CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, setembro 27, 2017

HISTÓRIAS DO ARCO-DA-VELHA

As três histórias aqui narradas por Ulisses Bittencourt aconteceram em Manaus. Muita fantasia já cobrem essas narrativas. Retirei a recorte do matutino A Crítica (14.setembro 1983).


Delas conheci o bisneto de Maurilio Torres, homônimo, coronel aposentado da Polícia Militar, que me assegurou parte do trauma vivido pelo antecessor. O governo provincial adquiriu de Pires Garcia o imóvel que foi por século quartel da PMAM, hoje abriga o Palacete Provincial.

Conheci a múmia da cabeça do jacaré no museu do IGHA. Sem comprovação, assombra essa história.

Pesquisei o quanto pude sobre a morte do Pensador. Dele, catei um fato no mínimo curioso: no único cartório existente na época (1º Cartório) não há a Certidão de Óbito do morto. Ou seja, foi enterrado como “indigente”.

Das brumas do passado

Quem lê os livros de Conan Doyle e Agatha Christie fica logo a imaginar se os misteriosos casos narrados, na verdade, poderiam ser concebidos em outros locais diferentes daquela atmosfera peculiarmente inglesa, de pessoas taciturnas movimentando-se num ambiente de nevoeiro, num cenário antigo, parecendo o mais propício aos crimes hediondos e às estórias sinistras engendradas pelos dois citados autores e por outros mestres do gênero.

Dentro dessa ordem de raciocínio, Manaus, com sua claridade tropical, seria a antítese de mistérios assim. Como, entretanto, toda regra tem exceções, podemos lembrar de algumas destas em ocorrências verídicas e que, por sua característica de excepcionalidade, foram alvo de investigações, de acurada análise por especialistas e de vivo interesse por parte do público em geral, no passado.

Tentemos, nos limites de uma crônica e para conhecimento das gerações mais novas, aqui relacionar três desses casos, todos acontecidos na capital amazonense, além de outros extraordinários, a serem relatados futuramente: como o bárbaro assassinato da menina Etelvina, muito venerada em Manaus; a morte trágica de Ana Ramos, no carnaval fatídico de 1915 e o atentado contra o Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo.

1)     O assassinato do Capitão Pires Garcia

Ignoram-se as origens exatas de Custódio Pires Garcia, sabendo-se que era nordestino e que, em 1870, já se achava em Manaus, ocupando cargos de relevo. Foi juiz de Paz, vereador, possuía grande fortuna adquirida em especulações, mas sua atividade principal foi sempre a usura.

Emprestava dinheiro a juros altos e era conhecido por sua exagerada sovinice, a tal ponto que por muitos anos o seu nome equivalia à designação de pessoa avarenta. Implacável com seus escravos e com seus devedores, residia ele e tinha escritório na atual av. Sete de Setembro (então rua Brasileira), numa vasta propriedade, depois desmembrada e vendida em hasta pública, na esquina da hoje rua Marechal Deodoro, em frente ao edifício do Banco do Estado.

Os clientes eram recebidos na sala da frente, atravessada por um balcão, atrás do qual ficava Garcia e um cofre imenso, onde guardava todos os seus valores.

Em determinada noite de maio de 1885, cerca das vinte horas, alguém o procura (tudo indicando tratar-se de pessoa sua conhecida) e o mata selvagemente com uma fulminante martelada no crânio, quando o banqueiro ia abrindo o cofre para colocar ou retirar alguma coisa.

Ato contínuo, o assassino foge, levando tudo — joias, dinheiro, ações, documentos e o registro dos devedores. Sem provas concretas, foi por três vezes levado a júri um amigo de Garcia — Maurílio Torres — único suspeito (por provas circunstanciais), comerciante no Juruá, pessoa muito conhecida e estimada em Manaus, o qual acabou sendo inocentado pelo Juiz de Direito, Dr. José Francisco de Araújo Lima. Há um livro do juiz Hosanah de Oliveira, tratando do caso.

Com o passar dos anos, soube-se que a acusação foi injusta, porém o mistério continuou. Falou-se muito, então, no nome do engenheiro russo Alexandre Haag, poliglota que percorreu todo o interior do Amazonas, tendo estado em Porto Velho e Rio Branco, sobre o qual escreveu um livro. Retirou-se de Manaus logo após o crime, viajando para a Europa.

2) A morte do Pensador

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), chamado por seus contemporâneos de "Pensador” — porque dirigira o jornal maranhense do mesmo nome —, foi uma das pessoas de maior expressão no nosso Estado, que chegou a governar em três ocasiões, duas em caráter provisório e a terceira, como candidato eleito para o quatriênio 1892/1896.

Aproveitou as rendas fabulosas do preço alto da borracha, com o orçamento sempre acusando superávit, e executou, em Manaus, as melhores e mais belas obras existentes. A passagem do século já o encontrou combalido das faculdades mentais, tanto que tinha estado com especialistas na Itália, porém, mesmo assim, gozava de enorme prestígio político e social.

A 14 de outubro de 1900, para imensa tristeza da cidade, o "Pensador" é encontrado morto, em sua aprazível chácara, situada diante do atual Hospício. O corpo de Eduardo Ribeiro estava sentado no chão, com uma corda fina de mosquiteiro atada no pescoço.
Houve, na época, laudos técnicos como causa mortis, mas o assunto, dado a importância da vítima, foi e vem continuando a ser objeto de especulações, considerando-se a dificuldade que haveria para suicídio na posição e nas demais condições em que o corpo se achava.

Prossegue a dúvida, sem solução satisfatória.

3) O monstro do igarapé

Na década de 1910, o igarapé dos Educandos era muito frequentado pelas lavadeiras, que ali se reuniam em conversas compridas, enquanto esfregavam, batiam e enxaguavam as roupas. Entre elas, era conhecida uma ainda bem moça, apelidada de Neca.

Um dia, contara ela a uma conhecida certo caso um tanto difícil de acreditar e, ante a expressão de dúvida que a ouvinte lhe fizera, acrescentou: "Que uma fera me mate se estou mentindo!". No mesmo instante um enorme jacaré surgiu veloz a seus pés e puxou a infeliz moça para a água; arrastou-a, diante da amiga e de numerosas outras pessoas, trucidando-a em minutos.

Atraídos pelos gritos dos que assistiam à cena, correram vários homens com espingardas, terçados e paus, conseguindo finalmente abater a fera. O caso chocou e comoveu toda a população de Manaus. Foi um dos maiores jacarés encontrados na região e sua cabeça faz parte do museu do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, onde permanece em exposição.



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