a impunidade dos membros do Governo não permitia crer naquilo que a população (e os próprios policiais) propalava à boca pequena.  

O coronel Pedro de Souza não conseguiu, sim, arregimentar maior número de praças, seria porque, também essas, ansiavam por mudança no Poder Executivo?

Guarda cívica

Submetida a Força Policial, foi esta metamorfoseada em Guarda Cívica, sob o comando do capitão Arthur Martins da Silva, alçado ao posto de "coronel". Os Boletins dessa organização, relíquia do arquivo da Polícia Militar, registram a abnegação dos guardas em socorrer as mesmas Forças Federais, por ocasião do ataque ao Forte de Óbidos, no mês seguinte. Com este objetivo, foram repassados ao 27º BC 50 fuzis e 45 mil cartuchos, além de colocar à disposição 39 praças do capital e as destacadas em Itacoatiara, sob o comando do tenente Francisco Pio de Souza.

A consequência do engajamento à rebeldia foi funesta, pois foram presos juntamente com os insurretos pelas forças do Destacamento do Norte e, posteriormente, processados na Auditoria de Belém.

O Amazonas todo, é verdade, beneficiou-se desse trauma constitucional, ainda que à sublevação seguiu-se a intervenção federal. A Força Policial foi reabilitada, voltando a ser comandada por oficiais do Exército requisitados pelo interventor Alfredo Sá, alguns no próprio 27º BC. Esses ajudaram a refundir na Polícia Militar do Estado as vigas mestras do progresso castrense – disciplina e hierarquia.


Concluo, reescrevendo parte do discurso do orador oficial saudando na Câmara Municipal, em 1962, a revolução cognominada de Redentora. O vereador Evandro Carreira com sua capacidade orava “para que os campeadores de 23 de julho de 1924, redivivos, reacendam a chama sagrada do heroísmo nas gerações e advirtam com a anátema indefectível da História os que, por ventura, tentem fazer dos bens comuns do povo propriedade particular.” 

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